“Minha velha é louca por mim/ Só porque eu sou assim / Meu pai, por sua vez/ Se liga na minha/ E nos botecos onde passa/ Não dá outro papo/ Eu sou o caso deles/ Sou eu que esquento a vida deles”, cantaram os incendiários Novos Baianos em 1974. Filha de Baby do Brasil e Pepeu Gomes, integrantes da banda, a cantora e compositora Zabelê lança o álbum “Auê” na próxima quinta, 9. Reverência ao grupo musical dos pais, Zabelê mostra a eternidade dos Novos Baianos ao pop.
Com sete faixas produzidas por Wagner Fulco, “Auê” é o segundo álbum solo da artista. Ainda no dia 9, Zabelê estreia também o videoclipe da nova roupagem para “Masculino e Feminino” com participação do cantor Ney Matogrosso. O trabalho inclui ainda colaborações com Carlinhos Brown, Mestrinho, Dadi e Evandro Mesquita.
OP: Você cresceu num cenário artístico muito forte, teve contato com Gilberto Gil, Caetano Veloso e A Cor do Som ainda na infância. Como foi sua formação cultural?
Zabelê: Foi muito natural. A gente sempre gostou muito de ficar em casa com nossos pais, olha que loucura! (risos). A gente chamava os nossos amigos para irem lá para casa porque a nossa casa era a mais divertida. Era um ambiente divertido porque era muito cultural o tempo todo — a minha mãe e o meu pai sempre se preocupavam em trazer essas questões da arte, da música ao vivo, nossos aniversários tinham teatro de marionetes... Tinha uma animação e uma forma de lidar com a vida e o cotidiano muito artística. Daí nasceu o meu interesse e dos meus irmãos de uma forma natural, sem pressão. No meu caso, foi muito orgânica essa vontade de também seguir no caminho artístico.
OP: O SNZ, formado em 1997 com suas irmãs Sarah Sheeva e Nãna Shara, foi um grupo ligado à música pop. Como vocês ingressaram nesse gênero?
Zabelê: Com o SZN, a gente viveu muito a nossa verdade. Eu costumo dizer que a nossa cultura musical vai de Novos Baianos ao Michael Jackson — mas, hoje em dia, até Lady Gaga, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Adele… Nós somos de uma geração que recebeu muita informação musical de todos os estilos e isso é muito bacana. Eu acho que o SNZ foi para o pop porque também somos pop. Eu também sou pop: eu sou MPB, mas sou pop porque tenho em mim toda a herança musical do que eu ouvi da Tropicália ao Led Zeppelin, Stevie Wonder. O SNZ conseguiu trabalhar durante 10 anos em vários discos e passar o que a gente tinha vontade na época, a nossa vontade, a nossa mensagem musical e foi muito real. No grupo, eu tive um aprendizado muito grande como artista, como cantora, como coreógrafa... Ali foi um pontapé para várias coisas na minha vida, vários aprendizados necessários para uma carreira. Sou muito grata a tudo que eu vivi com as minhas irmãs porque é a base que eu tenho seguido na minha carreira solo.
OP: Os Novos Baianos foram muito influenciados pelos movimentos de contracultura, pelo tropicalismo, pela rebeldia efervescente dos anos 1970. Esse caráter revolucionário reverbera no seu atual trabalho? Como é regravar canções do grupo?
Zabelê: Regravar Novos Baianos, para mim, significa uma reverência principalmente ao movimento revolucionário que eles fizeram no passado. O Novos Baianos foi tão revolucionário que marcou a história brasileira: “Acabou Chorare” (1972) é considerado um dos maiores álbuns do mundo. O grupo tem um legado muito bonito, uma obra intensa e com muita informação e num momento muito forte do Brasil, quando a gente sabe que usar a voz era muita coragem. Eles foram muito autênticos! Os Novos Baianos fazem parte do meu trabalho como uma uma reverência, uma reverência ao que eu vivi, ao que eu aprendi. Novos Baianos foi único , então eu só posso agradecer a essa família musical tão forte, com tanta expressão e com tanta voz no nosso País. Acredito que o trabalho que estou fazendo, o “Auê”, é realmente uma reverência a tudo que eu aprendi e que eu tenho orgulho. A “Preta Pretinha”, que foi escrita por Luiz Galvão e tem melodia do Moraes Moreira, é uma música linda e eu me emociono por ter regravado esse hino junto ao Carlinhos Brown — que também tem essa gratidão aos Novos Baianos. Esse “Auê” da Zabalé é uma celebração ao que me marcou e marcou as pessoas, mas eu quero deixar muito claro que o lugar deles é o lugar deles. É uma reverência musical com muita honra.
OP: O produtor do seu disco, Wagner Fulco, é responsável por trabalhos com Bob Dylan e Guns N’ Roses, por exemplo. O Pepeu Gomes também é um ícone nas guitarras brasileiras. O rock está presente no “Auê”?
Zabelê: O rock está presente sim. Eu acho que aparece por meio do Wagner Fulco, que carrega essa veia dentro dele, e eu também sempre gostei muito de guitarras, tenho a guitarra envolvida em todos os meus trabalhos. Eu acho que esse trabalho tem uma missão também de trazer essas releituras de uma forma um pouco mais atual para essa nova geração, uma geração que não talvez não conheça todos esses sucessos do Caetano, da Baby, do Pepeu... Eu acredito que essas releituras podem chegar também a esse público jovem, que podem conhecer de uma outra forma essas músicas e artistas que precisam sempre ser reverenciados. Eu, como filha, tenho essa missão de levar o trabalho dos meus pais para outras gerações. Através dos arranjos, acho que a gente conseguiu dialogar com o pop e espero atingir aos ouvidos de várias gerações.
OP: Como foi o processo de criação do trabalho? A Baby e o Pepeu estiveram envolvidos?
Zabelê: Comecei a desenvolver esse trabalho com o Wagner Fulco e parei um projeto de autorais para me envolver no projeto Auê, que não precisa ser uma edição só e pode se desdobrar — afinal de contas, foi muito difícil escolher essas músicas dentre 40, 50 discos com obras lindas. Foi um grande desafio escolher poucas canções, mas meu Auê pode se repetir várias vezes porque tenho canções maravilhosas para revisitar. Foi tudo muito gostoso, eu adoro o processo criativo do trabalho artístico, eu adoro pensar desde o figurino à construção do show, os arranjos com a banda… Eu me divirto muito nesse processo. Meus pais ouviram o Auê quando eu já tinha começado o processo de criação com o Wagner, participaram mais ouvindo mesmo, porque eu fiz uma surpresa para os dois ao apresentar “Preta, Pretinha”. Eles sabiam que eu estava fazendo, mas também me deixaram viver essa liberdade de expressão. Eu busco apresentar a minha própria arte porque isso é muito importante como filha, como artista, como uma pessoa que já tem uma carreira de um tempo. Apresentei para eles e disse: “Essa aqui é a minha visão”. Eles curtem e respeitam muito isso.
OP: Você já tem mais de 20 anos de carreira, tem uma presença musical consolidada. O que está preparando para o próximo trabalho autoral?
Zabelê: Eu não posso falar muito agora! (risos). Mas eu já estou cheia de planos para o meu próximo trabalho, tenho algumas canções pré-definidas que já estavam comigo antes do projeto Auê. É uma outra Zabelê, que eu gosto de mostrar porque eu sou muito eclética e acho gratificante apresentar múltiplas facetas. O que eu posso adiantar é que meu trabalho de músicas autorais vai ser também uma grande revelação. Sairá em breve também.
"Auê", Zabelê
Produção musical: Wagner Fulco
Arranjo, mixagem e masterização: Wagner Fulco
Arranjo vocal: Zabelê
Produção: Animart Produções
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