Num primeiro momento do isolamento social rígido, durante a pandemia, muito se falava sobre conforto e a busca pelo essencial. Com a vacinação em massa da população, embora o cenário seja ainda complexo e permeado por incertezas, há o anúncio de um novo tempo, com destaque para a celebração da vida e o desejo de viver. Após tanto tempo em casa, devido às restrições de combate ao coronavírus, ascende na moda um movimento pela liberdade e pelo otimismo, sem restrições. Nas peças, sob esse contexto, emergem a explosão de cores vibrantes, a mistura de estampas, recortes e texturas, além da exuberância de volumes. Tudo junto, ao mesmo tempo e agora. Esses elementos invadiram não só as passarelas dos principais desfiles e editoriais recentemente, mas também as ruas e o cotidiano em todo o mundo.
A "moda dopamina", também chamada pelo termo em inglês "dopamina dressing", convida ao alto astral, à energia divertida, à melhora do humor e à positividade por meio do vestuário. Mais que isso: lança olhar sobre sonhos e aspirações em meio à trama tão conturbada da vida na Terra. O nome faz alusão à dopamina, neurotransmissor associado às sensações de prazer, felicidade e motivação no organismo. Na tendência, todo dia parece um novo episódio para vestir-se de alegria e invocar tempos melhores.
Para Renata Santiago, artista, designer, professora e consultora de imagem e estilo, a tendência tem a ver com o "futuro da moda". Ou seja, uma moda intimamente ligada à subjetividade, às relações do sujeito consigo, ao autoconhecimento e à expressão de si. "É a transmissão de sentimentos, sensações e estilos de vida na forma de se vestir", afirma a pesquisadora do enlace entre moda, arte e psicanálise. Seria, então, "a moda com humor, que vai levantar e trazer uma energia a mais, um respiro". Renata ressalta: "É alegre, leve, com formas e com cores vibrantes, saturadas. Trabalha essa substância (dopamina), que traz sensações boas para o nosso corpo, já que vivemos um momento tão difícil, desafiador. E continuamos atravessando incertezas".
A tendência acentua a ânsia de um novo tempo. Renata diz: "Fala de se nutrir de coisas boas e ser ponte para o outro. Ao usar, a gente se coloca num lugar de relação, algo tão privado nesta pandemia. Desejamos um novo tempo em todos os âmbitos, saúde, política… Para, de certa forma, tentar construir algo diferente do que era, porque não dá mais para ser. Como vamos traçar esses novos tempos? Algo que vai ficar forte é a vontade desse visual alegre e vibrante".
Estética
- cor forte, vibrante e saturada, muitas vezes neon;
- detalhes excêntricos, formas exuberantes (recortes, volumes e camadas);
- estampas em animal print, psicodélicas e tie-dye;
- impressão artística e impactante;
- irreverência e expressão de si, diversão, otimismo, felicidade e esperança na incerteza.
Inspire-se e saiba onde encontrar!
Aqui, não é novidade!
"As marcas de moda autoral da nossa Cidade utilizam muito isso, essa referência das cores fortes, vibrantes. Essa questão da luz, da gente morar nessa terra solar, muito iluminada. Faz parte da nossa identidade e está agora colocada em circulação com essa referência de uma tendência de moda", enfatiza Renata Santiago.
A professora e estilista destaca o trabalho da marca Catarina Mina, que acaba de lançar a coleção "Vereda", com crochês em múltiplas cores, produzidas pelas artesãs do projeto Ará, no município de Aracati (a 150 km de Fortaleza).
Coleção cápsula
Também diretora criativa e estilista da Modaparamim, empresa de criação de moda autoral, formação de moda e consultoria de imagem e estilo, Renata Santiago lança coleção inspirada na moda dopamina nos dias 18 e 19 de fevereiro, em seu ateliê no Shopping Aldeota, aberto ao público por agendamento. "Sempre trabalho cores neutras, com tecidos naturais. Não costumo usar cores fortes, vibrantes, mas senti a vontade de experimentar no meu corpo e fico muito atenta a esses sinais, enquanto criadora. Vai ser uma coleção cápsula, para a gente colocar essa dopamina, esse sentimento de Carnaval, que não vamos ter, de outra forma. E o vestuário é como instrumentalizo esses anseios".
Acompanhe: @modaparamim
Dualidade
Segundo Renata Santiago, a moda dopamina também pode ser pensada, de certa forma, sob a perspectiva do escapismo. Há, ainda, mais nuances: "Em períodos difíceis como esse, a gente vê sempre a moda indo para um lugar sóbrio, discreto, como a gente viu bastante nos desfiles de alta costura. Também há essa contra tendência, o seu oposto, mas que tem tudo a ver com a mesma coisa: trazer alegria e tudo aquilo que a gente precisa sentir para ser fiel ao nosso desejo de seguir em frente".
Felicidade no look
Há felicidade no vestir? Sim! Pesquisas apontam que a moda influencia o bem-estar. A confiança, por exemplo, cresce a partir da escolha de peças com valor simbólico para cada pessoa, segundo estudo de 2012 de Karen J. Pine, professora da Universidade de Hertfordshire, no sul da Inglaterra. A pesquisadora defende: o "vestir" tem a ver com transformação,
terapia e ciência.
Positivo e colorido
A marca cearense Leli Correia promete um mundo mais colorido e positivo, com o conceito atrelado ao tropical, às cores do verão, do calor e da energia de praia. Assim conta a coordenadora de estilo Suellen Lira. "Nossas criações são voltadas ao sentimento da moda dopamina de forma orgânica, desde o uso de acessórios nas produções de moda e styling, às cores mais vibrantes e estampas figurativas. Nossa essência livre e tropical nos possibilita criar e pensar nesse universo colorido, trocando energia positiva com quem nos acompanha, transformando momentos em sentimentos de liberdade e felicidade. A partir das escolhas de tecidos, aviamentos e inspirações, a gente cria para todo mundo realizar belas histórias por aí com esse universo colorido e cheio de mensagens de boa energia e positividade nas estampas. Tentamos mostrar a pluralidade nas formas de vestir, na versatilidade das ocasiões e na usabilidade, deixando aflorar o desejo de se sentir bem".
Mais info: www.lelicorreia.com.br
Mundo de possibilidades
Luiza Nobel, cantora e compositora cearense, se identifica com a tendência. Entusiasta da mistura de cores, estampas e texturas na moda, a artista levanta, por meio do vestir, o sentimento de alegria por tempos melhores. Cores vibrantes ou neon, brilho, acessórios diversos, estampas psicodélicas, volumes e recortes variados compõem as peças. Na fotografia ao lado, a marca cearense de design autoral Tropicana (@soutropicanaa) assina style e acessórios. Nas produções de Luiza, também é possível destacar os tecidos da Amorfas (@amorfa.s), com o mix transcendental de formas e cores que viram blusas, saias, vestidos, lenços e até telas.
Quando falou à reportagem, a artista havia acabado de chegar de São Paulo. Se costumam falar que há excesso de cinza na capital paulista, Luiza levou na mala muitas cores e estampas para colori-la. Sobre a relação entre moda e a energia solar do Ceará, a cantora afirma: "Por aqui, é muito gostoso. Me sinto super à vontade e gosto muito de usar cores. Lógico, preto e cores mais neutras são clássicos que sempre vão estar presentes, mas a cor é desafiadora, divertida, ainda mais uma cor com estampa". Na música, Luiza está aberta à criação de um novo futuro, com mais possibilidades. Isso segue na moda. "Uma coisa que trago muito no jeito que me visto é a mistura de referências, e isso está muito ligado ao meu som", reflete.
Acompanhe: @luizanobel
Raras saídas, looks especiais
"Em época que as saídas são raridade, todos os looks são especiais!" — disse Isabelle Pertenelli no Instagram, em março de 2021, ao mostrar seu "look do dia". "Moda é expressão, reflete o que a gente pensa e sente. Pode transformar sentimentos a partir do que vestimos! Acredito também que a gente precisa ter conexão com o que está usando. O que cada cor representa pra gente vai trazer uma sensação quando a gente utiliza aquela cor", divide a ilustradora e criadora da loja virtual Sereia.
Isabelle cita: "Quero usar um look amarelo e ele tem um mix de amarelo e preto listrado. Penso: Tenho o humor do amarelo ou preto hoje? O que vou sentir se trocar o preto por uma blusa amarela ou neutra? O vestir pode ser ferramenta para trabalhar mudes, humores e crenças. Esse momento de pandemia é muito sobre acreditar. Por que não utilizar a moda como uma ferramenta de auto expressão e de crença também? A vacinação foi uma porta para acreditar que pode dar certo. Virou tendência, tirar foto com cartão de vacinação, preparar um look para se vacinar. É a esperança no nosso coração e isso pode ser comemorado também com o vestir".
Acompanhe: @isapertenelli e @sereialoja
Máxima potência
Dialogando com a moda dopamina, a Ipanema acaba de lançar uma nova coleção de sandálias. Na campanha de divulgação, a marca aposta nas cores vibrantes e nas diferentes estampas, ligadas à tendência.
“Verãozão 2022” conta com os lemas “livre dos pés à cabeça” e “você em máxima potência”.
Entre os produtos, estão os modelos California Vibes (com degradê de arco-íris); e Class Confete e Serpentina (verde neon com detalhes em xadrez rosa).
Há, ainda, as opções Clip Color, Class Fever Shine, Class Artesania, Belle Floral, Urban Retrô, Link e Ella.
Nos tamanhos, as numerações vão do 33 ao 40. As sandálias estão disponíveis para compra em formatos diferenciados, na plataforma virtual da marca. Os preços variam de R$ 34,99 até 54,99.
Mais info: www.sandaliasipanema.com.br
Explorando cores e texturas
“As cores menos saturadas levam a uma neutralidade cromática, e até mesmo à ausência de cor, sendo sutis e repousantes. Quanto mais intensa ou saturada for a coloração de um objeto ou acontecimento visual, mais carregado estará de expressão e emoção”, pontua Donis A. Dondis no livro “Sintaxe da Linguagem Visual” (1973).
Sobre o universo da textura, a autora afirma: onde existe uma textura, há tanto qualidades táteis quanto óticas. Elas “coexistem”. Cada uma provoca uma sensação singular, adicionando camadas de percepções e sensações para cada pessoa. Ao mesmo tempo, cada sentido pode sugerir algo. Ao olhar um tecido aparentemente áspero, por exemplo, o tato poderá confirmar ou contradizer. Múltiplas sensações!
Já que falamos sobre cores, texturas e simbolismos, confira o que cada cor representa no espectro das emoções ou sentimentos, segundo estudos da Psicologia das Cores e da Sintaxe Visual. Lembrando sempre que trata-se de uma reunião de diferentes autores e a subjetividade de cada pessoa interfere nessas percepções. As associações não são inflexíveis, mas podem servir como um guia na hora de montar o visual!
- Branco: experiência, tranquilidade, cura, honestidade
- Preto: elegância, clássico, poder, mistério, sofisticação, formalidade e segredo
- Cinza: neutralidade, reservado, insensibilidade
- Amarelo: energia, alegria, otimismo, criatividade e inteligência
- Verde: natureza, esperança, juventude, tranquilidade, equilíbrio
- Azul: harmonia, tranquilidade, simpatia e intelectualidade
- Roxo: espiritualidade, luxo e poder
- Rosa: charme, sensibilidade e compaixão
- Vermelho: ousadia, autenticidade, urgência, dinamismo e luxo
- Laranja: energia, sociabilidade e criatividade
Fonte: livro “A Psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão”, de Eva Heller; Psicodinâmica das cores em comunicação, de Modesto Farina; “Sintaxe da Linguagem Visual”, de Donis A. Dondis
Como usar? Confira dicas!
- Se a pedida for por um visual monocromático, ou seja, de uma só cor, o rosa pink e o laranja são algumas das propostas;
- Vale misturar as cores para incrementar o look ou usar somente uma peça com uma cor mais saturada e exuberante como ponto de cor;
- Pensou em estampa? Pega aquela roupa animal print, xadrez, listrado ou floral e incremente com alguma cor ou terceira peça (jaqueta jeans, camisa de botão aberta, kimono, pode escolher!);
- A ideia é não ter restrições ou regras mas, para quem tem dificuldades em mesclar estampas, segue a dica: misture peças com cores em comum;
- Acessórios coloridos e “maxi” podem dar “um toque” no look;
- A experiência pode ser desenvolvida conforme quem veste. Faça do seu jeito que será mais divertido!
- Se quer vivenciar a tendência, não precisa necessariamente adquirir peças! Pode observar se não tem um look parado no guarda-roupa e, quem sabe, compor com algo jamais usado ou sequer pensado;
- Aos pouquinhos? Algumas opções para quem não está acostumado com a proposta, mas não quer deixar a tendência passar: blusa colorida com babados ou com uma manga bem bufante; jeans com alguma peça com paetês; blusa ou camisa alongada com estampa em animal print e bermuda ciclista; as proporções também podem ser divertidas: que tal calça mais larguinha, como a pantalona, com um blazer alongado ou kimono estampado?
- Vale brincar com qualquer peça, de qualquer cor e estampa. O que importa é te deixar feliz!
Fonte: Renner, Marisa e Arezzo
Mais referências
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