"Quem tem fé, voa". A frase se tornou conhecida pelo ator Milton Gonçalves no ano de 1973, enquanto interpretava o personagem Zelão das Asas, mas pode ser aplicada para simbolizar sua partida na última segunda-feira, 30. Considerado um dos pioneiros da televisão brasileira, o artista faleceu aos 88 anos, no Rio de Janeiro, por consequência de problemas de saúde decorrentes de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que aconteceu em 2020.
Natural da cidade de Monte Santo, em Minas Gerais, o intérprete trabalhou como sapateiro, alfaiate e gráfico até encontrar sua vocação no teatro infantil e amador. Ele integrou o primeiro elenco da TV Globo antes mesmo da inauguração da emissora, na qual participou de mais de 40 novelas, e deixou um legado que perpetua o desenvolvimento da cena artística brasileira. Milton também se tornou referência pela atuação ampla como dublador, produtor e diretor. Sua carreira começou no ano de 1957, com a peça "Ratos e Homens", de John Steinbekc, viabilizada pelo grupo Teatro de Arena. O movimento, que acontecia na cidade de São Paulo, tinha o objetivo de trazer as artes teatrais para destaque nacional. Logo após o início, o intérprete caiu no gosto do público pelos papéis em tramas como "Gabriela" (1975) e "Pecado Capital" (1975).
Entre os destaques da trajetória está a atuação como Zelão na novela "O Bem-Amado" (1973), figura escrita por Dias Gomes que buscava a liberdade de expressão em meio a uma narrativa ditatorial. A mensagem ficou clara na última cena, quando ele consegue voar com as asas que construiu durante a história. Já "Sinhá Moça", escrita por Benedito Ruy Barbosa, também foi um marco para o ator. Milton participou das duas versões da trama, nos anos de 1986 e 2006, como o Pai José. O papel rendeu uma indicação ao prêmio de Melhor Ator no Emmy Internacional. Sua última novela foi "O Tempo Não Para", de 2018, na qual interpretou o catador de materiais recicláveis Eliseu, um homem considerado honesto e trabalhador.
Nas telonas do cinema, o mineiro foi a estrela de mais de cinquenta filmes, a exemplo de "O Beijo da Mulher Aranha" (1985) e "Carandiru" (2003). Com a participação no longa "Rainha Diaba", o artista venceu os quatro principais prêmios do cinema brasileiro do ano de 1974, como o Troféu Candango e o Coruja de Ouro. Todo o seu trabalho, inclusive, foi dedicado ao incentivo do protagonismo negro. Em entrevista ao canal do Youtube "Sem Frescura", em 2018, ele mencionou que "a grande maioria dos negros" não tem oportunidades de estudos. "Então quando um de nós (negros), eu e outros companheiros podemos, nós vamos lá incentivar. Não é pra tirar ninguém e botar outro, não é isso. É incentivar os 50% de brasileiros negros nesse país", defendeu.
A ideia se estendeu, inclusive, para a política. Milton manifestou breve interesse na área, quando se candidatou ao governo do Rio de Janeiro pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1994, e continuou a compartilhar suas opiniões com o passar dos anos. "Eu vou ficar feliz no dia em que nós elegermos um presidente negro no Brasil. No dia em que elegermos um negro para a presidência da Câmara Federal, ficarei feliz. No dia em que nós elegermos três senadores negros, ficarei feliz", explicou ao jornal Extra em 2018.
Seu último papel na televisão foi no especial de Natal "Juntos A Magia Acontece", de 2019. Ele interpretou o personagem Orlando. Após a notícia do falecimento, artistas como Lázaro Ramos e Zezé Motta lamentaram a perda. "Me sinto privilegiado por ter te assistido em cena, testemunhado toda sua inteligência cênica e por termos nos encontrado tantas vezes no trabalho. Obrigado por ser inspiração e pelo seu pioneirismo. Receba meu caloroso aplauso, seu Milton Gonçalves", escreveu Lázaro. Já Zezé, em uma homenagem a um nome com "tanta importância", destacou a relevância do trabalho do colega: "Milton Gonçalves era um dos mais importantes atores que este país já teve. Milton faz parte da história da TV brasileira. Um gênio".
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