“O ar acabou pra mim em Wuhan / Acabou em Nova Iorque / Já não respiro nas ruas de São Paulo / Falta ar no cruzamento das fronteiras / Desse tempo calculado em adeus”. Os versos pertencem à canção “Asfixia”, de Flávio Paiva e Laura Finocchiaro, e refletem sobre um tempo de sufocação, medo e incertezas: a pandemia de Covid-19. Foi dessa insegurança que Flávio Paiva partiu para traçar a história do seu novo conto, “Asfixia”, onde dois personagens idosos lutam pela humanização em tempos de despedidas.
A obra surgiu a partir da tensão causada pelo aumento do número de mortes em decorrência da Covid-19, ainda no início da pandemia no Brasil. “São dois personagens que não se conhecem, mas diante da grande ameaça da chegada da pandemia, onde as pessoas com idade avançada, comorbidades, foram apontadas como principais alvos, cada um à sua maneira começou a desenvolver estratégias de como conviver com isso”, explica.
O autor relembra o começo de tudo: desde a falta de informação até a tristeza de quem pôde enterrar os próprios parentes. Mas em meio a situação caótica, Flávio encontrou na escrita uma válvula de escape. “Quando não tínhamos a clareza do que estava realmente acontecendo, a literatura foi o respiro, é uma forma de você testar hipóteses, observar por olhos imaginários”, reflete.
Em referência ao título, Flávio explica que a sufocação metafórica se dá por diversas vertentes ao longo da narrativa: pelo isolamento social, quando os personagens precisam ficar dentro de casa, sem entrar em contato com outras pessoas; pela sensação de que o tempo é contado, devido os “adeuses”; pelas suspeitas das outras pessoas, quando qualquer um pode estar contaminado.
Para escrever a história, o autor revela que deixou seus personagens livres, mesmo que em alguns momentos fizessem algo que ele não faria. “Eu não criei barreiras para a forma deles se movimentarem, porque senão eu iria matar a parte mais importante da literatura, que é a independência dos personagens”, explica. “Os dois tiveram total liberdade para se relacionarem como as coisas realmente aconteceram e eu não fiz nenhuma censura”, declara.
Além do conto, veio a canção “Asfixia”. Essa mesclagem de literatura e música já é característica dos trabalhos de Flávio, que tem em seu currículo diversos livros, álbuns e singles. “No meio do trabalho, de escrever o texto, surgiu a música. Eu parei e já fui fazer a música com a Laura Finocchiaro, e depois voltei a concluir o texto, já com a música pronta”, relata. “Essas expansões da arte, da literatura, são formas de cura em um momento que as questões sanitárias estavam totalmente em desmoronamento”, acredita.
A canção faz parte da narrativa e nasce a partir das dores emocionais de um dos personagens. “Em um momento de alucinação, o que é muito comum diante do temor, você ter discursos internos na sua cabeça, martelando coisas, falando alto, essa música é um extravasamento da dor”, explica. Trazendo mais contradições, a canção é uma balada punk, dançante, e reflete a catarse vivida pelo personagem diante da realidade.
A música foi lançada antes mesmo do livro, através das plataformas digitais, e Flávio explica que estava aguardando o momento em que poderia reencontrar o público para finalmente publicar a obra. “Não faz sentido eu lançar o livro, sem poder abraçar e receber as pessoas”, declara. Por isso, a obra ganha um evento de lançamento neste sábado, 27 de novembro, às 17h, na Casa Bendita.
Com apenas 500 exemplares, que não irão às livrarias e estarão disponíveis somente no evento, o autor considera um ato estético que simboliza o recomeço da convivência em espaços sociais e culturais. “No fundo, ele não é só um livro. É um conjunto de coisas. É livro, música, mas acima de tudo é um instrumento de ato simbólico de um reencontro, depois de quase dois anos de isolamento, de dificuldade de vínculos, de calor tátil e abraços”, reflete.
Ele acredita que outros produtos culturais ainda irão decorrer da pandemia, além de que a situação vivida mundialmente irá influenciar os comportamentos do futuro. “A literatura e a arte são fundamentais para a depuração desse ser humano individualista, que vinha com total descomprometimento com o planeta e agora se deu conta de que precisamos de uma mudança de rota”, pondera.
Flávio relembra que há outros elementos sufocantes, que existem desde antes da pandemia, como violência, mudanças climáticas e conflitos políticos, mas espera com esperança que o mundo pós-pandemia tenha aprendido suas lições. “A gente espera que esse grande drama da pandemia tenha produzido reflexões de que somos muito mais frágeis do que imaginamos e que a natureza não depende da experiência humana para existir. Espero que, com essa grande tragédia mundial, tenhamos pelo menos aprendido alguma dessas coisas”, finaliza.
Lançamento do livro "Asfixia", de Flávio Paiva
Quando: sábado, 27, às 17 horas
Onde: Sala de eventos da Casa Bendita, no andar superior (av. Rui Barbosa, 888)
Mais infos: @casa_bendita ou (85) 3093-7717
Obrigatório uso de máscara e apresentação do comprovante de vacinação