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Prática de jardinagem: jardins urbanos conectam natureza com a cidade
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Prática de jardinagem: jardins urbanos conectam natureza com a cidade

Na capital, a prática da jardinagem e a manutenção de jardins nos espaços urbanos se tornaram uma forma de conexão humana e de preservação da natureza
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Seu Flor tem um ateliê que vende insumos, plantas e cursos (Foto: Igor Cavalcante/ Seu Flor)
Foto: Igor Cavalcante/ Seu Flor Seu Flor tem um ateliê que vende insumos, plantas e cursos

Num dia desses, escutei o som de passarinhos na janela do meu apartamento, que fica no nono andar de um prédio em meio ao cenário de concreto do coração da Aldeota. Quando parei o que estava fazendo para observar a paisagem, percebi que dois pássaros se acomodaram na rede de proteção, próximos às plantas que minha família cultiva em casa. Eram Pintassilgos (ou, pelo menos, foi o que minha mãe disse, porque ela lembrava de uma espécie semelhante no quintal da casa do meu avô). Não demorou muito para perceber que beija-flores também apareciam para se alimentar do néctar. Na noite seguinte, minha mãe chegou do trabalho com um bebedouro colorido para eles. Agora, diariamente, o som dos passarinhos ecoa pelo quarto e pela sala. Mesmo em uma região repleta de cinza, a natureza ainda se faz presente pelos esforços de pessoas como minha mãe, que encontram nas plantas, nas flores e nos animais um refúgio da Cidade.

Fortaleza está cheia de gente que não apenas busca essa conexão com a natureza, mas também promove a conscientização da população. É o caso, por exemplo, de Fernanda Rocha, arquiteta, urbanista e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor). Ela criou o projeto Portas Abertas depois de mais de uma década de maturação da ideia. Uma das ações é a visita guiada ao jardim do Theatro José de Alencar, projetado pelo artista e urbanista Antonio Burle Marx (1909 - 1994). "O Portas Abertas tem essa intenção de proporcionar para as pessoas experiências de aprendizagem cultural. É nesse sentido que estamos fazendo vivências no TJA, para que as pessoas se aproximem das espécies, das plantas, desses elementos que são tão importantes para nós, mas que muitas vezes são negligenciados no meio urbano", diz.

Para ela, a disseminação do pensamento de Burle Marx surge na tentativa de fazer com que a população tenha uma maior relação com a natureza. "As pessoas vinculam a ideia de jardim e de suas plantas de uma forma muito simplória. A planta é sempre a planta da moda, tem essa questão do modismo. Mas as pessoas perdem a perspectiva - que era a que o Antonio tinha - de ter mais conhecimentos sobre as espécies, de saber como utilizá-las e de como se relacionar com elas", identifica.

De acordo com a pesquisadora, essa conexão se torna ainda mais importante nos dias atuais, neste momento em que todos estão rodeados de tecnologias e edifícios. "Quando eu era criança, meu pai estava construindo nossa casa na Parquelândia. Mas, antes de construir a casa, ele usava o terreno para plantar mandioca. Hoje em dia, tudo está em um saco, no supermercado. Quando eu estudava no colégio Santa Isabel, a gente subia em goiabeira, tirávamos manga e caju para comer… As crianças perderam esse contato", opina.

Mesmo que a juventude das grandes capitais tenha sido privada desse contato direto com as plantas e o cultivo, existe um movimento de jovens que tentam reverter esse cenário. Na Rede Cuca, houve a criação do Cuca Ambiental no ano passado. O programa promove sete projetos: Ambientando, Clube da Ciência, Corais, Germinova, Polis, Voluntariado e Semeia Juventude. Esse último tem o objetivo de incentivar a difusão de plantas nativas e o conhecimento sobre agricultura urbana.

Recentemente, o grupo plantou um viveiro de mudas no Cuca do Mondubim. "A ideia é que a gente plante viveiros de mudas em todos os equipamentos de juventude para que as pessoas possam aprender desde a coleta da semente ao beneficiamento da semente, além da plantação de hortalícias e plantas medicinais", explica Clarice Araújo, supervisora do Cuca Ambiental. Os voluntários da atividade também proporcionam o conhecimento da população que recebe sementes para cultivar em casa. "A gente combate a doação aleatória. Às vezes, as pessoas pegam a muda de uma árvore, mas moram em um apartamento e não têm condições nenhuma de plantar", explica.

Com uma programação aberta ao público geral, o projeto realiza programações dinâmicas e lúdicas. A meta é colocar o jovem como protagonista da mudança ambiental. "O engajamento se faz urgente, considerando que não temos um planeta B. Precisamos aprender a conviver com a natureza e nossos espaços verdes, a produzir menos resíduos. Ou a gente muda as atitudes para permitir a vida na terra ou os seres humanos vão desaparecer, porque a possibilidade de vida na terra está chegando ao seu esgotamento. Eu acredito que a juventude é protagonista nesse processo", defende.

O ateliê Seu Flor realiza cursos para disseminar o conhecimento sobre plantas em Fortaleza
O ateliê Seu Flor realiza cursos para disseminar o conhecimento sobre plantas em Fortaleza

Um ateliê de artes botânicas

Talvez o sobrenome "Flor" tenha sido uma coincidência, mas a palavra caminha pela vida pessoal e profissional de Bruno. Ele, ao lado o publicitário e fotógrafo Igor Cavalcante, criou o ateliê "Seu Flor" em homenagem ao avô. Fundado em 2016, o espaço vende plantas e insumos, presta serviços na área de artes botânicas e realiza cursos mensais.

Segundo ele, no período da pandemia, houve uma procura maior pela jardinagem, principalmente, entre pessoas que moravam em apartamentos. "Esse mercado não estava tão aquecido. Ele sempre esteve aquecido por conta de festas e eventos, mas passou por um salto que chegou a faltar planta e vasos em 2020 na capital. As pessoas procuravam muito mesmo", avalia.

Os trabalhos no Seu Flor iniciaram de forma espontânea, porque Bruno Flor, também biólogo e professor, começou a fazer terrários para amigos. "Sou de Aquiraz. Sempre tive essa relação muito próxima com a natureza e com a fazenda. Essas coisas me faziam me sentir bem. Era um hobbie. Mas, em tal momento, as pessoas passaram a dizer que esse conhecimento poderia me trazer alguma renda", recorda.

Os dois decidiram não se restringir apenas à venda, mas também promovem oficinas sobre Terrários Abertos, Kokedamas e Jardinagem para Apartamentos. Há um curso por mês. "Existem muitas frustrações, porque as pessoas veem muito fotos de inspiração e quartos lotados de plantas na internet. Mas, aí, se frustra porque não sabe colocar a melhor luz, como regar, fazer adubação… A gente quer ensinar as pessoas a manterem as plantas. A gente não tem essa ideia de manutenção. E o que é vivo precisa de manutenção", defende.

Seu Flor reúne mais de 150 espécies de plantas em seu ateliê
Seu Flor reúne mais de 150 espécies de plantas em seu ateliê

Como começar a cultivar

Bruno Flor, um dos responsáveis pela marca Seu Flor, faz duas recomendações principais para aqueles que querem cultivar plantas em casa. A primeira é conhecer o espaço em que mora. "É importante saber como é seu espaço em relação à luz e à sua própria rotina", explica.

O segundo conselho é compreender que a planta é um ser vivo. "Ela vai demandar seus cuidados. Existe muita gente falando, inclusive, que é pai de planta ou mãe de planta. Existem, sim, espécies muito fáceis de cuidar, que são a maioria das plantas vendidas", indica.

De acordo com ele, as pessoas devem entender que esses seres têm o próprio ciclo de vida. "Um ser vivo pode morrer. Quando a gente compra um girassol florido, por exemplo, e leva para casa, dura duas semanas. Mas é porque o girassol morre depois de duas semanas. Entender qual a planta que você está colocando dentro da casa é importante".

 

Vilani Moreira Barbosa mantém uma relação com a natureza desde a infância. Na foto, a planta jucá
Vilani Moreira Barbosa mantém uma relação com a natureza desde a infância. Na foto, a planta jucá

Vida dedicada à natureza

Quando Vilani Moreira Barbosa era uma criança, costumava "fugir" de casa para ir à mata. As pessoas tinham dificuldade de encontrá-la, mas ela sempre estava embaixo da sombra de uma árvore ou subindo em seus troncos. Sua paixão era tão grande que costumava comer plantas e morder pedaços de cascas. Isso, que lhe rendeu algumas intoxicações e confusões em casa, moldou toda sua trajetória.

No fim da adolescência, decidiu cursar Agronomia, porque era o mais próximo que conseguiu de uma formação que gostava. Não deu certo. Apaixonada por literatura, descobriu que a maioria dos escritores eram formados em Direito. Então optou por essa profissão. "Quando comecei a trabalhar na área do Direito, conheci Burle Marx e comecei a ter mais contato com a natureza", recorda.

"Eu me jogava na frente de foices, porque não queria que cortassem as árvores", lembra. "As pessoas achavam que as árvores eram para ser arrancadas. Elas achavam que tudo era 'mato', mas isso é uma ideia que as pessoas têm, que surgiu com os colonizadores. Foi nosso olhar seletivo que fez essa diferenciação entre planta e mato", defende.

Segundo ela, todo seu desespero vem do conhecimento que adquire e de perceber que a população não compreende a natureza. "As pessoas vivem como se não precisassem da natureza. É ela que não precisa", afirma Vilani Barbosa, que hoje trabalha com palestras em faculdades e escolas.

A palestrante anunciava, já na década de 1980, que as próximas guerras do planeta seriam por causa de água. "Meus chefes me achavam doida. Comecei a notar que aqueles que entendiam eram quatro gatos pingados. Hoje é mais fácil você defender o meio ambiente, porque todo mundo perdeu a inocência, principalmente, depois da tecnologia", ressalta.

Durante sua trajetória, foi para avenidas e praças falar sobre a importância de preservar a natureza. Nos finais de semana, quando vivia em Fortaleza, seus momentos de lazer eram dedicados a plantar árvores na Capital. "Você só ama aquilo que conhece. Você só se apaixona pela pessoa se conhecer a pessoa. Existem milhões de pessoas maravilhosas que nunca vamos nos apaixonar porque não conhecemos", reflete.

 

Para mais conhecimento

- Cuca Ambiental
Projeto vinculado à Rede Cuca promove atividades em diversas áreas para incentivar a conscientização da juventude em relação à natureza. Limpeza nas praias, oficinas sobre plantio de sementes e formação de voluntariado são algumas das ações oferecidas.
Mais informações: nos perfis do Instagram @redecucaoficial e @juventudefortaleza; programação do mês é divulgada nas redes sociais

- Portas Abertas
A partir de quatro pilares - arte, inovação, sustentabilidade e mulheres -, o Portas Abertas tem o objetivo de oferecer experiências culturais e ambientais para a população geral. Uma das iniciativas regulares é a visitação ao jardim do Theatro José de Alencar.
Mais informações: no perfil do Instagram @oficialportasabertas

- Sombra do Cajueiro
A Floresta Urbana Sombra do Cajureiro é denominada como um “refúgio agloflorestal” em Fortaleza. O lugar oferece ações para todas as atividades, incluindo uma vivência imersiva sobre os princípios básicos dos sistemas agloflorestais. Também há ensinamentos sobre colheita, manejo do sistema florestal e plantio de mudas. O ambiente é aberto para todas as idades, inclusive, tem iniciativas focadas em crianças.
Onde: rua Cônego Braveza, 2013 (Cidade dos Funcionários)
Mais informações: no Instagram @sombradocajueiro ou pelo telefone (85) 99600-5980

- Complexo Cultural Estação das Artes Belchior
A Estação das Artes, inaugurada no fim de março, oferece uma programação semanal para o público. Uma das ações que acontece eventualmente é a visita guiada pelos jardins, que priorizam plantas nativas e buscam integrar o prédio histórico às paisagens típicas do Ceará. A atividade é conduzida por Bruno Ary, responsável pelo projeto paisagístico do complexo cultural. Apesar de a visita guiada não ocorrer todas as semanas, as pessoas podem visitar o jardim.
Quando: aos sábados, de 9h às 12 horas
Onde: Praça da Estação (Rua Dr. João Moreira, s/n, Centro)
Mais informações: nos perfis do Instagram @institutomiranteceara e @secultceara

Onde comprar

- Seu Flor
Quando: de terça-feira a sexta-feira, das 12h às 18 horas; sábados, das 9h às 18 horas
Onde: rua Padre Valdevino, 1265 - Joaquim Távora
Mais informações: no site www.seuflor.com, no Whatsapp (85) 99616-5529 ou no perfil do Instagram @jardimdoseuflor

- Seu Jardineiro
Onde: na Praça das Flores (avenida Desembargador Moreira), box 11
Mais informações: no perfil do Instagram @seujardineiroo ou no Whatsapp (85) 98733-3575

- Erva Doce Jardins
Quando: de terça-feira a sábado, das 8h às 12 horas e das 15h às 19 horas
Onde: rua Almeida Prado, 1055 - Cocó
Mais informações: pelos números (85) 99958-7887 e (85) 3264-8018 ou pelo Instagram @ervadocejardins

- Praça das Flores
A Praça das Flores, cujo nome oficial é Praça Doutor Carlos Alberto Studart Gomes, é o espaço para vários vendedores de flores. Os boxes comerciais se tornaram pontos conhecidos para o comércio.
Onde: avenida Desembargador Moreira, no cruzamento com a avenida Padre Antônio Tomás

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