"Muita fé na caminhada/ Foco nos progresso e pá" — anunciam os versos da canção "Cometa" (2020), de MC Vinny e MC Paulin da Capital. Como numa prece, em outro momento, a batida do funk segue com "Livra de todos que querem meu mal/ Quero ao meu lado quem vem pra somar". A música, que fala tanto sobre união e crença na sua evolução, integra a trilha sonora da série brasileira "Sintonia". Talvez seja a canção que melhor resume a trama dos protagonistas MC Doni (Jottapê), Nando (Christian Malheiros) e Rita (Bruna Mascarenhas). A produção aborda não só música, religião e crime no cotidiano das favelas, mas as diversas possibilidades de sonhar.
A 2ª temporada de "Sintonia" chega à Netflix hoje, 27. Na temporada anterior, os três amigos de infância vivem diferentes conflitos para encontrar caminhos e conquistar espaços numa favela de São Paulo. Doni pretende ser cantor de funk; Nando "quer ser patrão"; já Rita "quer fazer a diferença". Agora, o público acompanha o desenrolar dessa história. A ascensão já não é mais um obstáculo — o desafio está pautado na continuidade de seus propósitos.
Nesta temporada, Doni já é MC de funk; Nando comanda o tráfico da quebrada; Rita encontra afago na igreja neopentecostal do bairro. Na nova era, tanto personagens quanto enredo apresenta maturidade, com ainda mais ação e drama. Não à toa: o lançamento da temporada atrasou um ano, devido à pandemia da Covid-19.
A pausa fez com que elenco, produção e direção desenvolvessem melhor os conflitos do roteiro. Assim analisou o ator Christian Malheiros, que dá vida a Nando, em coletiva de imprensa realizada no último dia 15, com a participação do O POVO. Gravar durante a pandemia, de acordo com Christian, Jottapê e Bruna, foi desafiador. Isso também implicou no amadurecimento de todos os envolvidos no set de filmagem.
A ideia original de "Sintonia" é de KondZilla, diretor de videoclipes de funk brasileiro. Criada por KondZilla, Felipe Braga e Guilherme Quintella, a série tem a direção geral de KondZilla e a direção dos episódios de Johnny Araújo, Daniela Carvalho, Gabriel Zerra e Thiago Eva. Para os protagonistas, a série já tem uma identidade construída. O que era "a série do Kondzilla" passou a ser a série do Doni, do Nando, da Rita e de tantas realidades de jovens do País.
Segundo Jottapê, a série exalta os contextos de periferias. "Não é mais só Kondzilla. Estamos representando várias pessoas e famílias", afirma o paulistano, que cresceu na Vila Brasilândia (SP). Christian Malheiros continua: "A série já tem uma cara própria, vai além de qualquer CNPJ (em referência à marca KondZilla).
A amizade de Doni, Nando e Rita é testada nesta temporada. Questões surgem a partir disso: em meio às subtramas de cada personagem, a conexão sobreviverá? Com cada um seguindo caminhos distintos, as essências seguirão as mesmas? Para Christian, há um valor simbólico intrínseco à relação dos três, já que trata-se "da família que eles escolheram". Segundo Bruna Mascarenhas, "família é família. Quando existe amor, não esquece". A atriz aprendeu muito com a sua personagem. Entendeu, por exemplo, o significado do perdão. Para Bruna, Rita "quer pertencer a um lugar".
Além do núcleo de jovens atores, a série conta com artistas experientes no elenco, como Rosana Maris, Fernanda Viacava, Marat Descartes e Luciano Bortoluzzi. Segundo Bruna, o set tinha a atmosfera da generosidade entre as gerações. A nova temporada também apresenta Fanieh, Gabriela Mag e Bruno Gadiol. Entre as participações especiais, estão o cantor Kevinho e o DJ Alok.
Para Christian, o audiovisual proporciona "contar histórias reais". Expoente na dramaturgia, o artista interpretou Tony, na série "Sessão de Terapia". Quem sugeriu seu nome para o diretor Selton Mello foi, inclusive, Rodrigo Santoro. Sobre a repercussão de seu trabalho, Christian diz: "Fico feliz e agradeço, mas foco na responsabilidade que ganho com isso". O ator afirmou que tem o compromisso com a comunidade negra, principalmente.
Em "Sintonia", para entender o ponto que cada personagem parou na 1ª temporada, foi preciso um trabalho colaborativo. Mas a convicção, segundo Christian, seguiu: "A gente esbarra nas mesmas questões, como o preconceito. (A série) desmistifica as pessoas da favela. A gente tá falando de desigualdade social, de um Brasil Colonial". Esta 2ª temporada, para os protagonistas, é "potente".
2ª temporada de Sintonia
Quando: a partir de quarta-feira, 27
Onde: Netflix
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