Abel nasceu com mágicos cabelos roxos, cachos soltos ao vento, juba livre feito passarinho. Logo se tornou notícia no jornal e os adultos estranhavam, quem rebenta ao mundo com tão brilhantes fios púrpura? A literatura, no entanto, carrega em si um valioso ensinamento: a maior palavra do mundo é "diferença". Neste 18 de abril, o Brasil comemora o Dia Nacional do Livro Infantil — data de nascimento do escritor Monteiro Lobato em 1882. Na vida dos pequenos, as 26 letras do alfabeto se unem numa ciranda colorida para expressar que normal é ser singular.
Valdir Marte, designer, escritore e ilustradore, criou o livro "Abel" com um pezinho na história da Rapunzel e o outro em sua própria infância. "Ter o cabelo comprido sempre foi um sonho quando eu era criança, o que era um certo desconforto familiar por eu ser lido como 'menino'", relembra. "Essa questão da percepção de gênero é algo muito mais adulto, construído socialmente. Para as crianças, a aparência é mais fluída, feita para brincar. Para o Abel, o cabelo mágico que não para de crescer nunca foi uma questão, ele só queria ser livre. Para seus pais, o medo do que os outros pensariam os fez privar Abel de muitas atividades infantis, o que acabou afetando o menino. A história precisa atingir também leitores mais velhos, para que as diferenças sejam respeitadas e tratadas com amor, até para que tenhamos gerações futuras mais confiantes de si mesmas e certas do apoio familiar".
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Leitore desde muito jovem, Valdir integra suas ilustrações à contação de histórias, recurso que compreende vastas possibilidades. "Muitas vezes, o livro infantil é encarado como um produto simplório, de menor valor, mas esquecemos que as crianças são leitores mais sensíveis que adultos, o que as faz absorver a narrativa de forma pura e intensa. Um livro marcante na infância perdura e escorre pela vida adulta, é uma coisa que marca", acredita. A obra é publicada pelo selo infantil da Urutau, Tá de sol Tá de lua.
A liberdade criativa da infância também atravessa a obra "O plano secreto de Alie". Criação de Lux Farr, Bárbara Cabeça e Noá Bonoba, o livro narra uma grande aventura: durante uma tranquila e silenciosa noite, a criança decidiu construir uma escada gigante e roubar todas as estrelas do céu. Mas Marcolango, o Calango Lango que mora na árvore do meio, acabou vendo tudo e entrando na história. "O Lux há muito tinha vontade de fazer um livro infantil. Nós três decidimos criar uma obra onde o gênero não era uma questão para os personagens. Essa é uma pauta muito importante para mim, como a questão do gênero é designada desde o nascimento e como essa narrativa carrega uma série de arquétipos e direciona a existência desde a infância. Eu entendo a infância como esse lugar de experimentação e a designação de gênero acaba bloqueando essa experimentação", ressalta Noá.
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As ilustrações de Lux e a escrita de Noá e Bárbara caminharam juntas, como Alie e Marcolango. O livro, fomentado com recursos da Lei Aldir Blanc, está disponível para download gratuito no perfil @oplanosecretodealie no Instagram.
A singularidade na literatura infantil mora em Abel, Alie, Marcolango e tantas outras personagens, mas nasce em quem escreve. Quando tornou-se mãe, a psiquiatra, escritora e artista visual Lia Sanders se transformou também em autora de livros para crianças. "Acredito que o que a gente escreve seja influenciado pelo que lemos. Como passei a ler livros infantis todas as noites, a minha imaginação começou a se voltar para bichos, temas e personagens infantis", compartilha. Lia ilustrou e escreveu "O bicho singular", lançado pela editora Substansia.
"'O bicho singular' conta a história de um bichinho em busca de sua identidade, da sua turma, do seu lugar no mundo. É um livro sobre diversidade e aceitação, sobre não a gente não precisar se encaixar em um determinado grupo", explica Lia.
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Numa narrativa cheia de afeto e delicadeza, o livro "A melhor mãe do mundo" é um passeio da poeta e escritora Nina Rizzi pela literatura infantil. Lançada pela Companhia das Letrinhas e ilustrado por Veridiana Scarpelli, a obra lembra que certas relações têm o raro poder de nos fazer manter a esperança independentemente do que aconteça.
"Pensei em escrever em este livro em que a criança narra o porquê sua mãe é a melhor do mundo, mesmo estando longe, por razões que são pouco discutidas e, quando são, é de forma criminalizante. A voz narrativa é positiva, alegre e divertida, como é a da maioria das crianças, e não partindo de estereótipos e culpas", destaca.
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"Comecei a ler muito cedo, logo que fui alfabetizada, primeiro com o único livro que havia em casa e depois nas bibliotecas da escola e públicas das cidades onde vivi na infância. Para mim, que só conhecia o mundo da fazenda e das histórias religiosas, foi como abrir portais para um novo e me dar conta que a minha própria narrativa não estava pronta, mas a ser construída. Sem dúvida a leitura mudou a minha vida e é parte de tudo que sou e faço hoje. Poder escrever para crianças é uma alegria, me reaproximo de mim e de todos os mundos possíveis e junto com elas re-descobrir que os afetos são importantes, o senso comunitário, que a vida é incrível e que podemos fazer deste nosso mundo, o melhor dos mundos possíveis", finaliza Nina.
"Abel", Valdir Marte
Abel nasceu com mágicos cabelos roxos. O livro está em pré-venda (com direito a brindes para os apoiadores) em benfeitoria.com/projeto/abel
"O plano secreto de Alie", Lux Farr, Bárbara Cabeça e Noá Bonoba
Alie é uma criança muito curiosa e inventora. Numa noite, decide construir uma escada gigante e roubar todas as estrelas do céu. Embarca na aventura com Marcolango, o Calango Lango.
"O bicho singular", Lia Sanders
Primeiro livro ilustrado de Lia Sanders, conta a história de um personagem que é bicho e não encontrou, ainda, seu lugar no mundo. É sobre socialização e aceitação.
"A melhor mãe do mundo", Nina Rizzi
Uma criança conta por que a sua mãe é a melhor do mundo - e não deixa nenhum leitor duvidar disso! "Minha mãe é a melhor mãe do mundo! / Quando eu digo isso assim, de supetão, todo mundo duvida"