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Impasse ameaça continuidade do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno
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Impasse ameaça continuidade do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno

O imóvel onde a escola atua é alvo de ação judicial há mais de cinco anos. Em relatos, corpo docente da escola afirma buscar alternativas
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Fachada do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, na Avenida da Universidade (Foto: Samuel Setubal/ Especial para O Povo)
Foto: Samuel Setubal/ Especial para O Povo Fachada do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, na Avenida da Universidade

A escola de formação musical mais antiga do Ceará passa por adversidades que ameaçam sua continuidade. O Conservatório de Música Alberto Nepomuceno (CMAN) completou 84 anos em maio de 2022, em meio a um impasse jurídico. Desde 2015, a Universidade Federal do Ceará (UFC) mantém ação judicial de reintegração de posse do prédio onde funciona o CMAN, reivindicando a desocupação imediata do imóvel. O pedido foi reconhecido pela 2ª Vara Federal em 2018, mas o Estado do Ceará apresentou recurso contra a decisão, considerado improcedente pela 1ª turma do Tribunal Regional Federal da 5ª região em abril deste ano. A questão se encontra em prazo recursal, ou seja, ainda pode ser recorrida. Em relatos ao Vida&Arte, o corpo de direção do Conservatório afirma temer a interrupção das atividades do CMAN e defende o diálogo para encontrar formas de perpetuar a existência da instituição.

As datas oficiais apresentam que o CMAN foi fundado em 26 de maio de 1938, a partir da intervenção do compositor Paurilo Barroso, mas a escola de música nasceu em 1919, no número 520 da rua Barão do Rio Branco, com o maestro e violinista Henrique Jorge. A propriedade ocupada até os dias de hoje pela organização, localizada na Avenida da Universidade, foi cedida em 1963 pelo então reitor da UFC, Antônio Martins Filho. Doze anos depois, em 1975, a organização passou a integrar os cursos de formação da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

"Algumas unidades de educação cedidas pela UFC e pelo Governo do Estado foram pioneiras na criação da Uece, dentre elas estava o Conservatório. Isso, inclusive, tem no Diário Oficial", explica o vice-diretor da instituição, Márcio de Lima. Ele ainda aponta uma dúvida comum: "O Conservatório é ligado à Uece ou à UFC? A gente diz que, no primeiro momento, foi da UFC, que comprou o imóvel, reformulou, nos colocou aqui dentro. Em seguida, fomos em definitivo incorporados à Uece. Até recentemente, a Uece tinha servidores trabalhando aqui dentro. Parte da manutenção, como contas de telefone, material de limpeza, era feita pela Uece".

Segundo a direção da escola, o impasse segue há, pelo menos, 30 anos. "A gente pode afirmar, por força dos documentos, que o Conservatório é uma instituição centenária que presta serviço à sociedade cearense. Ele foi base para a criação dos cursos de música da UFC e da Uece, e hoje se encontra no meio do fogo cruzado, essa demanda judicial onde a Universidade Federal do Ceará está reivindicando na justiça a posse do imóvel quando, na década de 1960, foi comprado e reformado para uso exclusivo do Conservatório", argumenta Márcio.

Definido como instituição privada, o Conservatório desenvolveu estudos com mensalidades para baratear custos e ampliar recursos, como foi explicitado em registro do O POVO de 07/09/1998. A grade continha aulas de piano, teclado, violão, guitarra, saxofone, flauta, baixo, bateria e violino. O texto pontua, ainda, que o CMAN cedeu espaço para o Curso de Formação Musical de Adultos, oferecido pela Uece, e o Curso de Extensão em Música, da UFC, além de permitir o ensaio de corais e teatros. "Sempre funcionou o público e o privado no mesmo espaço, foi onde originou toda a confusão. Mesmo quando a Uece encampou o Conservatório, continuou atendendo o particular, que sempre foi o forte. As instituições públicas sempre usaram o Conservatório do jeito que era mais útil", afirma o maestro e diretor da instituição, Davi Calandrine.

Ambos consideram estar “à deriva” e defendem o diálogo para encontrar formas de perpetuar a existência da escola. "O processo está na fase final, foi para a instância superior, a gente perdeu na primeira instância. O Estado do Ceará, por meio da Procuradoria do Estado do Ceará, e o jurídico da Uece entraram com recurso". Caso a decisão não seja favorável, Davi afirma que acarreta em despejo. “Hoje, nós não temos plano B. Se pedir para sair mês que vem, a gente não sabe para onde ir", explica. Atualmente, a escola conta com, aproximadamente, 150 alunos e funciona de segunda a sexta-feira. Dentre as ações, consta uma parceria há mais de 15 anos com a Fundação Beto Studart.

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A programação também abrange os tradicionais cursos pagos, assim como bolsas para alunos da rede pública de ensino, destinada aos cursos fundamentais, e coral aberto à população. Até o momento, todos os estudantes seguem com seus acordos e contratos vigentes. "Nós precisamos conversar com os entes responsáveis por essas instituições, com órgãos, com a Secretaria de Cultura do Estado, com a Secretaria de Cultura do Município, conseguir uma pauta com a governadora, com o prefeito, com os secretários, mas com urgência. Precisamos da atenção dos órgãos públicos para a situação", complementa.

Procurada pelo Vida&Arte, que demandou detalhes do trâmite do processo na justiça, a UFC informou que a ação contra o Estado do Ceará foi “julgada procedente” em 22 de novembro de 2018, por decisão da 2ª Vara Federal. Após o recurso de apelação do Estado ter sido considerado improcedente em abril de 2022, a questão se encontra com prazo recursal. A reportagem entrou em contato com a Uece e questionou a ligação da instituição com o CMAN, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Passado e futuro

Professor e coordenador, Rodrigo Castro informa que só soube da complexidade da situação quando passou a fazer parte do corpo docente. Ele, entretanto, tem uma longa história afetiva com o espaço, visto que foi um dos alunos das turmas de 1996. "Talvez haja falta de um esforço maior do poder público, de duas universidades que deveriam estar lutando pela cultura cearense", comenta.

O coordenador também reflete sobre os problemas relacionados à estrutura. Em reportagem de 11/03/1987, O POVO noticiou a paralisação das ações e o risco de desabamento do local em consequência de danos causados por cupins. Já neste momento, profissionais do casarão discutiam falta de verba e desvalorização da entidade. "A estrutura é muito semelhante desde que comecei, o dinheiro sempre foi curto. O custo de manutenção é caro, é um prédio antigo que tende a precisar de muitas reformas", conta. O professor ressalta que a Uece entrou com "operações financeiras" durante "muito tempo", mas que houve um distanciamento, agravado depois da mudança do curso de Música para o campus do Itaperi. "Cobrar mensalidade foi uma necessidade de sobrevivência quando não tinha mais ente público dando apoio. Desde então, a estrutura vem ficando mais precária, está ficando mais difícil atender um prédio tão grande".

A situação, destaca, foi acentuada na pandemia da Covid-19. Além da dificuldade de ministrar aulas à distância, o período ocasionou desistência de parte dos alunos e também intensificou a instabilidade financeira. "Foi um baque para todo mundo. Para uma escola que sobrevivia a duras penas, eu diria que foi quase um milagre a gente ainda estar com um orçamento sobrevivente. Chegamos nessa fase agora que nos mantemos aos trancos e barrancos. Estamos lá porque acreditamos que vale a pena seguir com o ensino da arte. O fim das atividades seria bem triste para nós e para toda a comunidade que tem mostrado tanto ânimo", defende Rodrigo.

Ação

A UFC deu entrada na reintegração de posse do imóvel em 31 de março de 2015. À época, nota oficial da instituição constatou que a decisão foi baseada em recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) para regularizar a situação do imóvel, que já acumulava dívidas de mais de R$ 500 mil. A Universidade destacou que lamentava o ocorrido e que compreendia "a importância e o valor do incentivo à cultura musical no Estado". O espaço seria utilizado para "projetos e atividades de ensino, pesquisa e extensão na área musical".

De acordo com o documento, o prédio foi cedido ao Estado do Ceará, por intermédio da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece), conforme contrato de concessão assinado em 01/09/2007. Maestro Davi Calandrine, entretanto, comunica que "o Conservatório não foi consultado" durante a negociação. "Tomei conhecimento do documento do contrato só no processo (a partir de 2015). Todo mundo trabalhava naquele prédio sem saber de nada disso, tem gente que não ouviu falar disso até hoje".

Veja a nota da UFC na íntegra:

"Sobre a ação de reintegração de posse do imóvel do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, de propriedade da Universidade Federal do Ceará, a assessoria jurídica do Gabinete do Reitor informa que a referida ação de iniciativa da UFC, contra o Estado do Ceará, foi julgada procedente em 22 de novembro de 2018, por decisão da 2ª Vara Federal, que determinou a imediata reintegração da posse para a UFC.

Ocorre que o Estado apresentou recurso de apelação contra essa decisão, apelação esta que foi julgada improcedente pela 1ª turma do Tribunal Regional Federal da 5ª região, no dia 7 de abril de 2022, reafirmando e reforçando a ordem judicial de reintegração de posse imediata a favor da UFC.

O Estado do Ceará e a Universidade Federal do Ceará foram intimados dessa decisão em 10 de junho de 2022 e 13 de junho de 2022, respectivamente, e, no momento, a questão ainda se encontra com prazo recursal".

Conservatório de Música Alberto Nepomuceno

Onde: Av. da Universidade, 2210, Benfica

Mais informações: No Instagram

 

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