Cecília Meireles (1901 - 1964) dispensa apresentações. Mas esta é uma breve introdução: considerada um dos mais importantes nomes da literatura brasileira, ela tem uma trajetória que se estende pela poesia, pelos romances, pela pintura, pelo jornalismo e pelo magistério. Como poeta, escreveu "Romanceiro da Inconfidência" (1953). Como escritora, produziu "Ou Isto Ou Aquilo" (1964). Como professora, defendeu reformas educacionais e lutava por bibliotecas voltadas ao público infantil. Quase seis décadas após sua morte, a obra da autora continua a ser discutida, debatida, refletida e pesquisada por pessoas das mais diversas áreas de estudo. E, agora, uma nova publicação é adicionada a esse universo aparentemente infinito de produções de Cecília Meireles: "Um país no horizonte de Cecília" reúne nove ensaios e reportagens da revista "Observador Econômico", lançados entre fevereiro de 1939 e maio de 1940.
Os artigos são divididos em assuntos que ela apurou para o periódico. São eles: "Economia do Magistério", "Economia do Intelectual", "Trabalho Feminino no Brasil", "Economia da Moda", "Comércio de Arte Antiga", "Educação Profissional", "Férias de Janeiro", "Cenas do Trabalho Feminino" e "A Carne e o Matadouro". Assim como os títulos já indicam, ela discorreu sobre temáticas variadas, como a instabilidade vivenciada pelos professores, as barreiras do sistema de ensino e o histórico das mulheres no campo profissional. Extrapolou as questões pelas quais costumava debater com recorrência e falou sobre a importância da moda na vida das pessoas, a comercialização de objetos antigos e a necessidade do descanso para os trabalhadores.
As reportagens foram publicadas em formato de coletânea pela primeira vez por meio da Global Editora. Os escritos inéditos foram encontrados pelo próprio organizador, Gustavo Henrique Tuna. O historiador e doutor pela Universidade de São Paulo (USP) recebeu a informação de Sérgio Alcides, professor de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em relação ao registro desses textos na Hemeroteca Digital, da Biblioteca Nacional. A partir disso, localizou os números e encontrou as publicações da revista.
Para ele, os ensaios sinalizam uma versão de Cecília Meireles que é parte central de sua obra poética. "Esses ensaios acabam sinalizando para algo bastante marcante da poesia dela, que é sua genuína preocupação com o lado humano. Quando ela fala de educação, por exemplo, levanta os números, entrevista professores e quer saber o cotidiano deles, o que eles estão vivenciando. Na moda, ela parte para entrevistar as mulheres que trabalham nos ateliês", cita. A escritora, portanto, lança seu olhar não apenas para os dados, mas também para as perspectivas de seus entrevistados. Ela busca saber sobre os pensamentos dos trabalhadores, suas opiniões sobre as situações ressaltadas e suas visões de mundo. Seu interesse, em todos os momentos, é respeitar o humano e sua complexidade.
E os nove artigos, que foram escritos há mais de oito décadas, ainda fazem sentido quando relacionados aos dias atuais. O machismo, a desvalorização dos professores, a dificuldade de se manter financeiramente como um intelectual e a exploração trabalhista são algumas das questões que permanecem tanto tempo depois. "Cecília Meireles tinha a vivência de ser uma escritora, em um meio marcado pelos homens. Hoje isso, felizmente, já mudou, mas ela escrevia a partir dessa perspectiva. O 'Trabalho Feminino no Brasil' é uma reportagem em que ela lança uma série de dados sobre a presença da mulher no mercado de trabalho, faz entrevistas e está mais próxima dos moldes clássicos do jornalismo. Outro artigo é 'Cenas do Trabalho Feminino', em que ela tem uma prosa mais próxima da ficção e narra como seria o dia de uma mulher de um lugar mais humilde e também de uma mulher favorecida economicamente", explica Gustavo Henrique Tuna.
A poeta escrevia sobre esses assuntos em meio a um cenário político autoritário. Era o período do estado novo (1937 - 1946), instaurado por Getúlio Vargas (1882 - 1954). Naquela época, o governo havia instaurado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) com o objetivo de censurar os veículos de comunicação. Também havia repressão ao comunismo e a movimentos considerados revolucionários e contra o regime vigente. Mesmo assim, Cecília Meireles se debruçava sobre os problemas das mulheres e da classe de trabalhadores.
O editor ressalta: "O que me causa muita admiração por ela, além da qualidade dela como escritora, é a sua independência de pensamento. Se você pensar bem sobre os ensaios, ela está escrevendo em pleno período do Estado Novo. Em muitos casos, ela se coloca frontalmente contra as políticas implementadas pelo governo Vargas. Essa independência e essa autonomia de pensamento é algo admirável. Ela era fiel aos ideais dela, não se entregava, não se vendia".
Um país no horizonte de Cecília
229 páginas
Global Editora
Preço médio: R$ 55