"Patativa, o poeta-pássaro de Assaré, soltou-se definitivamente da gaiola do corpo para a liberdade absoluta. Vai o pássaro e fica o seu canto, que será sempre eterno". É assim que começa o texto do professor da Universidade Federal do Ceará e pesquisador Tadeu Feitosa, publicado no Vida&Arte especial de 9 de julho de 2002 em homenagem ao poeta Patativa do Assaré.
Autor de livros como "Patativa do Assaré: A trajetória de um canto" e "Digo e não peço segredo", Tadeu definiu o poeta na ocasião como "tradutor do mundo". "Patativa fez da sua vida seu laboratório da percepção. Ele percebeu o mundo em sua inteireza sem perder a simplicidade de ser simples. (...) Interpretar o social, por conseguinte, significava aplicar a ele as mesmas regras da natureza, generosa e provedora, pura e simples, sábia e igualitária. Se Deus criou o mundo para todos, 'deve cada camponês ter seu pedaço de chão'", seguiu.
A abordagem precisa que o poeta dedicava ao natural e ao social, então destacada pelo pesquisador, é reforçada pela professora e pesquisadora Socorro Pinheiro, da UECE. "A obra de Patativa do Assaré está conectada com a vida de um povo, com suas histórias e saberes ancestrais, entrelaçando o passado e o presente", inicia.
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Entre as características principais dos versos do poeta, Socorro destaca duas: "No plano da forma, a linguagem centrada na oralidade, pois sua poesia foi feita para ser dita. No plano do conteúdo, a temática do sertão, que exerce um intenso protagonismo na expressão de sua exuberância natural, da secura e miséria, dos elementos culturais e ainda de componentes sociais que sua poética anuncia", elenca.
Forma e conteúdo, inclusive, se entrelaçam de maneira precisa na obra do poeta cearense. "A poesia de Patativa do Assaré tem grande importância por trazer um canto coletivo, um olhar para as diferentes formas de vida do povo sertanejo, culturas, tradições, amores, lutas, numa linguagem ora matuta, ora da norma culta", aponta Socorro.
Expressão desse "canto coletivo", a poesia "de reivindicação, de protesto, de justiça social, de liberdade e esperança" de Patativa é uma das mais reconhecidas da obra dele — que traz versos como "Quero um chefe brasileiro, / fiel, firme e justiceiro, / capaz de nos proteger / que do campo até a rua / o povo todo possua / o direito de viver", como cita Socorro.
"Patativa agrega diferentes vertentes temáticas: amorosa, erótica, filosófica, social, ecológica, política e de gracejo. Seja qual for o tema abordado em sua poesia, percebe-se fortemente sua consciência crítica, ética e sensibilidade estética", observa a professora, que avança: "É ainda uma poesia que inquieta e que estabelece comunicação entre as gerações".
Na entrevista do pesquisador Gilmar de Carvalho às Páginas Azuis do O POVO, publicadas em 26 de outubro de 2020, o professor destaca a ressonância geracional da obra do poeta. "Penso que seja importante levar Patativa para as novas gerações. Faz dezoito anos que ele subiu. O tempo pode diluir a memória. Ainda bem que temos o Memorial e uma família que cuida da memória e dos objetos com muito cuidado. Precisamos de Patativa do Assaré, cada vez mais", sentenciou.
No Vida&Arte de 9/7/2002, no especial que ressaltava e repercutia os legados de Patativa do Assaré após a morte do poeta, foi reproduzida a íntegra de uma entrevista feita em março de 1997 pelo repórter Felipe Araújo, na ocasião dos 88 anos do artista. Entre falas sobre política, natureza e balanços da vida, Patativa desvelou memórias poéticas. Confira a seguir trechos de algumas das respostas compartilhadas pelo poeta e, no OP , a íntegra da conversa.
OP - Por que o senhor preferiu não viver da poesia?
Patativa - Porque eu respeito muito o meu dom e por isso eu não quis explorar aquilo que Deus me deu como um privilégio. Eu empreguei minha lira cantando a verdade e a justiça, viu?
OP - Mas o senhor ainda faz poesia hoje?
Patativa - Faço poesia. Só deixarei de fazer poesia quando baixar à cova, viu? Porque a poesia é um dom sagrado.
OP - Os seus poemas ainda se preocupam com os problemas do povo?
Patativa - Sim, não vai resolver, mas pelo menos a gente apresenta.
OP - Mas o senhor acha que um poema como esse ainda é um poema atual?
Patativa - Naturalmente. Reflete sim, viu? Lutar por seus direitos, esse é o dever sagrado de cada um, viu?
OP - De que temas o senhor gosta de falar nas poesias?
Patativa - É política. Olhe, isso aqui tudo é política. Aquela pregação de Jesus Cristo, aquilo é uma política. Não é política partidária, é política da moral, da justiça, do amor. É essa parte que eu quero. Dessa parte que eu gosto, viu?
OP - Eu posso chamar o senhor de professor?
Patativa - Não. Que professor? Que nada. Eu sou apenas um caboclo que tem uma visão assim um pouco penetrante, que Deus me deu, a natureza é caprichosa e fez com que eu soubesse pensar, não é? Refletir as coisas, viu? Mas eu mesmo não me sinto um professor, não. Olhe, nós não somos nada. Vamos procurar ser alguma coisa, viu. É. Nós todos.
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