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Arnaldo Antunes e Vitor Araújo mergulham na poesia em shows no Ceará
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Arnaldo Antunes e Vitor Araújo mergulham na poesia em shows no Ceará

Com repertório de álbum recém-lançado, Arnaldo Antunes e Vitor Araújo se apresentam no Ceará neste fim de semana
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Arnaldo Antunes e o pianista pernambucano Vitor Araújo lançaram em 2021 o álbum
Foto: José de Holanda/Divulgação Arnaldo Antunes e o pianista pernambucano Vitor Araújo lançaram em 2021 o álbum "Lágrimas no Mar"

O cantor e compositor Arnaldo Antunes e o pianista pernambucano Vitor Araújo se apresentam neste fim de semana em terras cearenses com o show “Lágrimas no Mar”, baseado no disco homônimo lançado pelos artistas. Além das faixas do álbum, a dupla levará ao público canções de “O Real Resiste” (2020), poemas e sucessos da carreira de Arnaldo Antunes.

A apresentação será realizada às 20 horas neste sábado, 7, em Sobral, e neste domingo, 8, no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, às 18 horas. Os ingressos estão à venda na Capital cearense por R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia). Em entrevista exclusiva ao Vida&Arte, Arnaldo e Vitor comentam sobre expectativas para o show, as mensagens e os conflitos em “Lágrimas no Mar” e a importância da música para os artistas diante da pandemia

O POVO: Em 2020, vocês chegaram a se apresentar juntos, estreando o álbum “O Real Resiste” de forma on-line no Sesc em Casa. Como é pra vocês voltar a fazer shows presenciais?

Arnaldo Antunes: Fizemos algumas lives na pandemia, mas estávamos muito ansiosos e com muita vontade de apresentar o trabalho para o público presencialmente. Tem sido maravilhoso, é como se estivéssemos voltando à vida. Poder voltar ao palco, encontrar a plateia… O que tem na live é muito diferente, nada substitui esse contato, e acho que o público em geral também estava sentindo muita falta disso. Tem sido uma troca incrível e estamos muito felizes de poder tocar no Ceará.

Vitor Araújo: A apresentação presencial é a norma, e por um tempo ficamos imersos em uma situação na qual parecia que voltar a isso era o diferente. Esse é um momento muito especial na vida de um artista: fazer apresentação de um trabalho ao vivo. Existe, claro, um prazer muito grande nas fases de composição, produção e gravação, mas é muito importante ter esse feedback ao vivo É uma parte bastante satisfatória você poder apresentar as músicas ao vivo para o público e poder sentir a reação a cada faixa.

O POVO: Uma das frases usadas para caracterizar o álbum foi a de que nele “existe uma vontade engasgada de chorar”, dita por Arnaldo. O quanto esse álbum traz mensagens e conflitos ao longo da pandemia?

Arnaldo: É engraçado, muitas pessoas têm citado essa frase e me perguntado o que ela significa. É um disco que nos levou mesmo às lágrimas durante a gravação, teve uma comoção pelo fato de estarmos isolados durante esse tempo em quarentena, além do que está acontecendo politicamente no Brasil e as destruições em várias áreas… Tudo isso nos deixou “á flor da pele”. Por não podermos fazer shows, resolvemos fazer um disco para expressar algo, e acredito que o álbum traz mais um pouco da atmosfera desse momento. Não que seja um trabalho triste ou melancólico, acho que é um disco solar também, mas ele me comoveu muito quando estava gravando e me comove quando eu canto no palco. Além disso, tem uma coisa inédita do meu encontro com o Vitor, um álbum de dois artistas que estão fazendo pela primeira vez um trabalho juntos. Acredito que achamos uma linguagem de expressão muito sensível e concentrada, então tudo isso acentuou, de certa forma, essa via dos canais mais comoventes que a música pode extrair.

Vitor: Acho essa frase do Arnaldo sobre a “vontade engasgada de chorar” muito precisa nos termos de como o disco se configurou quando o terminamos. É um álbum que trabalha a questão da visceralidade da música em um lugar menos usual. Estamos mais acostumados a escutar a visceralidade associada a uma coisa mais explosiva, e o “Lágrimas no Mar” segura essa explosão, a concentra em cada nota, então eu gosto dessa ideia da vontade engasgada de chorar, porque a obra trabalha nesse limite e cria uma atmosfera muito comovente.

O POVO: Na música “Como 2 e 2”, uma das faixas do álbum, há o verso “Eu sigo apenas porque eu gosto de cantar”. O quanto a música foi importante para vocês no processo de enfrentar a pandemia?

Arnaldo: Para mim, não só a música, mas a cultura é o que me salva. Nunca tinha ficado tanto tempo longe dos palcos, das viagens, e eu sentia muita falta disso. A minha energia precisa dessa troca com o público. Essa distância já era algo muito difícil, e acho que produzir e receber cultura - lendo, vendo filmes e séries - é o que nos salva. Nós estamos vivendo um momento muito tenso, e acredito que a escolha dessa música do Caetano Veloso (“Como 2 e 2”) é um pouco por retratar essa certa normalização de uma barbárie que vai se instituindo aos poucos como uma realidade normal e que, na verdade, está tudo errado, terrivelmente errado. O comportamento das pessoas, a devastação do país em várias áreas na cultura, meio ambiente, saúde, direitos trabalhistas, educação, enfim, nós vivemos uma ascensão de um fascismo geral.

Vitor: Essa canção acabou virando uma das faixas mais emblemáticas do disco justamente porque o período em que ele foi lançado traz uma ressignificação inteira da letra, assim como o caminho que buscamos em termos de arranjo, planejado para mudar o prisma pelo qual a letra poderia ser lida. O piano é abordado de forma tecnicamente muito heterodoxa e, com essa leitura, é como se as frases emblemáticas de “Como 2 e 2” ficassem com o sentido revelado de maneira muito própria e diferente devido ao período em que foi lançada. Essa frase, para nós que trabalhamos com música, pode resumir bem o momento da pandemia. Eu concordo com ela. Acho que não existe vida ou possibilidade de vida fora da arte, e ela acabou se tornando uma das faixas centrais do disco.

O POVO: O “Lágrimas no Mar” é um trabalho poético e sensível, que carrega uma carga de maior profundidade e dedicação ao longo de seu desenvolvimento. Como é, para vocês, apresentar um trabalho nesse estilo em meio a um período no qual as músicas estão mais curtas e formatadas para “viralizar” nas redes sociais?

Arnaldo: Esse é um disco que pede uma concentração. É importante você escutar ele com atenção à sequência dele, existe um conceito sonoro e, tematicamente, as músicas têm certas recorrências de uma para outra em que você acaba compondo vários sentidos. Eu ainda tenho esse apego à linguagem de álbum, de você parar ouvir um disco, mas é claro que nós também nos adaptamos à maneira como as pessoas estão escutando música. Nossa equipe criou quase que um videoclipe para cada música para você escutar assistindo ao vídeo, que é uma tendência hoje em dia. Não é algo que temos controle de como as pessoas ouvirão, mas esperamos que isso atinja o maior número de pessoas possível e acho que essa atenção mais concentrada acaba acontecendo inevitavelmente no show, no qual tem muitas músicas do disco novo e uma sequência que alterna músicas e poemas. É aquele momento em que damos um recado mais coeso, vamos dizer assim, a quem só escutou uma música ou só um pedaço dela. Acho que hoje em dia as pessoas têm muitas possibilidades diferentes de se relacionar com a música e uma delas é escutar o disco - e esse pede um pouco disso. Mas essas possibilidades convivem e não necessariamente uma substitui a outra.

Vitor: Eu adoro essa característica que o disco tem, da necessidade de atenção e de concentração, e como o show trabalha os detalhes e as minúcias de maneira muito atenta. De fato, o meio da música inevitavelmente vive um momento de muita dispersão, e eu acredito que uma das forças que existe nesse trabalho é justamente de trazer um pouco de novo o público para essa concentração mínima, para essa intimidade entre a música e quem está ouvindo. A forma de cantar do Arnaldo revela de maneira muito detalhada o que está sendo falado na letra e eu, enquanto instrumentista, tento dar ainda mais luz a isso. Então, esse é um aspecto que eu adoro no nosso trabalho conjunto - tanto no disco quanto no show. Acho que espalhamos como “tentáculos” diversas maneiras das pessoas se relacionarem com o álbum.

O POVO: Olhando agora para o retorno de shows presenciais e para o processo de vacinação que tem ocorrido no Brasil desde 2021. O álbum foi desenvolvido em um contexto mais grave da pandemia. Vocês conseguem imaginar um otimismo maior ao se apresentarem atualmente? Dá para ter um tom de maior otimismo daqui para frente?

Vitor: Eu acho que dentro do repertório que tocamos no show - falando sobre a volta dos shows presenciais - não existe exatamente um otimismo “ingênuo”. Ao contrário, existe um sentimento de combate. Acredito que o show inteiro e várias das músicas trazem, pela forma como tocamos, uma reflexão retirada das letras muito de combate ao que vem acontecendo, à barbárie institucional que se implantou no Brasil e a um estado protofascista que temos vivido desde 2018. O “Lágrimas no Mar” é um disco muito concentrado e sintético e, além de passar por esse clima, o show chega a outros lugares. Temos uma dinâmica muito grande, vamos de sonoridades muito pequenas do ponto de vista de volume até músicas em que o excesso está presente tanto no toque do piano quanto na voz do Arnaldo. Vamos da violência à delicadeza em muitos momentos, então acho que ele traz um pouco mais disso: a música como arena de combate contra tudo que estamos vivendo, mais do que exatamente um otimismo.

Arnaldo: Eu acho que não temos outra opção a não ser manter um certo otimismo, uma positividade, porque é o impulso da vida: você quer acreditar. Não dá para ver tudo só como uma ameaça. Na hora que reivindico “o real” como algo de resistência a tudo isso que estamos tendo que passar, de certa forma é uma perspectiva de acreditar que existe uma realidade positiva no meio da barbárie ou no meio dessa devastação toda. Temos que acreditar que “o real resiste” e vai resistir. O “real” somos nós que estamos lutando. Acho que essa positividade é meio que dizer que “o pulso ainda pulsa”.

Arnaldo Antunes e Vitor Araújo

Sobral

Quando: sábado, 7, às 20 horas
Onde: Theatro São João (Praça São João, 156 – Centro)
Quanto: a partir de R$ 20 2kg de alimentos não perecíveis

Fortaleza

Quando: domingo, 8, às 18 horas
Onde: Cineteatro São Luiz (Rua Major Facundo, 500 - Centro)
Quanto: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia); ingressos disponíveis no Sympla, na bilheteria do Cineteatro e em unidades Sesc

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