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Tiktok: entenda a influência da rede social no consumo de música
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Tiktok: entenda a influência da rede social no consumo de música

Após o aumento do consumo do Tiktok durante a pandemia, a indústria da música se adapta para aderir à plataforma em suas estratégias de divulgação
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Olivia Rodrigo é uma das artistas que ganhou fama por meio do Tiktok (Foto: Reprodução/ Instagram @oliviarodrigo/ Lissyelle Laricchia)
Foto: Reprodução/ Instagram @oliviarodrigo/ Lissyelle Laricchia Olivia Rodrigo é uma das artistas que ganhou fama por meio do Tiktok

As gerações mais novas já devem conhecer um nome que se tornou famoso na música internacional: Olivia Rodrigo. A cantora e compositora californiana, que hoje é uma das principais responsáveis por retomar a popularidade do pop punk dos anos 2000, tem várias canções de sucesso, como "Drivers License", "Good 4 U" e "Traitor". Em um ano de carreira, conquistou prêmios em grandes eventos, como o Grammy, principal premiação da indústria fonográfica dos Estados Unidos. Também vendeu milhões de cópias de álbuns e alcançou o topo das paradas da Billboard. Seu rápido sucesso começou por um motivo: as composições viralizaram no TikTok. Na rede social que tomou grandes proporções durante a pandemia, usuários passaram a reproduzir trends e danças que auxiliaram no consumo das canções da estadunidense.

Ela não foi a única com sucesso semelhante. O rapper Lil Nas X viralizou por causa de "Old Town Road" e agora é uma das promessas do rap americano, com trabalhos como "Industry Baby", "Dead Right Now" e "Montero (Call Me By Your Name)". Já no Brasil, há nomes como João Gomes. Com "Meu Pedaço de Pecado", o cantor de piseiro viu sua trajetória artística obter proeminência. Também há outros grandes hits brasileiros, como "Plutão", do VMZ, "Tipo Gin", do MC Kevin o Chris e "Tudo no Sigilo", de Vytinho NG e MC Bianca.

@livbedumb

 

♬ drivers license - Olivia Rodrigo

Mas por que existe essa facilidade de viralizar canções no TikTok, enquanto, em outras plataformas, isso não acontece de uma maneira tão evidente? "A principal diferença que a gente pode observar é com relação aos direitos autorais. Até então, nenhuma outra rede social permitia o upload de vídeos com trilhas de grandes artistas. O Instagram e o Facebook, por exemplo, excluíam publicações com músicas ou diminuía drasticamente o alcance assim que o post ia ao ar, por violação dos direitos autorais", avalia Renata Monte, jornalista e produtora na Peixe-Mulher.

De acordo com ela, durante o isolamento social, a forma de consumir música mudou. "O TikTok cresceu exponencialmente nos últimos dois anos, porque nossas vidas reais passaram a depender e quase coexistir com as vidas virtuais", ressalta.

@biancaoficial Em comemoração a mais 100 milhões de streams no Spotify da minha música “Tudo no sigilo” obrigadaa  #tudonosigilo #tudonosigilochallenge #foryou ♬ Tudo no Sigilo - Versão Light - Vytinho NG & Bianca

Neste período, a plataforma possibilitou lançamentos, trends, danças, desafios e "point of views". "De 2020 pra cá, foi essa plataforma que nos apresentou a novos artistas, que nos fez dançar, criar e consumir conteúdos usando várias músicas como trilhas sonoras. Também foi o que nos fez procurar os players como Spotify, Deezer e Apple Music para escutar as versões completas e sem edições que surgiram nos 15, 30 e 60 segundos do TikTok", explica.

Por causa disso, a rede social virou um novo ambiente para proliferação das produções. E, com as tendências, lançamentos antigos também retornaram à popularidade. É o caso, por exemplo, de "Dreams", do Fleetwood Mac; "More Than a Woman", do Bee Gees; e "Davi", música do compositor mineiro Nelson Ângelo gravada pela cantora paulistana Célia. Todas estavam vinculadas a um tipo de conteúdo específico, que foi reproduzido milhares de vezes por usuários.

@willsmith When we say FOR LIFE we mean it. Bad Boys came out 26 years ago today! @martinlawrence ♬ I'm Just a Kid - Simple Plan

"Acredito que o grande diferencial está no uso da música pelo usuário como forma de experimentação, representação ou de inserção da mesma na sua rotina. A música é um tipo de comunicação e ela pode dialogar com conteúdos audiovisuais diversos, sendo como trilha sonora ou até mesmo uma 'dancinha'", opina Flávio Marcílio Maia, jornalista, pesquisador de música na internet e autor do artigo "TikTok e Música Pop: relações entre mídia, plataformas e produção de conteúdo no meio digital".

Esse impacto fez com que o Instagram entrasse em uma concorrência com a nova rede social. "O TikTok possibilita um novo ambiente de circulação musical no mundo digital. E mais: proporciona a inserção sonora nos conteúdos dos usuários das mais diversas formas, sendo os desafios (challenges), os mais populares. É interessante colocar aqui que o Instagram segue no mesmo ritmo numa concorrência intensa", cita o pesquisador.

Gêneros musicais no Tiktok

A produtora Renata Monte pondera que a rede social virou mais uma plataforma de divulgação para a indústria musical. "Música é o conteúdo com mais facilidade de viralizar na internet. O funk brasileiro figura entre os cinco gêneros mais consumidos no mundo, ao lado do k-pop, da música latina, do pop e do hip-hop. Em 2020, ano em que o TikTok mais cresceu, das dez músicas mais ouvidas, sete viralizaram primeiro na plataforma", indica.

@enhypen DIMENSION : ANSWER 많관부 #ENHYPEN #JAKE #SUNOO #BlessedCursedChallenge #Blessed_Cursed #기도댄스 ♬ Blessed-Cursed - ENHYPEN

Para o pesquisador Flávio Marcílio, o mundo vive uma era "super globalizada", principalmente, com a inserção do k-pop. "Os diferentes ritmos e estilos estão espalhados de uma forma em que aparentemente não há uma hegemonia. Obviamente ainda é relevante todo o sistema de estrelato musical feito pelos Estados Unidos, a cultura pop de lá é muito forte", diz.

Entretanto, há algumas aberturas: "Ao mesmo tempo percebemos pequenas rupturas. A internacionalização de artistas brasileiras como Anitta e Pabllo Vittar são exemplos de como uma música do Brasil pode alcançar outros públicos. E as redes sociais têm possibilitado isso".

O cantor, compositor e pianista Guilherme Arantes identifica algumas palavras que definem o novo panorama da música: "imediatismo, pulverização, superficialidade e volatilidade". Apesar disso, acredita que alguns fenômenos interessantes contrariam essa situação predominante. "Como a Marina Sena, que eu adoro", exemplifica. Com seu álbum de estreia "De Primeira", a cantora independente viralizou músicas como "Por Supuesto" e percorre ritmos como MPB, indie e pop.

Divulgação nas redes

A rede social chinesa surge como uma oportunidade para que artistas possam divulgar sua música devido à sua parceria com streamings. "É claro que, quando se trata de artistas independentes, as oportunidades e os alcances não são os mesmos, assim como acontece na vida fora do aplicativo. Ainda assim, é uma janela de divulgação possível e acessível. O conteúdo de artistas independentes é abundante, desde produções musicais caseiras e composições próprias até versões de grandes hits", cita a jornalista Renata Monte.

A produtora comenta que não há garantias de que a produção faça sucesso, mas a relação da plataforma com Spotify e Apple Music, por exemplo, auxilia no trabalho. "Essa parceria facilita no processo de enviar a música independente para as plataformas de streaming sem precisar de uma gravadora e, de quebra, o artista tem acesso à receita".

Mas o pesquisador Flávio Marcílio afirma que o mercado fonográfico na era digital vive uma espécie de montanha-russa devido às rápidas transformações. "A rentabilidade é bastante questionável, principalmente para artistas menos populares, porém, os espaços são os mesmos. É mais sobre se promover e, depois, poder se apresentar ao vivo, pois os shows se configuram como uma boa alternativa financeira".

Consequências na indústria

Apesar do TikTok se estabelecer como uma forma de divulgação quase imprescindível na indústria, muitas reflexões permanecem acerca das consequências desse movimento. "Sei que é raríssimo, mas, mesmo nessas novas plataformas baseadas em pílulas de informação fragmentada, é possível surgir a inovação, algo que acrescente e perdure. Só me preocupa essa história de músicas de um minuto, de 30 segundos. Eu particularmente não gosto e nunca vou me habituar com tamanha fragmentação", pondera o cantor Guilherme Arantes.

Na visão de Renata Monte, ainda é difícil definir as problemáticas, mas ela acredita que há uma busca pelo que é viral, sem um critério do tipo de conteúdo compartilhado. "Muitas vezes, artistas com talentos indiscutíveis, trabalhos árduos e cuidadosos não têm o mesmo alcance que músicas que seguem o mecanismo dos jingles, das músicas chicletes. Isso não é novidade, mas a tendência é que se produza em escalas cada vez maiores músicas do mesmo gênero e do mesmo formato", identifica.

Pessoas com um maior poder aquisitivo também podem contratar profissionais especializados em viralização de conteúdo. E os artistas que não têm tanto dinheiro precisam acumular mais uma função. "Artistas da música têm visto suas possibilidades de contrato para shows e festivais declinarem em nome de influenciadores na internet. Atores e atrizes talentosos estão perdendo contratos para grandes obras porque não são produtores de conteúdo na internet. O caminho pelo TikTok pode ser incrível, mas a busca constante pela "Tiktokrização' das coisas é desastrosa", reflete.

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