No livro "Jamais Fomos Modernos", o antropólogo francês Bruno Latour pesquisa a construção da modernidade e entende que o homem jamais chegou a ser moderno. Para ele, esse seria, na verdade, um projeto que teria falhado. Mas, e se houvesse uma releitura dessa ideia? É nesse sentido que surge a exposição "Sempre Fomos Modernos", que está disponível para visitação no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc).
A mostra atinge o público com o objetivo de propor um olhar crítico sobre a modernidade - mas não para por aí. A exposição também celebra datas importantes para a arte local e nacional, como os centenários de nascimento dos pintores cearenses Aldemir Martins e Antonio Bandeira, os 100 anos da Semana de Arte Moderna (SAM) e os 60 anos do museu, completados em 2021. "Sempre Fomos Modernos" está aberta ao público de segunda a sexta-feira (exceto feriados), a partir das 9 horas, até 29 de julho.
Mais de 300 obras compõem a exposição, que também celebra artes de mais de 100 artistas nacionais e internacionais de diversas épocas, indo desde o século XV ao século XXI. Nomes como Sinhá D'Amora, Raimundo Cela, Chico da Silva, Picasso, Rembrandt e Descartes Gadelha fazem parte da seleção.
A exibição tem curadoria do professor associado da UFC Wellington de Oliveira Júnior e de Eliezer Nogueira do Nascimento Júnior, doutor em Design pela Escola Superior de Design Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Esdi/Uerj). O título da mostra, "Sempre Fomos Modernos", apresenta outra visão ao livro "Jamais Fomos Modernos", do antropólogo francês Bruno Latour.
"O que ele põe em questão é se o tempo atual é resultado de um fracasso do projeto moderno, e o que estamos dizendo é o contrário, meio que brincando com isso. Na verdade, sempre fomos modernos, não havia outra saída para o projeto moderno senão o que vivemos hoje. Todo o cenário de catástrofe, devastação e exclusão é resultado de um projeto que desde sempre apontava para isso. Então, o título da mostra é também um convite para pensarmos um pouco o tempo presente, as nossas ações e como lidamos com as ruínas da modernidade", explica Wellington.
Desenvolvida desde setembro de 2021, quando houve o convite do Mauc para Wellington ser um dos responsáveis pela curadoria, a mostra inicialmente seria realizada para discutir "o legado" e refletir sobre as "heranças" da Semana de Arte Moderna de 1922. O problema, porém, é que o curador percebeu que o Mauc não tinha em seu acervo obras de artistas que participaram do movimento.
Ora, hoje sabemos que isso não foi um impeditivo para a exposição continuar fazendo referência, de alguma forma, à SAM. Qual foi, então, a saída encontrada? Wellington explica: "Resolvemos partir para uma discussão sobre a modernidade em si, sobre o que é ela, o que foi o projeto moderno, qual o resultado disso e como vamos lidar com isso daqui para frente".
Com isso, houve o processo de seleção das obras e o recorte final foi utilizar apenas trabalhos que já faziam parte do acervo do Mauc. Agregando os marcos dos centenários de nascimento de Aldemir Martins e Antonio Bandeira, dos 60 anos do museu, dos 100 anos da SAM e de outras efemérides relevantes (como os 130 anos da Padaria Espiritual e do centenário do pintor baiano Rubem Valentim), foram alcançadas quase 400 artes para a "Sempre Fomos Modernos".
Para definir quais obras entrariam nesse projeto, foram pensadas "grandes palavras chaves do espírito moderno" para serem nortes da seleção. Feita a partir de pesquisas em acervos e documentos, a escolha foi marcada por nuvem de palavras sobre o que seria o moderno. Assim, termos como "antropofagia", "liberdade", "máquina", "utopia" e "vida" guiaram a construção da exposição.
"A partir disso, tentamos pensar um percurso que não necessariamente tem começo, meio e fim, mas que propicie ao visitante navegar no meio dessas palavras e dessas imagens e seguir seus próprios percursos", adiciona Wellington. Por falar em percurso, a mostra é dividida em espaços nomeados pelas palavras que foram usadas na "nuvem" da curadoria.
Dessa forma, também se relacionam os espaços específicos com as obras de Aldemir Martins e de Antonio Bandeira. "Tentamos puxar o Aldemir mais para a questão do regional que marca muito a temática dele. Podemos pensar que a obra dele se destaca por esse espírito regionalista por meio de afetos primários, com obras sobre cangaceiros, jangadas, frutas e animais. Por outro lado, puxamos o Antonio Bandeira para o campo da liberdade e da vida pensando um pouco nesse lugar da abstração como o lugar da liberdade", destaca.
O visitante encontrará quadros como "Cidade em Festa", de Antonio Bandeira, "O Cangaceiro", de Aldemir Martins, "Maternidade", de Raimundo Cela, além de tantas outras obras dos mais de 100 artistas que preenchem a exposição. Vale destacar que todos os trabalhos de Antonio Bandeira e Aldemir Martins que fazem parte do acervo do Mauc estarão na mostra.
Outro aspecto que marcou a curadoria da exposição foi a busca por "um recorte mais inclusivo". Dessa forma, foram valorizadas as presenças de trabalhos de artistas mulheres, afrodescendentes, indígenas, artistas com deficiência e LGBTQIA . Além disso, ao fazer um contraste entre autores mais conhecidos e autores com menos destaque, a mostra também tenta promover "diluir" lugares que são considerados de elite.
"Sempre Fomos Modernos" discute a temporalidade e propõe um olhar para o presente - algo que, para Wellington de Oliveira, é de extrema importância. Fica, então, o convite da mostra para o seu público: "Nunca foi tão importante olhar para o presente e colocar a nossa cara na frente dele. O que estamos vivendo é um momento muito delicado, de muito retrocesso, devastação, destruição e desarticulação. A mostra tem essa vontade de fazer um convite a todos nós a refletirmos sobre o tempo e fazer a crítica ao próprio tempo".
Exposição "Sempre Fomos Modernos"
Quando: de segunda a sexta-feira (exceto feriados), das 8 às 12 horas e das 13 às 17 horas; visitação até 29 de julho
Onde: Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Av. da Universidade, 2854 - Benfica)
Visitação gratuita