A sala de cinema do Cineteatro São Luiz está lotada quando Lázaro Ramos sobe ao palco para finalizar a turnê com seu filme "Medida Provisória". Depois de duas semanas extensas de viagens, entrevistas e diálogos com os espectadores, o ator e diretor explica que a energia que ainda tem para continuar com a programação vem do público. Ele diz que não se sente sozinho, porque sua batalha para a valorização da cultura e sua luta antirracista são compartilhadas com as milhares de pessoas que foram - e vão - assistir ao longa-metragem. Após tanto gritar em outros dias, fala de maneira suave: "Fora Bolsonaro". Os cearenses se levantam e repetem, em coro, a mesma frase como uma forma de externalizar seus desejos para as eleições presidenciais em outubro deste ano.
Esse foi o cenário que marcou a pré-estreia de "Medida Provisória", primeiro longa de ficção dirigido por Lázaro Ramos. A produção surgiu com base na peça "Namíbia, Não!", escrita pelo dramaturgo Aldri Anunciação, e mistura vários gêneros: começa com comédia, passa pelo romance e finaliza com ação e drama. E o enredo é para ser uma distopia — apesar de, no momento, o diretor acreditar que parece mais com um filme de época. A história acontece em um futuro onde o governo brasileiro decreta que todos os cidadãos negros serão obrigados a migrar para a África. Neste contexto, o casal Capitú (Taís Araújo) e Antonio (Alfred Enoch), junto com o primo André (Seu Jorge), dialogam sobre questões sociais e raciais e compartilham de anseios de mudança. O filme ainda firma a primeira aparição do rapper Emicida como ator.
Durante o processo de lançamento, "Medida Provisória" sofreu uma série de atrasos, ataques e tentativas de boicote. A Agência Nacional de Cinema (Ancine), por exemplo, demorou mais de um ano para liberá-lo. Um mês antes de sua estreia oficial, o órgão que regulamenta a indústria cinematográfica ainda não tinha dado um parecer e a equipe de produção precisou se manifestar publicamente sobre o assunto. O filme teve que ser adiado quatro vezes.
Em março do ano passado, Sérgio Camargo, então presidente da Fundação Palmares, tentou boicotar a veiculação. "O filme, bancado com recursos públicos, acusa o governo Bolsonaro de crime de racismo. Temos o dever moral de boicotá-lo nos cinemas. É pura lacração vitimista e ataque difamatório contra o nosso presidente", escreveu em suas redes sociais. Ele chegou a apagar a publicação, mas reforçou: "Não vi e não gostei". Nas últimas semanas, Mário Frias, que foi secretário da Cultura de Jair Bolsonaro, e o deputado Eduardo Bolsonaro também fizeram ataques ao longa-metragem. Um dos principais alvos foi Taís Araújo, que faz parte do elenco, e criticou o governo em vídeos recentes.
Em entrevista ao O POVO, Lázaro Ramos reflete sobre o processo de produção do longa-metragem, suas reações em relação à recepção do público, além de traçar paralelos entre a ficção e a realidade brasileira.
O POVO: O filme "Medida Provisória" é uma distopia que trata de um governo autoritário que obriga afrodescendentes a voltarem para a África. Por que você decidiu estrear na direção com essa história?
Lázaro Ramos: Na verdade, não foi uma decisão. O filme me atropelou. Eu dirigi a peça de teatro em 2011 ("Namíbia, Não!", escrita pelo dramaturgo Aldri Anunciação) e percebi que, ali, tinha uma possibilidade de falar sobre a luta antirracista, mas em um outro formato que eu não tinha visto até então. No teatro, isso já era inédito, porque o texto do Aldri Anunciação propunha um espetáculo. Eu falei: "nossa, isso no cinema poderia ser uma estratégia muito diferente para a gente falar sobre um assunto que a gente está debatendo há tanto tempo e cada vez mais intensamente". Ofereci para outros diretores. Meu projeto era dirigir o documentário do Bando de Teatro Olodum, chamado "Bando, um filme de" (produção conta a história da companhia de teatro negra de maior longevidade da América Latina, sediada em Salvador), que eu dirigi e que eu estreei na televisão por assinatura pelo Canal Brasil. Mas eu não achava que fosse dirigir esse filme. Propus para outros diretores e todos eles tinham seus projetos. Eles achavam que o "Medida Provisória" era um projeto muito difícil de levantar, de fazer. E comecei a dirigir pensando em passar o bastão para outra pessoa. Quando eu vi, já estava apaixonado, já estava envolvido por essa possibilidade de fazer um filme que fala sobre um tema que tem sido discutido, mas pouco filmado, e, além de tudo, em um formato que misturava gêneros. Essa ideia de fazer um filme que começa como comédia, e a comédia sendo um elemento de aproximação, para a gente querer estar ali junto daquela família, fazer parte daquela família, e, depois, a expulsão dos negros vir como uma rasteira, como um acidente, foi uma luz para mim. E eu acho que isso foi muito importante, porque são outros estilos. Eu tenho me surpreendido muito com a maneira que as pessoas estão recebendo o filme. Claro que a gente fez estudos de roteiro, a gente flertou com o arco dramático tradicional etc, mas eu não sabia que ia tocar tanto nas pessoas quanto está tocando. O que está acontecendo agora é uma grande surpresa para mim e fico muito feliz. Acho que é justamente por aquilo que eu vi em 2011, que o texto de teatro propunha, que é esse ineditismo no formato para falar sobre um assunto que está fervendo na sociedade.
O POVO: O "Medida Provisória" é uma distopia, em essência, que coloca uma lente de aumento sobre alguns problemas que existem na sociedade atual. Quais são as relações que podemos fazer entre essa ficção e a realidade do Brasil de hoje?
Lázaro Ramos: Muitas. Acho que as pessoas vão fazer várias associações. Inclusive, algumas que nem eu percebi. Tenho recebido muito esse retorno. Agora tem uma coisa que acho muito curiosa de falar, porque hoje eu já fico até constrangido de dizer que esse filme é uma distopia. Eu não sei se ele é mais uma distopia. Em 2015, quando a gente escreveu, ele era uma distopia, era uma lente de aumento, era um alerta. De lá pra cá, muitas coisas aconteceram similares ao que têm no filme e algumas até piores e mais cruéis. Foram coisas inimagináveis, que a gente, na ficção, nem pensou. A gente viu uma criança ser abandonada no elevador e morrer, era uma criança pequena. A gente viu um homem ser sufocado e todo mundo trancado em casa, testemunhando aquilo pela televisão e provocando choque em todo mundo. A gente viu crianças sumirem, ninguém procurar, e, de repente, quando apareceram, foram mortas de forma bárbara. Isso não tem no filme. Se você for pensar, essa distopia que a gente está falando por meio da luta antirracista, nem isso tem. A gente não tem sangue no filme. A minha dor é que esse filme, que é uma distopia, seja hoje um filme de época. Talvez, a cada dia que passe, ele esteja se transformando mais em um filme de época. Mas isso nos dá oportunidade de, através da ficção, olhar o nosso espelho. A minha fé e a minha esperança, independentemente daquilo que eu possa citar sobre o que parece com a realidade ou não, é que as pessoas assistam ao filme, se mobilizem e que saibam que elas são muito importantes na luta antirracista. Todo mundo é bem-vindo. Não é uma luta que deve ser somente de uma parte da sociedade.
O POVO: Durante o período de gravação e de lançamento, o filme sofreu com atrasos da Ancine, tentativas de boicote… O que essa estreia significa para o Brasil atual e para você?
Lázaro Ramos: Significa vitória. Para mim, a estreia é uma vitória. E ela reafirma uma coisa que não precisava ser dita: quem é soberano é o público. O público que precisa ter o direito de escolher o que ele vai assistir ou não, o que ele vai consumir ou não. Mas essa vitória ainda se torna mais poderosa, porque ela é a vitória de profissionais do cinema, que são dedicados, competentes, respeitosos, que deram o seu melhor para contar essa história. Eles não são poucos, são muitos. Esse filme gerou 850 empregos diretos e indiretos. Essa é a indústria do cinema brasileiro. Isso faz muita diferença. É sempre importante falar que não é uma indústria que se resume a quem está na frente da tela, é uma indústria de quem está ali, trabalhando na área da comunicação, do vestuário, do figurino, do transporte, da alimentação… Isso movimenta a economia do nosso país também. E, por isso, essa indústria merece e precisa ser respeitada, valorizada e fomentada.
O POVO: Você falou que esperava uma recepção do público, mas recebeu outra. Que recepção você percebe com o lançamento de "Medida Provisória"?
Lázaro Ramos: É mais paixão que eu achei que fosse ter. Eu tinha um filme que, na minha cabeça, era um filme para conscientizar, para sensibilizar, e que as pessoas iriam se entreter, dar risada e, depois, bater um papo sobre isso. Mas não foi assim. Já teve sessão que o filme foi aplaudido em cena aberta 19 vezes. Eu comecei a contar. Teve uma sessão que, quando o Emicida entrou, as pessoas começaram a cantar: "Tudo, tudo, tudo, tudo que nós tem é nós" (em referência à música "Principia", com participação de Pastor Henrique Vieira, Fabiana Cozza e Pastoras do Rosário, presente no álbum "AmarElo"). Nunca achei que fosse ver isso em um filme. Para mim, eu só fiz um filme. Eu não sabia que isso ia gerar um movimento emocional tão grande. Os depoimentos na internet… Vi pessoas escrevendo: "Estou me arrumando para ir para o cinema assistir ao 'Medida Provisória', porque é importante estar lá". Não pensei que isso fosse acontecer. Não esperava por isso.
O POVO: Depois de "Medida Provisória", você já tem planos para trabalhar como diretor no cinema?
Lázaro Ramos: Na verdade, já dirigi mais um longa-metragem, que é "Um Ano Inesquecível - Outono", protagonizado pela Gabz e que marca a estreia de Iza como atriz (Com roteiro de Keka Reis e Babi Dewet, o novo filme firma a parceria de Lázaro Ramos com a plataforma Amazon Prime Video. Com previsão para estrear esse ano no streaming, história acompanha o romance de Anna Júlia, uma jovem que odeia música e que busca um estágio para ajudar a família, com João Paulo, um músico de rua que sonha em viver de sua arte). É um musical para jovens. Já estou indo para um outro caminho, para um outro lugar.
Sessões de Medida Provisória
15h15min - Shopping Parangaba
17h30min - Shopping Parangaba
19h15min - Shopping Via Sul
19h45min - Shopping Parangaba
21h30min - Shopping Via Sul
22 horas - Shopping Parangaba
15h15min - Shopping Parangaba
17h30min - Shopping Parangaba
19h15min - Shopping Via Sul
19h45min - Shopping Parangaba
21h30min - Shopping Via Sul
22 horas - Shopping Parangaba
15h15min - Shopping Parangaba
16h30min - Cineteatro São Luiz
17h30min - Shopping Parangaba
18h40min - Cineteatro São Luiz
19h15min - Shopping Via Sul
19h45min - Shopping Parangaba
21h30min - Shopping Via Sul
22 horas - Shopping Parangaba
14h20min - Cineteatro São Luiz
16h30min - Cineteatro São Luiz
18h40min - Cineteatro São Luiz
16h20min - Cineteatro São Luiz
Medida Provisória
Onde: no Shopping Parangaba (rua Germano Franck, 300 - Parangaba), no Shopping Via Sul (avenida Washington Soares, 4335 - Lagoa Sapiranga) e no Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro)
Ingressos: entradas para sessões nos Shopping Parangaba e Shopping Via Sul estão disponíveis no Ingresso.com; entradas para sessões no Cineteatro São Luiz podem ser adquiridos pelo Sympla
Mais informações: os horários para o fim de semana devem ser atualizados na quarta-feira, 20, nos sites de vendas