A Biblioteca Adianto Cultura foi nomeada assim porque "é para frente que a gente quer ir", explica Wesley Farpa, o coordenador do projeto. Durante três anos desde sua fundação, o espaço localizado em uma pequena rua da Barra do Ceará promoveu ações relacionadas não apenas à leitura, mas também às outras linguagens artísticas. Aquele lugar reuniu crianças, adolescentes e adultos que buscavam o encantamento com a literatura, o conhecimento sobre a produção cultural, a formação em diversas áreas ou algumas horas de atividades lúdicas para descansar a mente. As pessoas que vivem por ali abraçaram a biblioteca e entenderam que o espaço existia para a comunidade. Com isso, um dos grandes objetivos de seus criadores foi cumprido, mas não foi o suficiente para que o local permanecesse aberto.
Em abril, o perfil do Instagram da Adianto comunicou que as atividades seriam encerradas temporariamente devido à falta de recursos. A ausência de dinheiro não permite o pagamento de educadores, a manutenção da estrutura e o auxílio a quem cede o imóvel. Todos os custos equivalem a uma média de, no mínimo, R$ 2 mil mensais. "A gente sabe que o incentivo ao livro é mais do que colocar um livro nas mãos de um semianalfabeto e achar que cumpriu a meta. A gente desenvolveu toda uma programação em torno da cultura do livro e do leitor, como atividades ligadas ao esporte, à ocupação da rua, ao audiovisual… Isso tudo é um auxílio para que as pessoas tenham o acesso ao livro, porque, se a gente só colocar o livro na prateleira, o acesso não existe", pontua Wesley Farpa, que também é fotógrafo, produtor cultural, designer e filmmaker.
É por essa necessidade de realizar ações que conectem a população à leitura que os organizadores decidiram parar de maneira temporária até que eles pudessem retomar com uma programação contínua. "Por exemplo, se for para colocar uma geladeira e deixar os livros lá ou até mesmo reservar um quarto com os livros, isso é fácil. Mas a gente tem certeza que os livros não vão ter saída. A gente não quer funcionar como um depósito de livros, a gente quer funcionar como uma biblioteca interativa com a comunidade, que tenha uma programação real e que desenvolva atividades ligadas ao universo do livro e ao universo que a própria comunidade vive. E, para isso, tem custo", explica.
Na tentativa de buscar incentivo financeiro, os gestores participam da Campanha Biblioteca Urgente, criada no ano passado com o objetivo de incluir as bibliotecas comunitárias no Plano Plurianual de Fortaleza. A ação inicial, porém, não funcionou. Por isso, o grupo tentou uma emenda parlamentar, com apoio do coletivo Nossa Cara, composto por vereadoras do PSOL em Fortaleza. "Já tínhamos mobilizado alguns vereadores e fomos atrás de mais vereadores. A gente não ficou escolhendo partidos, fomos em todos. Eles receberam a gente, escutaram a gente. Alguns destinaram parte de seu orçamento para as bibliotecas. É um tema muito sensível, e as pessoas apoiam isso", diz.
De acordo com ele, quando os organizadores entraram em contato com a Secretaria da Cultura de Fortaleza, não houve a confirmação da execução do projeto. "A grande desculpa da Secultfor foi que a secretaria não era obrigada a executar esse dinheiro. A gente sabia que a Secretaria não era obrigada, mas queríamos a sensibilidade deles para poder executar. É um projeto que não tem apego a partido, que quer levar o acesso ao livro para dentro dos bairros, mas isso não teve diálogo", ressalta. Segundo Wesley Farpa, há um grupo de Whatsapp com o secretário municipal da Cultura, Elpídio Nogueira, criado depois de uma reunião há alguns meses, mas ainda não houve retorno sobre a viabilidade de execução.
"Eles não dizem 'não', nem um 'sim'. Deixam a gente se arrastar, deixam a gente fechar as bibliotecas. Pode ser que tenha uma biblioteca ou outra que já tenha desenvolvido sua forma de captação de recursos e que esteja aberta, mas tenho certeza de que não é a semana toda, não é com a estrutura que merece. A biblioteca Adianto não tem essa estrutura para estar se mantendo. Por isso, a gente foi a primeira a oficializar o fechamento", indica. Mas, de acordo com o produtor cultural, os outros espaços de acesso ao livro vinculados à campanha, que totalizam 12, também estão perto de encerrar suas atividades por falta de recursos.
Em nota enviada ao O POVO, a Secultfor informou: "A Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) acompanha o cenário das bibliotecas comunitárias da Capital, junto a representantes destes espaços. Recentemente, foram realizadas reuniões com entidades para dialogar sobre as demandas e as necessidades para manutenção dos equipamentos populares".
A Biblioteca Adianto Cultura, agora, procura alternativas para arrecadar recursos. O público, por exemplo, pode fazer doações diretas por meio de uma chave de PIX (bibliotecaadianto@gmail.com). O espaço cultural também inaugura uma loja colaborativa para vender obras de arte. Um dos conteúdos à venda é o quadro "Mente fria e coração em chamas", de Amanda Oliveira. Mais informações estarão disponíveis no perfil do Instagram @adiantoarte.
Adianto e hip hop
O diferencial da Adianto é que ela está diretamente vinculada ao hip hop. Depois da terceira edição do Alastra Cultura, um programa que desenvolve a formação do rap, alguns de seus idealizadores decidiram inaugurar uma biblioteca. O objetivo era que crianças e adultos tivessem a oportunidade de conhecer sobre este cenário por meio dos livros.
"Apesar de a sociedade estar dando uma certa abertura para a cultura hip hop, ainda falta muita compreensão sobre o que é esse movimento. Quando a gente pensou no que seria a biblioteca, a gente pensou em ser uma forma de extensão do hip hop. Para uma criança se desenvolver no meio da arte, ela precisa beber de conhecimentos. E os livros são esse acesso. Se a criança não tem acesso de referências ligadas ao hip hop, ao movimento negro, aos movimentos da periferia, ela provavelmente vai escutar um rap ou um reggae sem compreender o que está por trás daquela cultura", afirma o fotógrafo.
Novos cenários
As bibliotecas comunitárias são um lugar para a comunidade usufruir de seu direito à cultura. Wesley Farpa cita que a rua da Adianto Cultural era conhecida por ser um ponto de venda de drogas. Com a abertura do espaço, as pessoas do comércio ilegal saíram da região de maneira voluntária. No passado, Wesley Farpa foi uma dessas pessoas que, por desespero, se envolveu com o crime. "Isso me deixou grandes traumas, mas também grandes aprendizados", identifica. O fotógrafo, porém, reconfigurou sua vida por meio da ajuda de um amigo e arte-educador. "Agora estou há mais de dez anos desenvolvendo projetos culturais graças à pessoas que acreditaram no meu sonho e viram potência em mim", recorda.
Como ajudar
PIX: bibliotecaadianto@gmail.com
Instagram: @adiantocultura e @adiantoarte
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