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20 anos sem Zenon: livro e cessão de direitos da "Iracema Guardiã" marcam a data
Vida & Arte

20 anos sem Zenon: livro e cessão de direitos da "Iracema Guardiã" marcam a data

Lançamento de livro e cessão de direitos de imagem da obra "Iracema Guardiã", anunciada com exclusividade ao O POVO, marcam os 20 anos de morte do artista cearense Zenon Barreto. O Vida&Arte revisita o legado e celebra a obra de um dos maiores nomes das artes plásticas do Estado
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Zenon nasceu em 31 de dezembro de 1918, em Sobral
 (Foto: Tibico Brasil/Divulgação/DataDoc O POVO)
Foto: Tibico Brasil/Divulgação/DataDoc O POVO Zenon nasceu em 31 de dezembro de 1918, em Sobral

O múltiplo artista cearense Zenon da Cunha Mendes Barreto morreu em Fortaleza há duas décadas, exatamente neste dia 18, por complicações de um enfisema pulmonar aos 84 anos. Defensor da arte pública, ele criou o monumento "Iracema Guardiã", localizado na Praia de Iracema, em homenagem à literatura de José de Alencar (também esteve na revitalização da casa do escritor, em Messejana). Seu legado se estende por várias lacunas, embora assumidamente encontrasse defeito em todas: pintura, escultura, desenho, charge, cenografia, mural ou gravura. Para o artista, a obra jamais estaria acabada. Ao longo da carreira, Zenon não só falou sobre suas obras ao O POVO, como também construiu uma coluna semanal: a "Museu". Quem assinava era Salvador Daky, um pseudônimo do "bigodudo" (como Estrigas o chamava carinhosamente). O nome faz alusão humorística e regional ao espanhol Salvador Dali (1904-1989). No espaço, além de divulgar as artes cearenses, Zenon cobrava o poder público pela difusão da cultura.

O lançamento do livro digital "Salvador Daky, Zenon Barreto" e a cessão de direitos de imagem da "Iracema Guardiã" pela família de Zenon à Casa de Vovó Dedé marcam estes 20 anos sem o sobralense que viajou o mundo, ancorou obra na Capital e fez morada na fazenda Ibiporã (próximo ao município de Caridade).

Com escritos do artista sob seu pseudônimo, além de cartoons e charges, os volumes de "Salvador Daky, Zenon Barreto" estão disponíveis na plataforma on-line do selo editorial Pano de Roda. A organização é da pesquisadora Jacqueline Medeiros, com apoio do Zenon Instituto Cultural — instituição sem fins lucrativos presidida pelo violonista Frede Barreto, filho único de Zenon, tendo por diretora internacional a pianista Nara Vasconcelos (nora de Zenon). O lançamento virtual ocorre hoje, 18, às 18 horas, no Instagram, com uma conversa entre Jacqueline, Nara e Frede.

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Também responsável pelo acervo do Banco do Nordeste (uma das instituições com conjuntos representativos de Zenon), Jacqueline revela: "A intenção é lançar vários volumes sobre a produção pouco conhecida, mas que diz muito do seu espírito crítico com humor e olhar sobre o ambiente artístico da época. Destaco uma questão levantada por Zenon sobre a criação de uma escola de arte, que até hoje não foi implementada na Universidade Federal do Ceará (UFC). Uma demanda desde a criação do Museu de Arte da UFC (Mauc)".

O Zenon Instituto Cultural, sediado em Fortaleza, difunde a obra de Zenon e vários segmentos culturais. A instituição foi oficializada em 2012, a partir da morte da viúva, a professora e pianista Maria Helena Barreto, quem conectou Zenon e família também à música. De lá para cá, a iniciativa realizou diversas ações, incluindo na Bulgária, onde os herdeiros residem. Em 2021, o instituto iniciou a implantação de um núcleo em Sobral, terra natal do artista.

Nara divide: "Tudo é saudade num artista grande e diverso como Zenon. Senso estético, capacidade criativa nos gêneros, inventividade de recursos técnicos... Muitos de seus resultados são indecifráveis, ele se valia de fórmulas inusitadas para alcançá-los. Falar de Zenon é falar da estética modernista nas artes plásticas do Ceará, de capacidade combativa e apreço à coletividade. Muito precisa ser feito pela divulgação de sua obra, notadamente pelas instituições públicas do Ceará, a começar pela mera placa de identificação da mais conhecida e icônica, a 'Iracema Guardiã'".

Em foto de Edimar Soares, a estátua "Iracema guardiã", na Praia de Iracema, em 2012. O projeto levou mais de 20 anos pra ficar pronto e, ao fim, não ficou exatamente como Zenon queria. Em outubro de 2012, o escultor Franzé D'Aurora assinou a reforma do monumento, que resultou na Iracema Guardiã vista atualmente na orla de Fortaleza, com revestimento na cor bronze, curvas e traços mais diferentes da obra original(Foto: Edimar Soares em 22/2/12 / DataDoc O POVO)
Foto: Edimar Soares em 22/2/12 / DataDoc O POVO Em foto de Edimar Soares, a estátua "Iracema guardiã", na Praia de Iracema, em 2012. O projeto levou mais de 20 anos pra ficar pronto e, ao fim, não ficou exatamente como Zenon queria. Em outubro de 2012, o escultor Franzé D'Aurora assinou a reforma do monumento, que resultou na Iracema Guardiã vista atualmente na orla de Fortaleza, com revestimento na cor bronze, curvas e traços mais diferentes da obra original

A Casa de Vovó Dedé, instituição sem fins lucrativos, atua no fomento à cultura entre crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social da Barra do Ceará e imediações. O diretor Wagner Barbosa celebra a cessão de direitos de imagens da "Iracema Guardiã": "Zenon é um dos maiores estilistas da arte contemporânea brasileira. A cessão é mais do que uma honra, é uma responsabilidade sem termos comparativos. Os projetos que a Casa possui para usufruir dos direitos são incontáveis. E isso nos faz ir mais distante nos projetos a serem criados. Muito está embutido nesse ato: a riqueza cultural do povo brasileiro, a personagem feminina mais decantada da nossa literatura, a genialidade do magistral Zenon, que soube tão bem passar a alma que José de Alencar criou para a matéria que se impõe como um dos mais icônicos símbolos de Fortaleza".

A advogada Cecília Rabelo, especialista em direito autoral, presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e profissional incumbida na cessão, afirma: "A proteção dos direitos autorais de um artista como Zenon Barreto visa garantir não só a dignidade e memória do autor, mas o próprio patrimônio cultural fortalezense, do qual suas obras são parte essencial".

Na foto: Zenon Barreto, Artista Plástico
Foto: Fernando Sá, em 09/09/1994
Na foto: Zenon Barreto, Artista Plástico Foto: Fernando Sá, em 09/09/1994

Zenon por Zenon

Eu, Zenon Barreto: “Sou mais ou outros”.
Atividade profissional: “Artes plásticas descambando para o artesanato”.
Atividades outras: “’Alterocopilismo’ nos fins de semana”.
Principais motivações: “Ir ao sertão conviver com os animais (os racionais também)”.
Qualidades paradoxais: “Metade cordeiro... a outra tigre”.
Pontos vulneráveis: “Do coração, o amor em maiúscula, de consciência o ódio em minusculas”.
Ódios inconfessos: “Infelizmente muitos”.
Superstições invencíveis: “Nem vencíveis”.
Medos absurdos: “Que me tiram a escada quando na subida aos céus”.
Tentações irresistíveis: “O grande trabalho mesmo é resisti-las”.
Orgulhos secretos: “Se são secretos…”

— Zenon Barreto para a coluna “Eu” do O POVO, publicada em 10 de julho de 1977. Pesquisa de Roberto Araújo, do DataDoc.

Lançamento "Salvador Daky e Zenon Barreto"

Quando: nesta terça-feira, 18, às 18 horas
Onde: @zenoninstitutocultural 

Salvador Daky/ Zenon Barreto

Org. Jacqueline Medeiros
Selo editorial Pano de Roda - Territórios e movimento
Disponível em Pano de Roda

Acompanhe

Zenon Instituto Cultural
Mais info: zenoncultural.com/portal/pt

Casa de Vovó Dedé
Instagram: @casadevovodede
Mais info: www.cvdd.com.br

Na foto: Zenon Barreto, Artista Plástico
Foto: Tibico Brasil/Divulgação, em 16/04/2004
Na foto: Zenon Barreto, Artista Plástico Foto: Tibico Brasil/Divulgação, em 16/04/2004

Múltiplo aguerrido

Zenon Barreto era enfático, perfeccionista, crítico sensível, amante das artesanias e da natureza, combativo pelo direito à arte pública, ao patrimônio histórico e à preservação da vida. Falar do artista significa atravessar essa complexidade. A crítica sobre si parecia tão afiada quanto o desagrado com a desvalorização das artes no Estado. Em entrevistas ao O POVO, Zenon imprimia sua sinceridade. Nos registros, falou do aborrecimento com a execução do arco da Iracema Guardiã, a subjetividade incompreendida pelos "leigos do século passado" objetivos e como a cidade crescia como um "verdadeiro monstro de tijolo e concreto". Quando o Banco do Nordeste e a Secretaria de Cultura do Ministério da Educação anunciaram uma alternativa para atenuar a destruição do patrimônio histórico, ele afirmou: "Estou surpreendido com a notícia, porque é alguma coisa de louvável". É de Zenon, inclusive, a ideia de criar uma Lei Municipal que tornaria obrigatória a aquisição de peças de artistas locais em prédios com mais de quatro andares na Cidade. Inserida no Código de Obras e Posturas do Município, a lei não foi cumprida na Cidade, como consta numa reportagem de maio de 1987.

Ao longo da carreira, iniciada aos 31 anos por "recomendação médica" após sofrer um acidente na Escola Militar do Ceará, Zenon foi figura constante na articulação das artes cearenses. Não à toa, o artista foi premiado em diversos eventos, como Bienal Internacional de São Paulo, Salão de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul e, especialmente, o cearense São de Abril. Junto a Ademir Martins, Estrigas, Antônio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo, Dodora Guimarães e mais artistas, compôs a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) e, a partir da entidade, integrou um dos maiores movimentos artísticos do Ceará. Foi, inclusive, o único cearense a participar da confecção dos vitrais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, ao lado de nomes como Cândido Portinari e Tarsila do Amaral.

Para Jacqueline Medeiros, a obra de Zenon está diretamente ligada à fusão entre arte, design e arte popular. A pesquisadora explana: "Zenon tratava de questões do sertão feminino, buscava tecer narrativas sobre o protagonismo da mulher sertaneja apresentadas nos seus trabalhos, principalmente nas esculturas públicas de Zenon Barreto (Iracema Guardiã, A rendeira, A ceramista, A piladora, o Cafuné e o projeto para a homenagem à Iemanjá). Nessas esculturas, há o protagonismo silencioso ou silenciado das mulheres. Sem escolha, elas assumiram o pulso da casa abandonada pelo marido que rumou para São Paulo, para o plantio de cacau no Acre ou que as deixou viúvas dos conflitos com cangaço e guerras. As mulheres são retratadas na labuta diária do seu universo do sertão. São mulheres que, sobretudo, influenciaram a configuração de novas formas de poder, ampliando seus espaços de atuação e, por vezes, interferiram, decisivamente, em questões sociopolíticas e econômicas. Seja na condição de viúva, órfã, administradora dos bens ou conselheira política, se recusaram a apenas cumprir com os papéis determinados por sua posição social e protagonizaram inúmeras outras formas de resistências".

A pianista Nara Vasconcelos, nora de Zenon, acrescenta: "Um passeio pela paisagem urbana de Fortaleza pode a um só tempo aquecer e fazer doer a saudade. Contemplar as linhas elegantes de seus painéis, como as "Jangadas" (Mauc), o "Estivadores" (Centro de Exportadores do Ceará) ou o precioso "Trabalhando no Campo" (Procuradoria Geral do Estado do Ceará), pisar a grama dos jardins da Abolição para reencontrar algumas das suas figuras femininas moldadas em cimento e, claro, contemplar o horizonte e o mar a partir de sua Iracema - possivelmente a própria expressão da grande saudade que Zenon nos deixou, cunhada eloquentemente naquela imagem de linhas simples e densas. E, aqui, é impossível não associar essa saudade a seu grande amigo, o agitador cultural Cláudio Pereira. A prefeitura de Fortaleza precisa honrar esse legado, fazendo constar junto àquela obra os dados do seu autor". As obras de Zenon estão presentes, entre acervos públicos e privados, no Paço Municipal de Fortaleza, no acervo da Fundação Edson Queiroz, na Embaixada do Brasil em Londres e, sob projeto, nos jardins da Embaixada do Brasil na Bulgária, chefiada pela embaixadora cearense Maria Edileuza Fontenele Reis.

 Painel "Jangadas" (1965), no Museu de Arte da UFC (Mauc) (Foto: Divulgação/Mauc)
Foto: Divulgação/Mauc Painel "Jangadas" (1965), no Museu de Arte da UFC (Mauc)

O Mauc conta, junto ao acervo do Banco do Nordeste, com obras representativas de Zenon. Segundo Graciele Siqueira, museóloga e diretora do Mauc, Zenon participou do projeto de concepção e criação do equipamento cultural. Além do painel externo "Jangadas", a instituição conta com 20 obras de autoria do artista. Há, por exemplo, a sala coletiva permanente "Os Fundadores", com previsão de remontagem para dezembro de 2022. "Eclético e versátil na sua atuação artística, Zenon está presente nos museus e galerias, mas também na rua. Zenon Barreto, de Sobral para o mundo! Vinte anos após sua morte, sua arte se faz presente na cidade e no estado de forma viva". 

Em nota ao O POVO, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) afirmou que "tem empreendido o trabalho pioneiro de catalogação das obras de arte do Município, com finalização prevista para o primeiro semestre de 2022. Somado a isso, será desempenhado o projeto de inventário das artes públicas da Cidade, no fito de garantir seu conhecimento, difusão e preservação".

Centro Cultural Banco do Nordeste
Onde: rua Conde d'Eu, 560 - Centro
Mais info: https://www.bnb.gov.br/centro-cultural-fortaleza

Museu de Arte da UFC
Onde: av. da Universidade, 2854 - Benfica
Mais info: mauc.ufc.br/pt/

Minimuseu Firmeza
Onde: rua Waldir Diogo - Mondubim
Mais info: www.minimuseufirmeza.org

Nuances da arte pública

“O artista Zenon Barreto e a arte pública de Fortaleza” é a dissertação de mestrado da jornalista e pesquisadora Sabrina Albuquerque, defendida em 2010 no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2014, o Centro Cultural Banco do Nordeste transformou a pesquisa em livro, disponível em formato digital gratuitamente pela internet. Em entrevista ao O POVO, a autora fala sobre o interesse pelo tema, as considerações de sua investigação e o que Zenon representa para a arte pública de Fortaleza.

O POVO - Como surgiu seu interesse pela obra de Zenon?

Sabrina Albuquerque - Quem me "apresentou" o Zenon Barreto foi o saudoso professor e pesquisador Gilmar de Carvalho. Fui aluna dele na graduação em Comunicação Social/ Jornalismo (UFC). Após alguns anos de formada, senti o desejo de voltar a estudar, fazer pesquisa e fui me aconselhar com Gilmar. Ele sabendo do meu interesse por artes plásticas sugeriu alguns nomes importantes para a historiografia regional, mas que ainda não tinha sido objeto de estudos acadêmicos. Óbvio que já conhecia algumas obras de Zenon, a exemplo da escultura Iracema Guardiã e do painel Jangadas, mas foi através de Gilmar que mergulhei no universo do artista. Tive a honra de conhecer artistas contemporâneos a ele, como Estrigas, que tinha uma memória prodigiosa e sempre me recebeu com muito carinho. Sei que fugi um pouco da pergunta, mas já que estou falando de pessoas que foram fundamentais para a minha pesquisa, não posso deixar de destacar a generosidade da família de Zenon, na figura de seu filho Frede e sua nora Nara, que abriram literalmente as portas de sua casa para que eu pudesse pesquisar no acervo de Zenon: estudos, catálogos de exposições, desenhos etc.

OP - Em suas investigações, o que você encontrou de mais emblemático?

Sabrina - Estabelecer diálogos entre a produção de Zenon e a produção de artistas de outros centros foi um exercício que proporcionou identificar semelhanças e diferenças entre essas obras. Discutir questões do modernismo brasileiro a partir de uma perspectiva local foi uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que a produção nacional serviu de parâmetro para a compreensão da produção local, as especificidades do modernismo cearense demonstraram que a estética modernista não foi difundida e nem assimilada da mesma forma nos quatro cantos do país. A arte cearense foi se revelando um campo fértil para futuros trabalhos acadêmicos, tanto pela carência de uma bibliografia especializada sobre o assunto, quanto para o mapeamento da arte brasileira produzida em cidades distantes dos grandes centros.
nacionais.

OP - O que Zenon representa para o debate da arte pública em Fortaleza?

Sabrina - A partir da década de 1960 verificamos dois fenômenos distintos que, juntos, resultaram em uma nova orientação na arte em espaços públicos da capital cearense, o que fez surgir os primeiros trabalhos artísticos de iniciativa governamental. Ao invés de monumentos que eternizassem personagens históricos, o poder público passou a encomendar obras que celebrassem os tipos e temas populares, os quais, além de habitarem as praças, passaram também a decorar prédios públicos. Essa mudança não selou o fim dos bustos, estátuas e monumentos a personagens históricos, pois eles não somente continuaram, como continuam sendo produzidos. O que verificamos foi o encerramento do ciclo produtivo de objetos urbanos, inspirados numa tradição europeia relacionada ao neoclassicismo, e a ascensão de objetos de temática e estilos nacionais. Se as esculturas produzidas na década de 1960 possuíam um caráter exclusivamente celebrativo, os painéis, por sua vez, desempenhavam também uma função decorativa em prédios públicos e residências de Fortaleza. A produção de painéis para espaços públicos fazia parte do pensamento arquitetônico moderno, que almejava promover uma integração das atividades artísticas, em especial, das artes plásticas com a arquitetura. Neste contexto, Zenon foi um dos artistas cearenses com maior produção de obras em espaços públicos de Fortaleza. Ao todo, são dez trabalhos: seis esculturas e quatro painéis. A despeito das particularidades das duas poéticas, essas obras celebram tipos do imaginário popular nordestino e narram o desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural que o Ceará passava nas décadas de 1960 e 1970 do século passado.

O artista Zenon Barreto e a arte pública na cidade de Fortaleza

O artista Zenon Barreto e a arte pública na cidade de Fortaleza

de Sabrina Albuquerque
Banco do Nordeste do Brasil
Disponível em site

Na foto: Zenon Barreto, Artista Plástico
Foto: João Carlos Moura, em 08/1986
Na foto: Zenon Barreto, Artista Plástico Foto: João Carlos Moura, em 08/1986

O que Zenon nos diria?

"Zenon, personalidade forte, por vezes incompreendido, é um exemplo vivo da fidelidade humana. Revela sua espiritualidade, atingindo em profundidade o humano na vida e na arte" — disse a pianista Maria Helena Barreto, esposa de Zenon e mãe de Frede, ao O POVO, em fevereiro de 1996. Segundo o violonista Frede Barreto, filho único dos artistas, a casa mantinha a abertura à arte construída pela juventude e pelos veteranos. Colegas e alunos de sua mãe também integravam esse vai-vem artístico. Ele recorda, com carinho, das vezes que frequentavam a praia do Farol do Mucuripe e a antiga Livraria Renascença. Ali, havia espaço para debates estéticos, políticos e filosóficos.

"Meu pai sempre me deu apoio. Até mesmo quando não concordava. Lembro-me de quando ainda pré-adolescente ele me dizer: 'Escolha a profissão que quiser, menos padre e militar'. Como eu não tinha nenhuma simpatia por essas carreiras, nem mesmo aquela recomendação foi efetivamente constrangedora. Gostava muito de vê-lo trabalhar, fosse pintando, desenhando, projetando ou montando esculturas. Isso despertava o meu interesse em acompanhar o processo criativo dele. Lamento ter precisado sair de casa muito cedo, aos 15 anos, e não ter podido testemunhar a maior parte da construção da sua obra. Precisei sair para dar prosseguimento à minha formação musical específica como violinista já que em Fortaleza isso era inviável. Nesse momento, mais uma vez, contei com o seu apoio, nada fácil para um pai de filho único", conta Frede.

Nara complementa: "As saudades de Zenon são um contraponto de opostos. Ele era sabidamente ranzinza, mas também uma pessoa adorável. Era crítico e exigente, mas suas tiradas de humor eram hilárias. Gostava de se isolar, em seu quarto ou na fazenda Ibiporã, mas também de se reunir com uma boa roda de amigos na varanda, para a confraternização ou o debate. Era muito afetuoso, mas se ressentia com facilidade. Era um temperamental e ao mesmo tempo um austero, de personalidade forte, com um grande senso de disciplina, integridade física e respeito consigo próprio: acordava muito cedo e despontava no corredor, barriga "pra dentro", invariavelmente banhado, barbeado e penteado. Aqueles bigode e cavanhaque estavam sempre bem mantidos. Passava praticamente reto para seu ateliê na garagem, onde despendia as primeiras horas da manhã. Nos últimos meses de vida, seus trabalhos eram artesanais, em cobre: castiçais, medalhões, molduras de espelhos bisotê. Praticava uns 10 minutos de remo seco diariamente, por recomendação médica, dado o enfizema pulmonar, provável resultado dos muitos anos como fumante e boêmio. Todos na família gostamos desse equipamento de ginástica, inspirados por ele. Possivelmente um câncer de intestino foi o que levou ao seu emagrecimento súbito das últimas semanas de vida; ele, que sempre foi magro, chegou a pesar 40 kg. Quando internado no hospital da Unimed, os exames de diagnóstico já não obtiveram êxito. Mas em toda essa fase final nunca lhe faltou coragem, nem se queixou ou lamentou".

Mas o que nos diria Zenon? Frede decifra: "Nos embates sociopolíticos, Zenon sempre se posicionou frontalmente contra o reacionarismo, o conservadorismo, os preconceitos de toda ordem, conjunto que ele costumava referir como 'ideias submissas'. Na época dele, os partidários desse ideário regressivo, em geral tinham vergonha de expô-lo publicamente enquanto que nos nossos dias, em várias partes do mundo, eles estão no poder do qual, sem cerimônias, fazem uso para dificultar o progresso das ciências, o desenvolvimento das artes e contra tudo que favoreça processos civilizatórios".

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