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Livro mergulha na história da Amazônia: "Sempre vai haver disputa"
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Livro mergulha na história da Amazônia: "Sempre vai haver disputa"

Livro "A Ideia de Civilização nas Imagens da Amazônia (1865 - 1908)", do professor e pesquisador Maurício Zouein, reúnes fotografias históricas da região e descoberta do primeiro cartão postal do Brasil
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Maurício Zouein (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Maurício Zouein

O que pode uma imagem? Se no conhecimento popular vale mais que mil palavras, para a história é capaz de retratar costumes, modos de vida e práticas artísticas. No caso da Amazônia, território desconhecido para a maioria dos brasileiros, pode ser uma forma de fomentar o imaginário das pessoas sobre a região. Para explorar essas e outras possibilidades das imagens fotográficas, o autor Maurício Zouein dedicou anos de pesquisa e agora lança o livro "A Ideia de Civilização nas Imagens da Amazônia (1865 - 1908)", disponível no site da Editora Telha.

Maurício Zouein e a Amazônia se cruzaram por ordem do acaso, mas com identificação espontânea. Filho de pai libanês e mãe mineira, nasceu em São Paulo e aos dez anos de idade mudou-se para Roraima com a família. Pela origem miscigenada, se define como "muito brasileiro". Do Norte do País não saiu, senão pelos períodos de pós-graduação em outras cidades e também no exterior. Atualmente está no pós-doutorado e licenciado de ministrar para graduação e mestrado em Jornalismo da Universidade Federal de Roraima.

A pesquisa que culminou na obra foi feita ao longo de décadas, e o interesse teve início quando ainda era jovem soldado curioso por imagens. "Eu trabalho com imagens fotográficas desde 1983, ainda estava no serviço militar em Roraima e fui destacado para o 2º Batalhão Especial de Fronteira e a gente ficava transitando, aí tive muito contato com comunidades indígenas e comecei a pensar nessas imagens", relembra Maurício.

Curiosidade que o acompanhou em trabalhos posteriores em investigações que buscam compreender além da materialidade do registro fotográfico, como também seu conteúdo. "Tentei fazer esse caminho desse viajante da Amazônia que produziam essas imagens para ver qual era o conteúdo que eles davam preferência", explica.

"A Ideia de Civilização nas Imagens da Amazônia (1865 - 1908)" tem como ponto de partida as primeiras fotografias realizadas na Amazônia, datadas no século XIX. À época os registros eram feitos por viajantes estrangeiros e buscavam explorar o exótico e misterioso da região, como conta. "Eles [os viajantes] vieram para a Amazônia, cada um com uma intenção, para mostrar as plantas, os animais e também as pessoas", diz.

Apesar da meta de retratar, havia receio dos viajantes em se aproximar da população, lógica desafiada a partir da visita do alemão Albert Frisch, conhecido por fazer imagens raras da Amazônia. "Antes se tirava fotos das pessoas do quintal de uma casa para servir de estudo. Se convidava as pessoas, tirava as fotografias e pronto. Já o Frisch não, ele transitou pelo rio Amazonas, fotografando ribeirinhos, pessoas tirando látex, fotografou o dia-a-dia", destaca Zouein.

No processo está na descoberta do primeiro cartão postal do País. O achado surgiu por acaso "entrei em contato com o museu dos correios, quando descobri que tinha um postal na minha coleção que era dois dias anterior ao que eles falavam que era o mais antigo, então no livro tem a imagem do postal mais antigo do Brasil", se orgulha.

Bondes elétricos, saneamento e grandes obras públicas marcaram o início do século XX nas grandes capitais da região amazônica. Nesse contexto, uma disputa curiosa entre as cidades de Manaus e Belém pelo título de "Paris dos Trópicos", redirecionou a fotografia do 'exótico' para a busca por retratar o 'progresso'.

"A partir daí comecei a pesquisar os álbuns oficiais que eram produzidos pelos governos. Muitas imagens eram feitas dos prédios, das ruas, da evolução, do progresso, e davam esse sentido de progresso também para a vida das pessoas", destaca o pesquisador.

Mas o progresso difundido nos luxuosos álbuns oficiais, como o Grande Álbum do Pará, lançado em 1908, não chegou à maioria da população. Pelo contrário, se restringia à elite formada a partir da economia da borracha. Fato que faz o escritor investigar os paradoxos da ideia de progresso, que para ele é diferente da que se tem hoje.

"No início do século XX, os amazônidas queriam se mostrar como povo 'civilizado', que estava procurando progresso, por meio da mudança de seus hábitos para hábitos europeus e também pela evolução da materialidade", destaca. O progresso buscado na contemporaneidade pelos povos da Amazônia, para Maurício, tem a ver com mudança nas condições de vida. "Hoje nós nos mostramos com nossos usos, costumes, artes, hoje a ideia de progresso é muito mais no sentido de melhoria de vida para as pessoas mesmo".

Com condições muito diferentes das do século passado, a partir das evoluções técnicas e diversificação nas formas de captar imagens, a fotografia segue retratando a vida cotidiana da população que vive ao Norte do país. Segundo Maurício Zouein, a diferença tem sido na perspectiva para o território, uma vez que artistas amazônidas e indígenas têm produzido imagens.

"Gosto muito desse olhar para a Amazônia que não é apenas para o exótico, mas a relação humana com a natureza. A produção fotográfica na Amazônia é uma produção de resistência, encarar a fotografia da Amazônia não é algo que simplesmente se admira, ela se joga sob você", avalia.

Embora entusiasta do novo cenário, alerta para os desafios de produzir imagens em um território em constante disputa. "Não é qualquer um que vive na Amazônia. Sempre vai haver disputa, incoerência, entre quem promove a Amazônia de fora e quem é daqui e quer promover para fora. O que falta é diálogo, é conhecimento da Amazônia e do seu povo", finaliza.

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