Duas semanas depois de estrear no Rio de Janeiro, o Festival Varilux de Cinema Francês segue a Fortaleza ocupando o Centro Dragão do Mar com 18 filmes. Enquanto parte do Brasil já se despediu dessa 12ª edição do evento, outras 11 cidades seguem com o festival de hoje, 9, até 22 de dezembro. Entre os longas-metragens selecionados, estão animações, dramas, comédias, musicais, em diferentes medidas, cada um deles atravessados por questões contemporâneas, da política à pandemia.
No Rio de Janeiro, as sessões de estreia contaram com a participação de alguns dos nomes vistos na tela. É o caso do ator Sami Outalbali, reconhecido pela participação na série “Sex Education”, da Neflix. Ele veio ao Brasil divulgar o drama de Leyla Bouzid “Uma história de amor e desejo”, em que vive um jovem de origem argelina que se apaixona por uma garota tunisiana. Mas, ao descobrir uma coletânea de poesia erótica árabe, ele passa a questionar seus desejos e sua identidade. “É uma verdadeira sorte poder apresentar esse filme tão longe, para um lugar que eu não conhecia. Trazer esse filme é uma oportunidade. É muito rico conhecer novas opiniões, encontrar um novo o público bem diferente do que tem na Europa”, celebrou Sami que vive seu primeiro protagonista no filme.
Tendo praticado capoeira na França, essa é a pela primeira vez de Sami no Brasil. Ele conta que o cinema fracês vem tomando uma guinada mais política, retratando o momento atual de diferentes formas. “Com o contexto francês, com coisas que estão acontecendo, o cinema está ficando mais social e político. Isso vai com a sociedade também. Na mídia, a gente está escutando sempre as mesmas coisas e o cinema se permite ser uma outra tribuna, uma outra voz pra falar e mostrar outras coisas”.
O diretor Philippe Le Guay discorda em partes, avaliando que o cinema francês sempre foi muito diversificado. Ele integrou a delegação de convidados do Festival Varilux que percorreu algumas salas de cinema cariocas para apresentar “Um intruso no porão”, thriller que aborda o antissemitismo na atualidade. “É muito importante trazer ao Brasil por que o filme levanta muitas questões. Se eu conseguir esclarecer algumas respostas, já estou bem feliz”, comenta Philippe retornando ao País depois de três anos. “Admiro muito essa grandeza, esse sentimento de imensidade que a gente tem aqui. Quando a gente chega aqui no Rio de Janeiro, é muito bonito. Também o temperamento brasileiro, que é muito legal”.
Outro convidado vindo pela primeira vez ao Brasil é o veterano Olivier Rabourdin, protagonista do thriller “Caixa Preta”. Com mais de 70 filmes no currículo, entre pequenas e grandes participações (número que ele mesmo se impressiona), ele conta que já atuou em todo tipo de produção, filme de todos os gêneros. Mas “Caixa Preta” tem em especial seu reencontro com o diretor Yann Gozlan. “Eu já conhecia o diretor, já tinha filmado com ele, e estava muito feliz de encontra-lo por que é um prazer filmar com ele. Ele parece muito com o personagem (principal) do Mathieu. Ele é muito perfeccionista, muito obstinado, febril. E, ao mesmo tempo, do Matheieu é uma pessoa muito doce”.
Rabourdin conta que “Caixa Preta” foi lançado na Europa durante a pandemia, entre períodos de isolamento mais rígido e reabertura. Embora o cinema estivesse ainda prejudicado pelo medo de frequentar as salas, o lançamento gerou elogios da crítica e do público, boa repercussão em festivais, e o boca a boca levou muitas pessoas a assisti-lo. “’Caixa preta’ é um thriller e ao mesmo tempo político. Também é um filme um pouco intimista, por que é um autorretrato do diretor. É claro que na produção nacional não existem apenas obras primas. Mas, hoje em dia, vários diretores que têm demonstrado muita criatividade, inventividade e liberdade”, comemora ele, vindo pela primeira vez ao Brasil. “Se o fato de eu vir aqui fizer com que as pessoas vejam o filme, está ótimo. É o que a gente quer”.
*O jornalista viajou a convite do evento
Benjamin Voisin celebra cultura brasileira
Francês, 24 anos, Benjamin Voisin tem no currículo um Prêmio Lumière de Melhor Revelação e uma indicação ao César de Melhor Ator Promissor Masculino, ambos pela atuação no drama "Verão 85", de François Ozon. No Brasil para divulgar "Ilusões Perdidas", o ator de olhos acesos e jeito engraçado não escondia a empolgação de conhecer o Rio de Janeiro. Confira conversa com O POVO.
O POVO – Quem é o Lucien que você interpreta em “Ilusões perdidas”?
Benjamin Voisin – É um jovem poeta que, nos anos de 1800, tenta viver da sua arte, mas confronta o mundo violento e econômico da idade adulta. E claro, não conseguindo viver da sua poesia, ele se torna jornalista.
OP – Que visão você tinha sobre o jornalismo para fazer o filme?
Benjamin – Eu já tinha feito alguns filmes e encontrado jornalistas de cinema. Mas, o que foi muito interessante é encontrar, pela escrita de Balzac, os jornalistas do século XIX. E na época era muito simples: quanto mais caro você pagasse, melhor seria o artigo, a reportagem que fariam sobre você.
OP – E como você vê o papel do jornalismo hoje?
Benjamin – Eu ouvi dizer que tem uma confusão política no seu país. Lá no nosso país também. O filme mostra isso também. Uma polêmica é composta de uma informação e do desmentido dessa informação, então já são dois artigos. E dois artigos valem mais do que um. E no mundo de hoje, quem grita mais alto é que tem razão, é que ganha a polêmica. Eu não sou uma pessoa muito política, eu me oriento de formas diversas. Mas conheço alguns brasileiros em Paris, e aqui tenho alguns amigos, e eles estão um pouco decepcionados com o que está acontecendo. Eu não conheço tanto, mas a gente ouve falar que existem países que estão tendo atitudes melhores. Da mesma forma, meus amigos ingleses, na época do Brexit, estavam pouco à vontade por que estavam fora dos seus países e ao mesmo tempo contra o Brexit.
OP – É sua primeira vez no Brasil?
Benjamin – Sim, eu cheguei, saí do avião e entrei na caipirinha direto. Não pedi nada. Deram pra mim (imita voz de bebo). Dar álcool pra um francês saindo de um avião funciona sempre.
OP – Posso acreditar que, comparado ao seu personagem do filme, você está mais pro poeta do que pro jornalista?
Benjamin – Eu sou os dois. A questão do filme é saber o que você faz pra traçar a sua rota, ouvindo o menos possível as outras pessoas pra não se arrepender depois.
OP – Fora a questão política, o que conhecia do BR?
Benjamin – Uma coisa que acho incrível, com a música brasileira, é essa forma de tratar a tristeza com alegria. Eu acho isso muito brasileiro, muito diferente da cultura francesa. Na cultura europeia, não existe essa coisa de você tratar da tristeza com alegria, com o corpo, se mexendo. Geralmente, na Europa, a tristeza leva à depressão, a uma coisa mais ensimesmada. Eu acho isso muito interessante, essa dinâmica de reagir à tristeza com movimento, com vida. Ah! E o Neymar Junior, do PSG!
OP – Que relação você tinha com a obra do Balzac?
Benjamin – Eu já tinha lido Balzac, na escola é leitura obrigatória. Mas o que eu li não era o mais interessante. Eu achei que a literatura do Balzac era muito cínica, ao mesmo tempo muito clínica, as duas coisas. Quando eu descobri as “Ilusões perdidas”, eu me dei conta que era uma obra prima. Senti que era uma escrita muito viva. Era como se você pegasse brasa viva, quente, que você se queimasse. Eu realmente lamentei muito que na escola não tivesse a gente ler as “Ilusões perdidas” em vez de tudo que a gente tinha que ler.
OP – Mesmo sendo um filme de época, o que ele diz sobre o hoje?
Benjamin – A coisa mais bonita que a gente conseguiu fazer foi justamente, através do prisma do mundo do século XIX, falar dos problemas de hoje. Isso realmente era uma intensão e uma vontade do realizador. O que é muito louco é que os costumes mudaram, mas os comportamentos não mudaram. E desde aquele momento, que era o início do capitalismo, onde o dinheiro era tudo, se dizia que o dinheiro era o valor máximo, a coisa só fez piorar. Isso só foi crescendo. Como subir na hierarquia em vez de descobrir quem você é, você mesmo.
OP – Como você atravessou o período da pandemia?
Benjamin – Foi desastroso. Por uma lado é uma coisa muito louca que isso possa acontecer e tanta gente possa morrer. Isso é dramático. E, infelizmente, apesar desse encontro consigo mesmo que cada um viveu, não foi suficiente pra mudar nada, não bastou para transformar. Mas têm coisas muito interessantes, como os rios de Veneza e mesmo os rios de Paris ficaram com a água azul turquesa. Agora eles estão imundos, como eram antes. E ficou muito evidente que o ser humano é a espécie que mais polui o planeta. Isso ficou evidente durante a pandemia, se é que existia alguma dúvida sobre isso.
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Sob a luz das estrelas
O Rio de Janeiro é famoso por seus muitos cenários e pontos turísticos. Um deles é o Parque Lage, localizado no Jardim Botânico, com visão privilegiada para o Cristo Redentor. Foi ali, sob essa benção, que foi montada uma tenda para receber parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês. Tela grande, "paredes" de plástico translúcido, um céu estrelado acima e o público bem sentado em espreguiçadeiras.
A tenda, na verdade, foi emprestada por outro evento que exibe óperas transmitidas ao vivo das grandes salas do mundo para o parque que abrigou um engenho na época do Brasil Colônia. A ambiência que o local proporciona é especial e ajudou o público a imergir na França do século XIX, onde se passa "Ilusões perdidas", de Xavier Giannoli. O drama sobre o jovem poeta que precisa sobreviver às pressões da vida adulta foi um dos destaques do evento. O público - mesmo pagando R$10 por uma água e R$15 por um salgadinho - aprovou.
Festival Varilux de Cinema Francês
Quando: de 9 a 22 de dezembro
Onde: Cinema do Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
Quanto: R$ 8 (meia) e R$ 16 (inteira), de quarta a domingo; e R$ 5 (meia) e R$ 10 (inteira) às terças. O cinema é fechado às segunda. Ingressos à venda no Ingresso.com e no local
Mais informações: variluxcinefrances.com/2021