"Matrix" talvez seja um daqueles filmes que dispensa longas introduções sobre o enredo. Considerado um dos grandes sucessos da bilheteria mundial, é uma obra que se tornou referência no cotidiano. Quem nunca assistiu ao longa-metragem já deve ter ouvido alguém na internet falar sobre a "falha na Matrix" - uma situação que acontece "de repente", mas que parece familiar a quem viveu. E, para quem não conhece, a história acompanha Thomas Anderson, um programador de computador que se vê atormentado por pesadelos. Nestes sonhos aterrorizantes, está conectado a uma grande rede com outras pessoas. Depois de tanto enfrentar essa situação, ele passa a ter dúvidas sobre a realidade em que vive.
Eis que ele conhece os misteriosos Morpheus e Trinity e lhe postam uma opção: escolher entre a pílula vermelha ou azul. A primeira lhe conduz para o mundo real, enquanto a segunda faz com que esqueça o que aconteceu e permaneça em uma realidade paralela. Descobre, então, que é uma das vítimas de um sistema artificial que manipula a mente ao criar ilusões de um mundo real.
A sequência, que conta com os três primeiros filmes disponíveis na plataforma de streaming do HBO Max, ganha uma quarta continuação. "Matrix Ressurrections", dirigido por Lana Wachowski, vai estrear amanhã nas salas de cinema do mundo. Na história, Thomas continuará sua saga para libertar as pessoas que estão presas mentalmente pelas máquinas. Ele, que está entre duas realidades, precisa encontrar uma forma de ser bem sucedido em sua missão, mas terá grandes problemas no caminho. O elenco conta com Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Jada Pinkett Smith e Neil Patrick Harris.
Mas, para além de seu enredo, "Matrix" perpassa uma série de questões filosóficas. Os espectadores não precisam entender sobre a filosofia por trás do filme, mas ela é mostrada de forma implícita (e até explícita) em diversos momentos. A partir disso, o Vida&Arte explica alguns dos principais pensamentos que guiam o longa-metragem.
Alegoria da caverna
O filósofo Platão narra uma história que teria acontecido entre Sócrates e Glauco: o primeiro pede que o segundo imagine uma caverna subterrânea, onde todos os homens vivem presos desde o início de suas vidas. Os prisioneiros não conhecem nada além do que vivenciaram. Para eles, o mundo era a projeção de suas sombras nas paredes, iluminadas por uma fogueira. Em um determinado momento, um deles é liberto daquele local depois de encontrar sua saída.
Depara-se com a realidade e o mundo exterior repleto de luz solar. Incomodado, começa a se adaptar. Percebe, então, que o universo é muito maior que a caverna. O homem tem duas alternativas: retornar para as pessoas dentro da caverna e dividir a descoberta, podendo ser taxado de louco; ou viver sua vida em liberdade.
O que você faria? Essa é a pergunta que conduz Thomas Anderson - ou Neo - logo no primeiro filme, quando precisa decidir entre a pílula vermelha ou azul. Ele vive ligado a uma inteligência artificial, criada para manter a população humana como fonte de energia das máquinas. Quem está conectado à Matrix vive em um mundo paralelo, sem conhecimento da realidade. Do lado de fora, há uma rebelião entre as pessoas livres em que alguns buscam acabar com esse sistema.
"Penso, logo existo"
O filme "Matrix" reflete sobre a possibilidade de uma vida ilusória: será que existimos ou estamos apenas em um mundo de imagens irreais? O questionamento que conduz todo o longa-metragem dialoga diretamente com a célebre frase de René Descartes: "Penso, logo existo". No livro "Discurso sobre método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência", o filósofo questiona tudo que está ao seu redor. Assim como na Matrix, tudo pode ser somente um sonho. Seria impossível discernir se estamos vivendo a realidade ou não. Afinal, qualquer reflexão que possa acontecer também ocorre durante os sonhos.
Simulacros e Simulação
A relação de "Matrix" com o filósofo Jean Baudrillard, é, na verdade, contraditória. O filme faz referência a uma das principais obras do francês, "Simulacros e Simulação". Em seu livro, o autor discorre que a sociedade modificou os significados dos símbolos e dos signos, criando uma simulação da realidade. Ele acredita que, no mundo pós-moderno, passamos a viver em uma representação do real disseminada, principalmente, pela mídia. Isso criaria, portanto, um "simulacro", que é a simulação malfeita (e mais chamativa) da realidade.
Apesar de referências sobre seu pensamento no longa-metragem, Baudrillard manifestou suas críticas à produção cinematográfica em entrevista ao "Le Nouvel Observateur", em 2003. Ele, inclusive, foi chamado para participar da criação da a trilogia "Matrix", mas recusou. "Existiram outros filmes que trataram da crescente indistinção entre o real e o virtual: 'The Truman Show', 'Minority Report' ou mesmo 'Mulholland Drive', a obra-prima de David Lynch. O valor da Matrix é principalmente como uma síntese de tudo isso. Mas, neste, a configuração é mais tosca e não evoca verdadeiramente o problema", pontuou o filósofo.
"Os atores estão na Matrix, isto é, no sistema digitalizado de coisas; ou eles estão radicalmente fora dela, como em Zion, a cidade dos resistentes. Mas o que seria interessante é mostrar o que acontece quando esses dois mundos se chocam", refletiu. Segundo ele, a maior falha do filme é representar um mundo simulado em que todas as contradições foram extintas - não permitindo a possibilidade de haver dualidades.
"A ilusão radical do mundo é um problema enfrentado por todas as grandes culturas, que elas resolveram por meio da arte e da simbolização. O que inventamos, para suportar esse sofrimento, é um real simulado, que suplanta o real e é sua solução final, um universo virtual do qual tudo o que é perigoso e negativo foi expulso", explicou. Para Jean Baudrillard: "Matrix é certamente o tipo de filme sobre a matrix que a matrix seria capaz de produzir".
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