O ano é 1960. Antonio Bandeira caminha pela praia, no Mucuripe. Ora parece brincar com o vento, ora reencontrar-se consigo mesmo num lugar e tempo inesquecíveis". Começa assim a matéria de capa do Vida&Arte de 28 de outubro de 2008, escrita pela jornalista Regina Ribeiro. O mote é uma exposição especial promovida à época na Universidade de Fortaleza que traria à tona um registro pouco conhecido de Bandeira em movimento. As imagens, de um filme inacabado, são retomadas mais de uma década depois pelo cineasta Joe Pimentel no documentário "Antonio Bandeira, o poeta das cores", ainda em processo, mas com previsão de finalização em 2022.
Neste ano, são celebrados não somente o centenário de nascimento do pintor cearense Antonio Bandeira, em maio, mas também, em outubro, os 55 anos desde a morte dele. É pelo simbolismo da data que Joe pretende finalizar o longa documental até o final de 2022. O projeto foi gestado há cerca de cinco anos, a partir da amizade entre o diretor e Francisco Bandeira, artista visual e sobrinho do protagonista do filme.
"Foi através dele, que é meu amigo antigo. Ele começou a falar dessa ideia que tinha, o desejo de fazer um filme (sobre o tio). Foi através dele que me veio o interesse de fazer o filme, dos arquivos dele, que me mostrava muita coisa. Me convenci que o Bandeira era um personagem interessante", explica Joe, referenciando Francisco.
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O projeto foi inscrito em um edital em 2017 e posteriormente contemplado. Os recursos, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), só foram liberados em 2019, quando começaram as filmagens — rapidamente interrompidas, porém, pelo início da pandemia. A retomada das gravações aconteceu no começo deste ano e a previsão é seguir com a montagem e a finalização até dezembro.
Além dessas dificuldades no caminho, o projeto também precisou enfrentar outro desafio, este revelador sobre a memória de Bandeira: a ausência de arquivos e materiais audiovisuais sobre o artista.
"Não tem registro da voz do Bandeira, não tem uma gravação", afirma Joe. As únicas imagens do cearense em movimento das quais se tem notícia são aquelas que, em 2008, estiveram compondo a exposição da Unifor. "A película está em preto e branco, sem som. Foi filmada pelo artista cearense João Maria Siqueira, ficou perdida por quase 40 anos até ser encontrada no meio do acervo particular do ex-coordenador da Casa Amarela, Eusélio Oliveira", informa o texto de 14 anos atrás.
Gravadas pelo desenhista, pintor e cineasta amador cearense João Maria Siqueira, as imagens são conhecidas pelos títulos "O Fazedor de Crepúsculos" ou "O Colecionador de Crepúsculos", mas nenhum, segundo Joe, é oficial. "Na verdade, não é nenhum filme acabado, é um copião que ele fez com umas imagens do Bandeira lá no Mucuripe, no Cais do Porto. É um filme inacabado ao qual tive acesso agora no Rio, vi esse material que conheci quando eu era bem garoto, lá na Casa Amarela", recupera o cineasta.
Há registros jornalísticos de outras incursões de Bandeira no audiovisual, mas as imagens em si não têm paradeiro conhecido. Em 8 de abril de 1995, no caderno especial Sábado, do O POVO, uma linha do tempo de vida e obra do artista elencou, além do "curta-metragem Bandeira em Fortaleza", também um "curta-metragem Bandeira em Copacabana", datado de 1963 e filmado por Luís Augusto Mendes.
Há, ainda, informações conhecidas sobre mais um filme perdido com Bandeira, intitulado "Periphérie". Gravado em 1965 e dirigido pelo pintor Flávio de Carvalho, o trabalho traria o pintor cearense contracenando com a atriz Maria Fernanda, filha de Cecília Meireles, na região periférica de São Paulo.
Finalmente, há ainda um outro projeto conhecido e mencionado no material de 2008: "(...) o próprio Bandeira escreveu um roteiro para um filme sobre ele mesmo. É um rascunho com desenhos e um texto resumido. Teria mar e jangada no filme", informa o texto. Assim como o filme inacabado de 1960, o "roteiro ilustrado" feito pelo próprio artista também será incorporado no documentário dirigido por Joe.
A obra, adianta o diretor, traz diferentes fases da vida de Bandeira, entremeadas inclusive por poesias escritas por ele ao longo da trajetória. Contextos e temas ligados ao cearense também serão aprofundados, como a segunda Escola de Paris, grupo artístico do qual ele fez parte, o abstracionismo, movimento ao qual se filiou, e a Semana de Arte Moderna de 1922, que ocorreu no ano de nascimento do artista.
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Apesar de documental, "Antonio Bandeira, o poeta das cores" terá, ainda, a participação de Francisco Bandeira interpretando o tio em momentos como a produção artística ou a vida em Paris. "Fui até o local onde ele morreu. Foi uma experiência fantástica, senti a presença do Bandeira ali", narra.
Principal incentivador da concretização do filme, Francisco vê no projeto um ponto alto da sua entrega à memória do tio. "Para mim, é uma missão. Quando eu falava com o Gilmar de Carvalho, ele dizia pra mim: 'Estou beijando o Bandeirinha que cuida do Bandeirão'. Estou realizando um sonho que tinha desde menino: que obra do meu tio seja mais reconhecida", celebra.
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