O Festival Alberto Nepomuceno - FAN vai realizar a partir de agosto uma série de encontros abertos ao público para apreciação de acervos físicos e imateriais do Ceará. O Vida & Arte antecipa a iniciativa com um percurso sugerido de visitas a exposições de artes visuais e bibliotecas públicas em Fortaleza. O mote que norteia o passeio é o de rendas e bordados. É um dos temas nucleares da programação que o FAN inicia mês que vem em Fortaleza.
Um convite para prestar atenção
O Plebeu Gabinete de Leitura guarda uma coleção, feita a mão, de exemplares únicos de livros bordados. Para ler, por exemplo, poetas como Cora Coralina. A gente fica besta de ver! É um bom destino para a caixinha de pontos de exclamação que levamos quando saímos para passear. Vim ao mundo a passeio, brinco. Passear pode ser um modo de prestar atenção. Pois bem, como a própria biblioteca Plebeu (ao entrar, pise macio: lembre-se que você está dentro do sonho da leitora que a vislumbrou), a coleção de livros bordados primeiro foi ideia - desejo. Cintilou na imaginação da Adelaide Gonçalves, professora - pesquisadora que em 2012 tornou pública a nascente de livros que mantinha em casa, levando-a para o Centro de Fortaleza. Adelaide encontrou Alba Alves e Aldina "Didi" Dantas para bordar os livros iniciais. O Plebeu fica no quinto andar da sede da Associação Cearense de Imprensa, pertinho da Praça
do Ferreira.
Do Plebeu ao Centro Cultural do Banco do Nordeste, prefira o caminho pela Praça dos Leões. Sob a parte menos densa da copa das árvores, olhe para o alto: sempre penso em renda vendo a variação da luz filtrada pelas folhas. Frestas de céu. O CCBNB está na edificação que foi o Mercado Central. A partir dos anos de 1970, o velho mercado foi também um labirinto de rendas e bordados. Havia passagens estreitas entre boxes que vendiam de enxovais de noiva a roupas de bebê, fazendo-nos ver mundos brancos e silenciosos, minimizando o ruído ao redor. Era como se atravessássemos caminhos revestidos por travesseiros, um ofertório de acolhida em algodão e cambraia de linho. E pensar que tantas rendeiras perderam a acuidade visual para o trabalho devido ao excesso de vida sacrificada no ofício exercido em condições precárias de existência. Nos altos da entrada do espaço de exposições, o CCBNB tem um painel. O tríptico de Felix Mendes mostra um cruzamento raro de se ver nos terreiros-territórios de fazer renda: labirinteiras ao lado de outras mulheres também fazendo renda, mas em almofadas de bilro.
O labirinto, sabemos, é uma espécie de renda bordada feita com agulha. Faz-se em tecido pré-existente. Daí também o uso da nomenclatura bordado rendado, uma vez que compreendemos a renda como um desenho no vazio. Tem labirinto e renda de bilro na coleção de rendas do Museu Arthur Ramos, ponto três do nosso percurso. O museu guarda também documentação sobre rendeiras, instrumentos de trabalho etc. Fica em Messejana, integrado à Casa José de Alencar e, como o Mauc, faz parte da Universidade Federal do Ceará.
No Benfica, o Mauc é o museu criado como bússola da UFC no campo das artes. Não só para orientar, guiar caminhos, mas abrir passagens, tornar possível a navegação por territórios não conhecidos. Sim, é necessário lembrar que o Mauc era prioridade na gestão inicial, a que criou a UFC. Reunindo mais de 400 obras do acervo, a mostra "Sempre fomos modernos" ocupa todos os espaços expositivos do museu e requer várias visitas. Nosso roteiro, você sabe, sugere prestar atenção nas rendeiras de Raimundo Cela, Flávio Phebo e Aldemir Martins. Uma rendeira de Aldemir Martins inspirou os primeiros desenhos a nanquim de Mario Sanders. Anos antes de vê-las no Mauc, ele viu uma delas reproduzida na enciclopédia Delta Larousse.
Mulher Rendeira, desenho a nanquim sobre papel, de 1981, abre cronologicamente o livro "Correndo o Risco", que reúne parte da produção de desenhos de Mario Sanders até 2018. Publicado em 2019, o livro originou a exposição "1981 2018", em cartaz até sexta, dia 22, na Galeria Leonardo Leal. Exemplares do livro, um deles aberto na página da rendeira inaugural, está na primeira sala da individual "O céu como limite", que Sanders apresenta no Espaço Cultural Unifor até 7 de agosto. Fiz a curadoria da mostra, sobretudo um processo de escuta do artista para mediar o encontro do público com sua obra. Na primeira sala está também o vídeo com imagens caseiras dele próprio bordando, da mãe dele bordando. Dela, Alzira Sanders, sua primeira professora de desenho, fazendo renda, tão aplicada à almofada de bilro quanto o filho ao bastidor de bordar. Os trabalhos bordados são maioria na exposição, técnica que ele incorporou mais recentemente ao seu repertório. Com os gestos iniciais de um artista, chegamos ao fim do nosso roteiro. Fica o convite para você se perguntar o que gostaria de viver na cidade, de ver na cidade. Para também usarmos nossos pontos de interrogação.
Serviço
Todos os espaços têm acesso gratuito e livre para todas as idades
Plebeu Gabinete de Leitura
Onde: rua Floriano Peixoto, 735 - Centro
Centro Cultural Banco do Nordeste
Onde: rua Conde D'Eu, 560 - Centro
Espaço Cultural Unifor
Onde: avenida Washington Soares, 321 - Água Fria
Museu Arthur Ramos, Casa José de Alencar
Onde: avenida Washington Soares, 6055
Museu de Arte da UFC
Onde: Avenida da Universidade, 2854 - Benfica
Memorial do Bordado, Casinha de Cultura Patativa do Assaré, Centro da Juventude
Onde: rua Alberto Ferreira, 564 A - Jardim Iracema
81/18 - Um desenho a nanquim de mulher rendeira, inspirado nas rendeiras de Aldemir Martins, abre o livro "Correndo o Risco - Desenhos 1981 - 2018", que origina a exposição em cartaz até sexta, dia 22.
Onde: Galeria Leonardo Leal (rua Visconde de Mauá, 1515)
Telefone: (85) 3111.5378
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