Em 30 de maio de 1892, o Café Java, espaço que carregava estilo art nouveau na Praça do Ferreira, foi palco do surgimento de uma agremiação literária que “agitaria culturalmente” Fortaleza. Encabeçado pelo poeta Antônio Sales, o movimento denominado “Padaria Espiritual” reuniu jovens escritores que desejavam criar uma instituição para despertar o gosto pelas letras na Capital cearense, proporcionando um movimento de modernização e atualização das novidades “intelectuais e artísticas”. Adolfo Caminha, Henrique Jorge, Rodolfo Teófilo e Antônio Bezerra foram alguns dos “padeiros” de maior destaque na iniciativa que se notabilizou também pela sua originalidade e veia humorística.
Quase 130 anos depois, a agremiação literária terá sua história resgatada e narrada por meio de quadrinhos a partir do projeto “Padaria Espiritual em Quadrinhos”. A produção, idealizada pelo professor e Doutor em Literatura Comparada, Charles Ribeiro, tem campanha de financiamento coletivo no Catarse para arrecadar recursos para sua publicação. Com apoios a partir de R$ 10, a campanha traz, além do livro impresso, recompensas como marcador de página personalizado, um pôster de mapa da Fortaleza antiga ambientado na Praça do Ferreira, nome nos agradecimentos e a obra “A Fome - 130 anos: Rodolfo Teófilo Romancista”.
Além de Charles, participam da produção os ilustradores Antônio Luís XIII e Talles Rodrigues - esse, responsável pela ilustração da HQ “Mayara & Anabelle”, vencedora do prêmio HQ Mix. Com bagagem de mais de 15 anos de estudos sobre literatura cearense e sobre a própria Padaria Espiritual, Ribeiro recorreu a pesquisas do professor Sânzio de Azevedo para fundamentar seu trabalho. Além disso, agregou à iniciativa estudos de historiadores como Leonardo Mota, Barão de Studart e Dolor Barreira.
Entretanto, a principal fonte seguiu sendo a produção realizada por escritores e poetas padeiros, a partir de estudos de livros e dos jornais “O Pão”, “O Libertador” e “A República”. Charles ressalta que “enfatizou bastante” o depoimento de escritores da época, como “relatos e memórias de Adolfo Caminha, Rodolfo Teófilo e Antônio Sales”. “Eles eram muito preocupados em narrar o contexto literário da época e também suas aventuras e polêmicas literárias”, comenta.
O desejo de falar sobre a Padaria Espiritual a partir de quadrinhos se associa a frentes diversas: além de ter crescido lendo HQs, Charles é “fascinado” pela história do Ceará, bem como por sua literatura e seus autores. Não à toa, então, fez doutorado sobre o escritor Rodolfo Teófilo, que fez parte da agremiação. Assim, estudou bastante sobre o movimento literário e, na pandemia, resolveu “retornar aos quadrinhos”:
“Como professor e pesquisador acadêmico de literatura cearense, resolvi aliar também o meu lado pesquisador e roteirista de quadrinhos em um projeto que explorasse narrativas gráficas sobre a história do Ceará, dos movimentos literários e dos seus escritores”.
A obra apresentará a trajetória da Padaria Espiritual a partir da perspectiva de Francisco da Luz, personagem que estampa a capa da HQ e é filho de ex-escravizados que atuaram na campanha abolicionista no Ceará. O cronista “transportará” o leitor até a Fortaleza antiga. “Eu pretendo mostrar a força transformadora da educação e da arte, narrando o desenvolvimento dele em paralelo à história da Padaria Espiritual. Ele crescerá e se tornará jornalista, seguindo os passos de Luís Gama”, revela Charles.
Realizar o projeto requer também um cuidado maior com a linguagem trabalhada ao longo da narrativa, considerando os quase 130 anos que distanciam essa iniciativa da fundação da Padaria Espiritual. Como Charles afirma, seu desejo é “produzir um livro ao alcance de todos”, mas é preciso também um olhar acurado para não descaracterizar a forma dos personagens se expressarem. Afinal, eram maneiras de pensar, de agir e de falar diferentes das vistas hoje em dia.
“Li muito os jornais da época e a produção escrita dos padeiros para estudar a linguagem e adaptar para o alcance maior do público. Mas, não pretendo fazer algo radical, porque a língua é histórica, e é interessante as pessoas conhecerem os termos usados em uma determinada época, os temas da moda. A Padaria Espiritual foi muito caracterizada pelo seu humor, mas esse humor faria uma pessoa do século XXI rir? Como era o humor da época? O humor e o riso são fenômenos sociais e históricos e pretendo mostrar como a Padaria usava esses mecanismos para escandalizar a sociedade e tirá-la do marasmo cultural, pelo menos na sua primeira fase”, destaca.
Com a HQ, Charles Ribeiro tem objetivos que ultrapassam o desejo de “apenas” falar sobre a Padaria Espiritual. Em seu trabalho, o resgate vai além, e servirá para “narrar a história da cidade de Fortaleza desse período”, um espaço de “riquíssima efervescência cultural e política”, na visão do autor. Praça do Ferreira, Passeio Público, bondes, lojas, cafés: todos esses cenários ajudarão a contar sobre uma Fortaleza marcante:
“Esse é um dos grandes objetivos: representar, por meio dos quadrinhos, esse agitado contexto histórico e cultural da Cidade, valorizando o cenário urbano da Fortaleza antiga, a memória arquitetônica e o patrimônio material da cidade. Para isso, fiz e estou fazendo uma intensa pesquisa iconográfica, recorrendo a jornais e fotografias”.
Charles encara o formato da obra como uma maneira de aproximar diferentes públicos à história da Padaria Espiritual: “Os quadrinhos podem ser um ótimo atrativo para fomentar novos leitores, principalmente crianças, adolescentes e jovens. Por isso, os quadrinhos, devido ao seu potencial expressivo, garantem a participação ativa do leitor e são excelentes meios de divulgar a literatura e a arte cearense”.
Padaria Espiritual em Quadrinhos
Quanto: apoios a partir de R$ 10
Onde: www.catarse.me/padaria-espiritual-quadrinhos
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