O coreógrafo cearense Leandro Netto não retornava ao Estado onde nasceu há, aproximadamente, três anos. O regresso temporário aconteceu no mês de janeiro e a estadia permanece até esta sexta, 4. Mas o que o traz de volta ao Ceará não são os arredores familiares de Fortaleza, e sim o Grande Bom Jardim. É neste território - até então desconhecido - que ele trabalha diariamente, das 9 às 18 horas, para construir a coreografia do espetáculo "Corpo Dança", projeto em parceria com o Instituto Katiana Pena, organização que movimenta o ensino da dança para crianças e jovens do bairro.
"É uma sensação de corpo e memória nova, porque eu não estou dentro de um lugar que eu habitei", conta Leandro. O bailarino ainda não teve contato com o outros espaços da cidade, como o Centro, e relata as percepções adquiridas. "O meu diálogo e minha construção, desde as referências até as inquietações artísticas, está sendo no Bom Jardim. É diferente de tudo que eu já vi na vida, toda a dinâmica do que acontece, o bairro se modifica o tempo todo. É tudo novo".
Esta é uma das mudanças na trajetória de Leandro, fortalezense que fez morada em Horizonte, município a 40 quilômetros da Capital, ainda na infância. Aos 16, descobriu a dança por meio de um projeto social da prefeitura. Não demorou muito para que os estudos no sapateado se transformassem em profissão. "Logo depois fui para o ballet, jazz, e em seguida fui tendo ligação com a dança contemporânea, o hip hop. O meu interesse sempre foi compor, então eu pesquiso diferentes linguagens porque elas se complementam".
O convite para atuar em Fortaleza veio em 2005 por meio da artista Goretti Quintela, grande nome do ballet clássico. Ele percorreu várias escolas de dança da cidade, como coreógrafo ou diretor artístico, até inaugurar o Centro Coreográfico Leandro Netto, em 2013, e a Leandro Netto Companhia de Dança em 2015. "Eu tinha a necessidade de desenvolver o meu trabalho e vivenciar a gerência das minhas ideias. Eu fui desenvolvendo, experimentando, errando, acertando. Nós fomos para festivais e conseguimos coisas muito rápidas enquanto escola nova e não tradicional", relembra.
O último ato de Leandro com o centro coreográfico aconteceu na edição do Férias no Dragão de 2017. O coreógrafo soube do suicídio da mãe 15 minutos antes da estreia da montagem "Vel_Cru". "Foi um choque, resolvi parar, fechei a escola e continuei somente com a companhia. Foram surgindo outros desejos de não habitar mais a cidade, de buscar outros terrenos que não fossem nem Fortaleza, nem o Brasil. Não tinha mais sentido", explica.
A partir do acontecimento, o bailarino começou a pesquisar doenças como a depressão e investigar possíveis alternativas para processos terapêuticos, já que não concorda com o uso de medicamentos comumente utilizados no sistema brasileiro. Encontrou no Uruguai, onde vive desde 2019, uma oportunidade de explorar os resultados da cannabis na rotina. "A minha pesquisa no país não é literalmente a dança, mas a minha relação com a cannabis e como ela afetou o meu corpo depois do que aconteceu com a minha mãe. E também com o sentido de reestruturar os sonhos e os desejos que eu tenho, que é seguir produzindo e dançando, além da relação com a terra. A minha forma de lidar com as pessoas, de dançar, a habilidade de escutar, tudo se modificou.".
O coreógrafo afirma que os países são distantes apesar da proximidade geográfica. Compreende que as necessidades do Brasil não se aplicam ao Uruguai e vice-versa. "Eu acredito que as intensidades são muito distintas pelas próprias políticas desenvolvidas. Eu estou transitando dentro de dois mundos e ainda buscando como cruzar essas potências", elabora. Apesar do suporte das medidas públicas voltadas para as artes no Brasil, como os editais, Leandro pontua que a saúde mental é menosprezada. "Quando a gente entende o sistema, consegue sair e depois retornar, você vai encontrando brechas para dialogar e permear com tranquilidade. O artista precisa de dinheiro, mas também tem que ter válvulas de escape".
O espetáculo em parceria com o Instituto Katiana Pena é uma das eventuais aberturas. Leandro, que atualmente conta com experiência de licenciatura em dança contemporânea em Montevidéu e indicação de melhor coreógrafo no Festival de Dança de Joinville, desenvolve estratégias com os alunos desde julho de 2021. A previsão de apresentação para o público deve acontecer ainda no primeiro semestre de 2022. “Está tudo caminhando maravilhosamente, foi interessante porque a gente foi buscando calmaria nessa intensidade de corpos que se encontram querendo produzir, se mover. No Uruguai eu esqueci um pouco desse sol que racha e, querendo ou não, empurra você para produzir".
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