Em janeiro de 1922, uma nota no jornal Correio Paulistano anunciou a realização de uma semana de arte no Theatro Municipal de São Paulo com a participação de nomes da cena cultura para apresentar ao público "a perfeita demonstração do que havia em nosso meio em escultura, pintura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual". Entre aplausos e vaias, a Semana de Arte Moderna foi o maior acontecimento cultural do século XX no Brasil — e reuniu 12 obras de um dos mais importantes escultores do País: Victor Brecheret (1894-1955). Destas, três integram a exposição "Victor Brecheret e a Semana de Arte Moderna de 1922" na galeria Multiarte.
Criador das galerias Pinakotheke Cultural, Multiarte e Pinakotheke São Paulo, o marchand e galerista Max Perlingeiro é curador da exposição que reúne aproximadamente 50 obras de Brecheret, Anita Malfatti (1889-1964), Di Cavalcanti (1897-1976), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Zina Aita (1900-1967), Helio Seelinger (1878-1965) e Tarsila do Amaral (1886-1973). "Leitmotiv da mostra", nas palavras de Perlingeiro, a Semana de Arte Moderna é revivida pelos cearenses em oito obras que integraram o centenário evento em São Paulo em 1922.
Divida em quatro módulos harmônicos, a exposição une a expertise de Perlingeiro aos bronzes, mármores e terracotas habilmente esculpidos por Brecheret. Intitulada "Brecheret e a Semana de Arte Moderna", a sala que abre a exposição toca a história com as pontas dos dedos: as esculturas "Soror dolorosa" (1919), "Vitória" (1920) e "Ídolo" (1919), de Victor Brecheret; as raras gravuras do álbum "Fantoches da meia-noite" — "Fantoche com baralho", "Fantoche com leque" e "Fantoche no piano" —, que Di Cavalcanti produziu a nanquim entre 1917 e 1924; e o magnético desenho "Cabeça de homem (verde)", de Anita Malfatti entre 1915 e 1916, atravessaram cem anos e se eternizam em cores e formas.
"São obras que procuro há 50 anos e não encontro. Fortaleza vai recebê-las de presente. Na mostra, os Fantoches de Di Cavalcanti nos apresentam o caricaturista, o que tem tudo a ver com a coisa da música e da literatura da Semana. Também temos o famoso 'Cabeça de homem (verde)', uma pintura extraordinária de Anita Malfatti, uma figura meio andrógena", celebra Perlingeiro. Zina Aita, segunda mulher a participar da Semana, também é destaque neste módulo: "Essa é uma artista que eu tenho um carinho muito grande e que tem uma produção pequenininha. Achei pertinente trazer pela raridade", complementa. Em nanquim sobre papel, "Ícaro" (1922) mergulha.
Numa vitrine, outra raridades são expostas, como o "Livro de horas de Soror dolorosa" (1920), poema de Guilherme de Almeida que inspirou a escultura exposta por Brecheret na Semana de Arte Moderna de 1922; "A estrela de absinto" (1927), de Oswald de Andrade, romance cujo personagem principal é inspirado em Brecheret; e "O losango cáqui"(1926), de Mário de Andrade com capa de Di Cavalcanti. "A 'Paulicéia Desvairada' tem uma curiosidade: Mário de Andrade compra o 'Cristo de Trancinhas', obra de Brecheret, enrola numa toalha e leva para casa. A família fica escandalizada quando vê a obra e passa o jantar inteiro reclamando. Mário sobe para o quarto dele, abre a janela e grita 'Paulicéia desvairada'", conta o curador.
Longe de unanimidade, a Semana ainda hoje gera questionamentos: o evento provocou choques e rupturas? Alcançou parâmetros críticos em relação à arte? Foi de caráter mais destrutivo ou construiu novos ideais estéticos? Mas Brecheret foi celebrado como um gênio. Ítalo-brasileiro, o migrante italiano era órfão de mãe e chegou a São Paulo com seus tios. Trabalhava em uma loja de calçados durante o dia e, à noite, fazia cursos de arte. Sua obra é vasta e diversa — no segundo módulo em exibição na Multiarte, "O feminino na escultura de Victor Brecheret", retratos do corpo feminino que tanto inspirou o artista.
"O corpo sempre atraiu os escultores. Brecheret tem uma série de desenhos de mulheres com quase 500 obras. Na exposição, tem uma sequência 10", explica o curador. "Uma das minhas obras prediletas é uma cabeça de mulher de 1940 feita em terracota. É de um realismo absurdo, quase esculpido como se fosse uma máscara", adiciona. Nesta ala, outra peça em destaque é "Beijo", em mármore. Nela, a influência do escultor romeno Constantin Brâncusi sobre o ítalo-brasileiro é evidente.
"Brecheret e a escultura religiosa", o terceiro momento da exposição, reúne esculturas de 1940 e 1950. Inicialmente influenciado pelo Renouveau Catholique, uma das tendências da Escola de Paris nos anos 1920, Brecheret esculpiu imagens de Cristo singelas e sem sofrimento. São Francisco com carneirinho e com violão também compreendem a produção do artista neste período.
"A última sala, na minha opinião, é um dos períodos que Brecheret tem de mais rico", opina Perlingeiro. Com o título "Brecheret e a escultura com temática indígena", a sala reúne esculturas que consagraram Brecheret como um pioneiro, entre os escultores modernos, na pesquisa dos modelados e entalhes praticados pelos povos originários. "Mário de Andrade, nos anos 1920, fala para Brecheret que se ele quisesse ter uma escultura genuinamente nacional, fosse pesquisar as lâmpadas indígenas. Mas Brecheret só fez isso nos anos 1940", rememora o galerista. O destaque da exposição é o monumental "Acalanto de Bartira" (1954), cerca de dois metros de bronze, retratando uma mãe indíngena deitada numa rede e abraçada ao filho pequeno. Entre desenhos rupestres, mães carinhosas, animais em bando, Brecheret se tornou brasileiro.
Exposição "Victor Brecheret e a Semana de Arte Moderna de 1922"
Quando: de 15 de março a 22 de abril, de segunda a sexta, das 10h às 18h
Onde: Galeria Multiarte (Rua Barbosa de Freitas, 1727 - Aldeota)
Fones: (85) 3261.7724 e (85) 3261.2667
Informações: www.galeriamultiarte.com.br/ @galeriamultiarte (Instagram)
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