Tarcísio Sardinha era presença recorrente nas rodas de samba e de choro da capital cearense. Reconhecido na música cearense, ele lançou vários álbuns e se consagrou como um grande multi-instrumentista, compositor e arranjador. Mas, para além de sua musicalidade, um de seus grandes trabalhos foi atuar na formação de novos artistas. Desde 1990, realizava oficinas e cursos para um público diverso, que agora se torna o responsável por carregar o legado do músico que faleceu na segunda-feira, 25 de abril, aos 58 anos, por falência múltipla de órgãos. Ele estava internado em hospital particular há três meses, mas não resistiu.
O instrumentista iniciou sua trajetória nas artes quando ainda era criança. Nascido em uma família de músicos, começou sozinho seus estudos na infância. A partir dos 15 anos, já se apresentava em rodas de choro. Mas seu apelido, o "Sardinha", apenas surgiu na década de 1980. Naquela época, ele integrava o "Pixinguinha", considerado o primeiro grupo profissional de choro de Fortaleza, e o criador da banda, Tróglio, lhe deu esse nome. Era uma homenagem ao violonista carioca Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto.
Em sua carreira, fez espetáculos ao lado de grandes nomes da música, como Belchior, Fagner, Amelinha, Dominguinhos e Ednardo. Também foi o responsável pela direção musical de shows de Falcão, Fausto Nilo, Zeca Baleiro, Waldick Soriano e Clementina de Jesus.
Ainda lançou vários álbuns, como o "Brasileirando", de 1999, que está disponível nas plataformas digitais de música. No álbum, há faixas como "Jumento com Coalhada", "Conversa de Bêbado", "Fim de Tarde" e "Mar de Iracema" e "Meninar". Outros discos foram "Carlinhos Patriolino e Tarcísio Sardinha Ao Vivo" (1998) e "Choro" (2008), que não estão na internet.
Sardinha também se dedicou à formação de novos nomes da música brasileira. "Além de ser um músico extraordinário, ele deixa um legado muito importante para a música cearense através dos seus alunos. Ele foi professor de muita gente e de muitos músicos muito bons, sobretudo na área do choro e do samba. Tem uma 'Escola Sardinha' de música através dessas pessoas, e é através delas que o legado dele vai permanecer", citou Felipe Araújo, jornalista, músico e amigo de Sardinha.
Para a cantora e compositora Vannick Belchior, Tarcísio virou um pai em sua trajetória profissional e pessoal. "O papel do Sardinha na minha vida não foi só de me colocar na música. Isso já seria muito grande, mas o papel dele na minha vida foi muito maior, porque eu tinha questões internas e pessoais relacionadas à música devido a ausências do meu pai (o compositor Belchior). E o Sardinha, com toda a afetividade e espontaneidade, me abriu as portas da música através de muitas curas que ele me proporcionou, sendo ali um pai adotivo para mim", diz.
A artista ressalta que ele assumiu o papel de uma figura paterna em sua vida. "Ele fez por mim o que meu pai faria se estivesse presente aqui. Ele me orientava demais, e eu ainda estou colhendo os frutos de coisas que o Sardinha fez por mim", reflete. Segundo ela, Tarcísio merece todo o reconhecimento do Ceará, por causa de sua contribuição para os artistas locais. "Muitos profissionais são o que são hoje por causa das orientações do Sardinha, porque ele era, acima de tudo, um mestre. Ele não nos ensinava apenas a questão da música e da entonação. Ele ensinava as minúcias da vida e da arte", indica.
Sua contribuição para as artes se reflete em uma das ações recentes que os artistas cearenses fizeram. Em março, músicos se reuniram no show "Amigos de Sardinha", no Cineteatro São Luiz, para arrecadar dinheiro para o tratamento do compositor. Na data, cantores, que eram amigos próximos ou seus alunos, subiram aos palcos para honrar a memória de Tarcísio e auxiliá-lo nos custos da internação.
"Tarcísio Sardinha parte deste mundo como um dos mais virtuosos artistas musicais brasileiros. Vocacionado, fazia pulsar as cordas do violão repletas de sentimentos. Ao tocar, Sardinha tornava-se canção. É exemplo de ecletismo e refinamento através da simplicidade de sua preciosa arte. Sardinha entra para a história da música popular brasileira como artista que se estabeleceu pelo seu estilo criativo, autoral e pleno de compor e interpretar", pondera o artista, arquiteto e urbanista, Totonho Laprovitera. (Colaborou Miguel Araujo)
Melodioso e acolhedor
A Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) lamentou a morte de Tarcísio Sardinha. "Nosso reconhecimento ao relevante trabalho de Sardinha para a música, a cultura e a formação de gerações de músicos no Ceará, e sincero abraço nos familiares, amigos e admiradores. O samba e o choro de Fortaleza sentirão a falta do mestre", escreveu a Secultfor.
José Sarto, prefeito de Fortaleza, também utilizou suas redes sociais para prestar homenagens ao músico. "Um dos mais talentosos músicos cearenses, Tarcísio Sardinha dedicou toda a vida ao que amava. Essa paixão pela música o levou a alcançar merecido destaque nacional como compositor e multi-instrumentista. Tive a honra de tê-lo como mestre e amigo, de partilhar momentos incríveis e apreciar sua melodia sempre impecável. Hoje, eu me somo aos que sentem essa partida e dedico minha solidariedade aos familiares, amigos e alunos", afirmou o político.
O artista Igor Caracas também compartilhou suas vivências pessoais em seu perfil no Instagram. "Sardinha foi quem me acolheu nas suas rodas de samba e choro quando eu era ainda criança. Meu pai, Moacir, que sempre tocou sua timba ao lado do Sardinha por décadas, me levava para as rodas e, lá, eu vivia a música, aprendia vendo aqueles mestres, até que um dia Sardinha e o mestre Paulinho do Pandeiro me botaram na roda. Depois disso não teve mais volta", recordou.
"Quando decidi virar músico profissional, o Sardinha foi quem me arranjou os primeiros trabalhos. E era cada som que a gente fazia, em várias situações e lugares. Era a música quem guiava. E ainda é! E que hoje seus guias lhe iluminem nessa passagem, Mestre Sardinha. Que nossas lágrimas de saudade soem como o mais lindo choro que você já tocou", complementou o músico.
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