Há músicas capazes de se tornar símbolos da cultura nacional. De tão impregnadas na mente e coração dos brasileiros, é difícil lembrar quando foram aprendidas, mas as letras permanecem na ponta da língua. Prova disso é pensar: quem não sabe que malandro é malandro e mané é mané?
Nos anos 2000, a malandragem brasileira ganhou tradução nos versos de Bezerra da Silva. Mas, afinal, quem é esse malandro? “o malandro que meu pai apresentou para o Brasil é o malandro inteligente, uma pessoa sábia, culta, que se preocupa com os outros, que estuda a situação. Então toda pessoa que trabalha, estuda, corre atrás e procura viver bem, essa pessoa é intitulada malandra”, explica o filho, e também sambista, Ítalo Bezerra da Silva. Apesar do sobrenome famoso, nas rodas de samba do Rio de Janeiro, ele ganha o codinome de “filho do homem”.
Neste domingo, dia que combina com samba e feijoada, Ítalo estará em Fortaleza comandando o “Tributo a Bezerra da Silva”, com canções que marcaram o samba brasileiro. A roda acontece no Náutico Atlético Cearense, a partir das 13 horas.
Primeiro filho de três filhos, Ítalo teve sua vida atrelada ao samba desde pequeno e foi o único da prole a seguir carreira artística. “Iniciei minha carreira na música com 14 anos de idade, com meu pai me ensinando e quando fiz 16 anos entrei no estúdio para gravar com ele o primeiro vinil, o ‘Esse aí que é o homem’”, relembra.
Estudou bateria, percussão, pôde acompanhar o pai por três décadas e trabalhar com outros nomes da música nacional, como Marcelo D2 e Beth Carvalho. Decorridos dezessete anos desde o falecimento de Bezerra da Silva, ocorrido em 2005, não consegue mensurar o legado do pai na história do samba. “Meu pai, graças a Deus, conseguiu se eternizar no mundo da música com a sua genialidade e dom. Eu estou dando continuidade ao trabalho dele, de uma forma representativa, e tive a feliz ideia de colocar a marca de ‘filho do homem’ justamente para não sentir o peso desse legado”, afirma.
A descoberta como artista capaz de desenvolver trabalho autoral só viria anos depois. Ao lado do músico e parceiro, Jorginho Pereira, tem realizado novos projetos que pretende apresentar ao público já no show de tributo, com três músicas inéditas. “Estou na fase de transição, do trabalho do meu pai para meu lançamento autoral”, define.
Seja cantando a vida de malandros e manés ou que a favela é um problema social, Bezerra da Silva não deixou de tecer críticas sociais contundentes ao sistema político, à corrupção e se posicionar contra as discriminações de classe e raça. Na canção “Eu sou favela”, dá o recado “Sim, mas eu sou favela / Posso falar de cadeira /Minha gente é trabalhadeira / Nunca teve assistência social”.
O mesmo teor crítico e atento à realidade ao seu redor está presente em Ítalo. “Na verdade eu estou dando segmento às mesmas histórias que meu pai cantou, só que numa realidade atual”, diz.
Para ele, parte dos problemas enfrentados pela população suburbana, especialmente a violência, acontece por falta de vontade política. “Não existe investimento em diminuir a violência. Cabe a nós, através da letra, da educação, fazer com que o povo que tá passando por esse momento entenda que a violência não vai nos levar a lugar nenhum”. Em suas letras, têm abordado política e acredita que “não adianta você defender uma bandeira partidária se a situação da população não é boa”.
Outro tema contemporâneo que tem provocado o artista é a intolerância religiosa. A música “Matar em nome de Deus”, interpretada por ele, é inspirada em acontecimentos recentes do País. “Está acontecendo principalmente no Rio de Janeiro, mas também em todo o País, o conflito dos evangélicos com macumbeiros, com a invasão de terreiros e uma enorme falta de entendimento sobre a religião”, opina. “Todos esses temas pertinentes ao cotidiano eu estou muito atento e cada faixa eu estou tirando de um segmento que meu pai deixou”.
Para o Carnaval de 2023, a escola de samba paulista Acadêmicos da Tucuruvi, escolheu o tema “Da Silva, Bezerra. A voz do Povo” como forma de reconhecer as contribuições do mestre do samba à arte brasileira.
Além de homenagens, o show deste domingo marca reencontros. Pela quarta vez em Fortaleza, Ítalo lembra com carinho quando veio à cidade acompanhar o patriarca, à convite do produtor Elton Torres.
“É o primeiro tributo oficial que eu estou fazendo dedicado a ele, justamente na cidade em que ele fez seu primeiro show no Nordeste. Então para mim é uma expectativa muito grande, uma ansiedade, tô muito feliz e confiante. Passa um filme na minha cabeça dos momentos em que convivi com ele e até hoje sinto saudade”, declara.
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Tributo a Bezerra da Silva samba!
Quando: domingo, 31, a partir de 13 horas
Onde: Naútico Atlético Cearense (Av. da Abolição, 2727 – Meireles)
Quanto: R$25
Venda de ingressos no Náutico ou por meio do telefone (85) 99245.4545
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