Quinta-feira, 1º de outubro de 1992. Em Altamira, município do oeste do Pará com cerca de 70 mil habitantes à época, o menino Jaenes da Silva Pessoa desapareceu. Com 13 anos, Jaenes estudava à tarde e ajudava o pai a tocar gado durante a manhã. Como a criança se demorou nos afazeres e não voltou para casa no horário do almoço, familiares e amigos logo iniciaram as buscas. Desde 1989, crimes brutais apavoravam a cidade — o sumiço do menino se tornou pânico. No sábado, 3, o corpo foi encontrado. O assassinato foi brutal: além das agressões, Jaenes foi emasculado, ato de extirpação da genitália externa masculina.
A quinta temporada do podcast Projeto Humanos, liderado pelo jornalista, escritor e professor Ivan Mizanzuk, aborda uma série de crimes bárbaros ocorridos contra meninos entre 8 e 14 anos no interior do Pará. Conhecido como “o caso dos meninos emasculados em Altamira”, os sequestros, mortes de crianças, rituais macabros e tráfico de órgãos são aprofundados em "Altamira". O produto chegou ao Globoplay e em todas as plataformas de áudio na última quinta-feira, 7.
Mizanzuk é responsável também por "O Caso Evandro", quarta temporada do podcast Projeto Humanos e série documental que detalhou o assassinato do pequeno Evandro Ramos Caetano, de 6 anos de idade, na cidade de Guaratuba. No litoral do Paraná, o menino foi sequestrado e posteriormente encontrado sem mãos, cabelos e vísceras. Num longo processo de pesquisa em arquivos, entrevistas e documentos relacionados ao caso, Mizanzuk encontrou detalhes e contradições que mudaram os rumos da investigação policial.
No episódio 35 de "O Caso Evandro", Altamira surgiu para os ouvintes: uma das suspeitas nos casos de Guaratuba e Altamira era Valentina de Andrade, fundadora da seita Lineamento Universal Superior (LUS), organização que contestava a ideia ocidental da divindade e pregava cautela na convivência com crianças. O Projeto Humanos complexifica o chamado "pânico satânico", pânico moral centrado na crença em rituais e cultos satanistas que embota investigações policiais. "O caso de Altamira é muito mais pesado, muito mais intenso que o caso Evandro", inicia Mizanzuk.
"Já é um outro Brasil, completamente diferente. Isso entra na minha proposta de sempre tentar fugir do eixo Rio-São Paulo para mostrar um Brasil um pouco mais diverso, maior. As singularidades das temporadas são muito maiores que as similaridades, mas tem esse ponto de conexão que torna Altamira uma sequência natural para o Carlos Evandro: a presença de Valentina de Andrade, suspeita nos dois casos. O que eu espero esclarecer é que, na verdade, Guaratuba (PR) foi o primeiro ponto e depois aconteceram os casos em Altamira (PA)", pontua o jornalista.
O processo de construção de ‘Altamira’ é extremamente complexo, já somando três anos de estudo e pesquisa criteriosos. Nesta temporada, Mizanzuk contou com as valiosas parcerias da pesquisadora Paula Lacerda e do mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA (Universidade Federal do Pará) e advogado Rubens Pena Júnior. Foi ao lado do pesquisador que o jornalista debruçou-se sobre os autos e construiu a linha narrativa do podcast.
"O nosso trabalho foi uma investigação muito profunda, acredito que nunca ninguém fez. Mas é importante deixar claro que, por mais que o meu trabalho tenha sido muito profundo em Altamira, ele ainda continua. Os episódios estão sendo publicados, eu ainda estou fazendo — de repente, aparecem coisas no decorrer que eu nem sei ainda, sabe? Foi assim em O Caso Evandro", ressalta Mizanzuk. "O público pode esperar aprender um pouco mais sobre um Brasil que não aparece tanto, principalmente no Sul/Sudeste. O que eu posso mostrar é que crimes e certas situações ocorrem de formas diferentes dependendo de onde você está. Altamira ajuda a entender mais uma parte do Brasil que a gente, às vezes, não quer olhar porque ali os problemas são intensos de outra forma".
Cheio de reviravoltas investigativas sobre a autoria e motivações dos crimes, a temporada "Altamira" é sensível às histórias de vida de populações marginalizadas, como os familiares das crianças assassinadas e as pessoas encarceradas. Para explicar seu interesse no true crime, Mizanzuk retoma o pensamento de Nelson Mandela (1918-2013): “Ninguém conhece realmente uma nação até estar atrás das grades. Uma nação não deveria ser julgada pelo modo como trata seus melhores cidadãos, mas sim como trata os piores".
"Eu acho que a gente pode expandir essa ideia para populações mais vulneráveis, grupos marginalizados em geral — aqui colocam-se todas as questões de classe, de cor, de gênero. Se a gente quer ser um País desenvolvido social e economicamente, tem que justamente observar essas vozes que geralmente não são ouvidas. Não adianta nada fazer história só para gente na Faria Lima ou qualquer outro centro econômico com o mesmo recorte demográfico. As vozes dos ignorados me interessam", adiciona Mizanzuk.
A segunda temporada do "Projetos Humanos'', que aborda refugiados e as vivências de mulheres muçulmanas no Brasil, ainda é uma das preferidas do podcaster. "Essas contradições sociais me interessam e elas são vividas na pele por essas pessoas marginalizadas. Então é assim que eu geralmente olho para isso, eu acho que há histórias ali que a gente tenta abafar e que a gente precisa ouvir para avançar de alguma forma. Eu pretendo sempre dar espaço para que essas histórias apareçam da melhor maneira possível".
Altamira é uma região precária na manutenção de arquivos, o que dificulta materializar e verificar a maior parte do que é dito sobre o caso. O processo investigativo pode gerar cerca de 30 episódios do podcast, mas Mizanzuk prefere não fechar um número ainda. Com episódios semanais, "Altamira" pretende mergulhar no complexo contexto político, social e econômico da região que influenciam diretamente os rumos do caso.
"Eu espero que, no futuro, me vejam mais como o que eu realmente quero: alguém que tenta ajudar e olhar para o passado com erros e acertos que aconteceram e que possa mostrar isso para um grande público de uma forma mais aprofundada. Eu acho que o que difere o meu trabalho de qualquer jornalismo policial é que eu pego uma história, eu aprofundo ela, conto tudo o que aconteceu e isso dá uma dimensão ao público maior sobre como é que ocorre um trabalho policial e um processo judicial", finaliza Mizanzuk.
Altamira, novo podcast de true crime com Ivan Mizanzuk
Disponível no Globoplay e nas principais plataformas de áudio.