Kim Jiyoung tem trinte e três anos, ou trinta e quatro na idade coreana. Ela se casou há três e teve uma filha em 2014. Vive em um pequeno apartamento alugado nos arredores de Seul com o marido, Jung Daehyun, de trinta e seis anos, e sua filha, Jung Jiwon. Daehyun trabalha em uma empresa de TI de médio porte e Jiyoung saiu de uma pequena agência de marketing algumas semanas antes do parto". O início do livro "Kim Jiyoung, nascida em 1982", escrito por Cho Nam-joo, narra a vida de uma protagonista que poderia ser a de milhares de mulheres na Coreia do Sul (e também no mundo). A personagem tinha uma carreira promissora, mas desistiu de suas conquistas profissionais para se dedicar à família. Fez o que todos ao seu redor esperavam dela.
Para aqueles que lhe veem fora do lar, ela deveria estar feliz. Seu marido ganha dinheiro suficiente para sustentá-la. Não é muito, porém, é o bastante para que tenham certo conforto. Afinal, uma pequena casa alugada já é um luxo em relação aos altos valores das moradias em Seul e em seus arredores. Entretanto, Kim Jiyoung não fica completamente satisfeita. A mulher sente a necessidade de ser independente e de prover para a família assim como Daehyun. Em sua perspectiva, tornou-se um fardo a ser carregado por um homem.
Jiyoung está sendo apagada pela sociedade em que vive. Sem a possibilidade de fazer as próprias escolhas, precisa se resignar às situações que lhe foram impostas. É neste contexto que começa a incorporar os espíritos de mulheres que morreram. Em um dia qualquer, adota a personalidade de Cha Seungyeon, uma antiga amiga da faculdade. As duas participaram do mesmo grupo de trilha no passado, um lugar dominado por homens. Por causa disso, Daehyun decide procurar auxílio psiquiátrico para a esposa, que passa a contar sua história desde a infância.
"Kim Jiyoung, nascida em 1982" é dividido em três partes: na primeira, a protagonista lembra o período em que era criança. Na época, sua família não tinha dinheiro, então ela e sua irmã se responsabilizavam pela casa junto com a mãe. Seu irmão mais novo, entretanto, não era obrigado a nada. Já na adolescência, Jiyoung relata sobre suas experiências escolares. Em uma delas, recorda que foi vítima de assédio dentro do ônibus, e a única pessoa que lhe ajudou foi outra mulher. Seu pai apenas brigou para que usasse roupas consideradas decentes.
Enfrentando as consequências da crise financeira asiática de 1997, que atingiu países como Coreia do Sul, Tailândia, Malásia, Indonésia, Singapura e Filipinas, ela ingressou na faculdade. Naquele período, muitos colegas interrompiam seus estudos por falta de condições. Quando começou a procurar emprego, as empresas nunca lhe escolhiam por medo de que engravidasse cedo. Homens com menos experiências eram os preferidos para o cargo. E, quando finalmente encontrou um trabalho, seu dinheiro foi destinado aos estudos do irmão mais novo.
Sua trajetória lhe leva para o momento que mais se espera de uma mulher sul-coreana: o casamento. Ela firma a relação com Daehyun e, logo, os pais criam expectativas para um filho. Com a gravidez, a protagonista desiste de seus sonhos profissionais e passa a cuidar de uma criança. Para a infelicidade de muitos, o primeiro filho é uma menina.
A partir desses quatro momentos, Cho Nam-joo (também conhecida internacionalmente por "Her Name Is" e "Saha Mansion") mostra as consequências do machismo na vida de uma mulher. Mesmo sem perceber, Kim Jiyoung teve suas escolhas arrancadas de si para que se adaptasse à realidade ao seu redor. Trabalhar em um cargo importante, por exemplo, era um de seus sonhos. Entretanto, ela teve que optar por outro caminho.
A autora ainda mescla ficção com realidade para discutir as questões da desigualdade de gênero na sociedade. Em notas de rodapé e no próprio texto, apresenta estatísticas que destacam vários problemas que atingem as mulheres. Em um trecho, por exemplo, trata sobre o aborto de bebês do sexo feminino na década de 1980. "Verificar o sexo e abortar as meninas era prática comum, como se elas fossem um problema médico. Isso continuou ao longo da década de 1980 e no início da de 1990, o ápice do desequilíbrio entre homens e mulheres, quando a proporção para o terceiro filho ou mais passou a ser de mais de dois para uma", explica ao citar documentos.
Assim, a obra literária traça um panorama da sociedade machista da Coreia do Sul da década de 1980 até os dias atuais.
"Kim Jiyoung, nascida em 1982", de Cho Nam-joo
Intrínseca
176 páginas
Preço médio: R$39,90
(e-book: R$20,59)
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