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Dia do Orgasmo: Ilustrações abordam relação entre corpo e prazer
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Dia do Orgasmo: Ilustrações abordam relação entre corpo e prazer

Em alusão ao Dia do Orgasmo, celebrado neste 31 de julho, artistas refletem sobre a visibilidade da sexualidade dentro de suas obras
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Ilustração feita por Raisa Christina (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Ilustração feita por Raisa Christina

No ano de 1999, redes de sex shop da Inglaterra decidiram estabelecer o dia 31 de julho como o Dia Mundial do Orgasmo. A medida teve como objetivo o aumento de vendas de produtos eróticos e o desenvolvimento de discussões sobre a temática. Mas, afinal, o que é o orgasmo? A sexóloga Mariana Oliveira explica que é o "pico de prazer sentido numa relação sexual", com duração média de 3 a 10 segundos, uma resposta fisiológica desencadeada pelos estímulos adequados. A data, entretanto, também funciona como margem para expandir o debate sobre prazer e investigar as diversas maneiras de senti-lo e, portanto, expressá-lo.

Com especialização em Sexologia Aplicada e Educação Sexual, Mariana indica que o orgasmo não deve ser o “objetivo da relação sexual”. Isso porque a expectativa de resposta direta para este desfecho pode gerar ansiedade e frustração. "É possível ter um bom encontro sexual sem ter orgasmo. O orgasmo não deve ser o foco, mas também não é saudável normalizar a falta frequente dessa resposta, pois ela provavelmente tem alguma causa e também tem consequências", informa. O recomendado é estimular distintos aspectos da sexualidade, aprofundando as experiências com incentivos dos cinco sentidos cotidianos. "Um mito comum é pensar que sexualidade é algo natural, que as pessoas devem nascer sabendo. Não é verdade, a sexualidade humana é multifatorial e envolve sim questões mais instintivas, mas também é uma habilidade que é aprendida ao longo do tempo e que pode ser intencionalmente desenvolvida", discorre.

Mariana indica acompanhar corpos similares nas redes sociais; conhecer artistas visuais e consumir projetos eróticos, que podem transitar por áreas como a literatura. Contos em áudio também podem ser uma opção para despertar a imaginação. "Você precisa criar as imagens na sua mente e pode se conectar mais com o seu corpo nesse processo", detalha. Priorizar o contato físico no cotidiano ajuda a desenvolver intimidade - consigo mesmo e com os outros -, assim como o uso de produtos disponíveis no mercado erótico, a exemplo dos vibradores. "Entram aí diversas possibilidades", sugere a sexóloga.

"A comunicação se faz importante como o caminho para romper com tabus relacionados ao sexo. Alguns temas ainda são, sim, muito difíceis para as pessoas em geral, como falar abertamente sobre masturbação e sobre disfunções sexuais, como o vaginismo e a disfunção erétil", acrescenta a profissional. Neste sentido, ela afirma que as redes sociais possibilitam a divulgação de informações necessárias para a saúde sexual. "O público em geral e muitos profissionais, assim como eu, têm usado esses espaços para promover debates importantes sobre consentimento, feminismo, liberdade sexual, prevenção a violência sexual e também promoção do prazer. Um espaço rico e potente, mas muitas vezes restrito a determinadas bolhas". Em esfera voltada à cultura, artistas utilizam essas plataformas para abordar o assunto com seus próprios trabalhos. Utilizam os escritos, os acordes e os traços para compartilhar percepções sobre os corpos e as tantas dimensões do prazer.

Em entrevista para a reportagem do Vida&Arte, ilustradores dividiram obras que perpassam pela temática e manifestaram inspirações e processos de criação. Entre tantos significados, as ilustrações a seguir também traduzem ideais, desejos e sentimentos que muitas vezes escapam ao físico.

Ilustração de Alice Dote
Ilustração de Alice Dote

Alice Dote

A pesquisadora e artista visual Alice Dote relembra que começou a explorar as figuras humanas durante a pandemia de covid-19. Por meio do "olhar e do traço", o minucioso processo iniciou pelo próprio corpo até se alastrar pelos demais. "Há um componente autobiográfico nesse trabalho que é também e sempre um exercício de ficção. É o que vivi, o que imaginei ter vivido, o que vivi em sonho, o que quero viver. Nessas imagens corporificadas, me reinvento, testemunho um percurso de minhas relações afetivas - das mais duradouras às mais efêmeras -, dou lugar à imaginação - mesmo àquilo que não se sabia desejo -", desenvolve a artista.

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Os exercícios são feitos com diferentes materiais - seja grafite, lápis de cor ou nanquim -, diversas técnicas e em variadas superfícies. Para ela, a produção e partilha desses projetos auxiliaram na criação de uma relação mais íntima com o próprio corpo e geraram uma "crescente consciência da própria sexualidade". Alice direciona atenção para a importância de ter mulheres criando narrativas sobre as próprias experiências, agregando visões reais e que se distanciam de estereótipos. "Por que imagens como essas causam, tantas vezes, desconforto, incômodo, espanto?", indaga. Ela conta que essa inquietação se torna ainda mais perceptível quando mulheres exploram a nudez masculina, e recupera as ocasiões em que teve obras denunciadas no Instagram. "Importa questionar quais imagens - e, portanto, que corpos, que sexualidades, que prazeres - são permitidas e quais são condenadas, o que passa por atos de violência também direcionados a quem as produz". Alice atua desde 2017 na iniciativa "Narrativas Possíveis" (@narrativaspossíveis) e, atualmente, está envolvida em projetos individuais e coletivos. Nos próximos meses, ela participa do festival Concreto em parceria com a artista Raisa Christina.

Ilustração exclusiva para O POVO feita por ARMário
Ilustração exclusiva para O POVO feita por ARMário

ARMário

"Minha linguagem do amor é o toque", "Só hoje eu te desejei várias vezes", "Mergulhar em ti". As frases acompanham as ilustrações de ARMário, comumente delineadas por traços de vermelho, a cor da paixão. Para o ilustrador, que mantém o anonimato, o desenho foi um dos primeiros meios de comunicação. "As ilustrações eróticas me ajudam a expor meus desejos de uma maneira leve", explica.

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A vontade de desenhar e falar por corpos LGBTQIA veio, também, por necessidade de representatividade. "Eu enxergo a arte erótica como um meio de expressão. E, no meio LGBTQIA , é de suma importância estarem explícitas, como uma forma de naturalizar os preconceitos enraizados que muitos ainda guardam. No começo, tive medo de publicar esse tipo de arte, pois redes sociais podem ser bem tóxicas, mas fui recebido por pessoas incríveis que se identificam", defende.

 

Ilustração
Ilustração "Fallen Fruit", de Brunna Mancuso

Brunna Mancuso

Em 2021, a ilustradora e tatuadora Brunna Mancuso iniciou o projeto Wet Vivid Dreams, ao lado da escritora Paula Jacob. "Eram contos eróticos escritos por ela e ilustrados por mim. Foi um projeto que teve vida curta, mas que foi muito significativo", comenta. Em seus riscos, muitas vezes feitos com tinta óleo, aquarela ou guache, a artista busca retratar mulheres que têm - "ou estão desenvolvendo" - boas relações com elas mesmas.

Ela afirma que o ponto de partida costuma vir de uma foto, como referência de pose, mas que tudo começa com o sentimento. Essa autoconfiança, inclusive, é uma questão que ela opta por desenvolver em si mesma. "Acho que qualquer trabalho que retrata uma mulher bem resolvida e dona de si contribui para que a gente se fortaleça e se valorize nos nossos relacionamentos, seja com nós mesmas ou com outros parceiros e parceiras. Acho que o fato de eu retratar mulheres confortáveis em seus corpos, principalmente os fora do 'padrão', é ainda mais importante para a representatividade e a valorização de todas as mulheres, principalmente no sexo, que é um momento de muita entrega e vulnerabilidade", acrescenta. Além desse movimento pontual com os contos, Brunna continua trabalhando com clientes parceiras e com tatuagem para mulheres.

Ilustração do perfil
Ilustração do perfil "Vamo de Dengo"

Patek

"Dengo, melanina e saliência". A biografia do perfil "Vamo, Bê" sintetiza o propósito do projeto. "Se trata de ilustrações eróticas, demonstrando o dengo, o erotismo e sexualidade entre pessoas pretas", explica o idealizador, Patek. O artista trabalha com ilustração há mais de 20 anos, mas começou a divulgar seus trabalhos no campo da ilustração erótica recentemente.

A iniciativa é, também, uma maneira de discutir a ausência de pessoas pretas dentro da arte. "Sempre me incomodou isso. Eu sempre gostei de consumir arte de maneira geral e também arte erótica. Tenho muito livro em casa que costuma sempre ser  aquele mesmo padrão eurocêntrico de pessoas brancas, magras e definidas, e você não vê outros corpos, outras etnias, outras sexualidades", explana. Ele pontua que, desde o início, tem o cuidado de falar sobre sexualidade sem reforçar os estereótipos que costumam ser reproduzidos. "Eu sempre tentei driblar, principalmente mostrando da maneira mais cotidiana possível, com situações do dia-a-dia, fazendo referência de músicas, filmes e memes".

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Ele menciona que, a partir do seu perfil, consegue acessar pessoas de outras realidades e expandir a compreensão das várias maneiras de expressar a sexualidade. "Eu sempre tento trabalhar a sexualidade e o afeto juntos, para que a pessoa não se veja somente como um corpo a ser desejado, mas também um corpo digno de ser amado e de estar ao lado em todos os momentos", sustenta. Os trabalhos de Patek podem ser vistos no Instagram, Twitter, na loja virtual e no portfólio online.

Ilustração
Ilustração

Raisa Christina

Por vezes, os desenhos "tomam as rédeas" do processo criativo da escritora e artista visual Raisa Christina. "O corpo, sem dúvida, é um caminho constante. O corpo da mulher, os desejos que transbordam, o imaginário da sedução, o transe do gozo - são assuntos que estão presentes na minha produção", apresenta. Ela reforça que a "figuração tende a se concentrar nas pessoas" em suas pinturas em tela, desenhos em pastel e em ações como a série "cartografias eróticas". Neles, aponta Raisa, a libido transborda nos detalhes: "nos coágulos de guache, nos vazamentos de aquarela, nas superfícies deslizantes de tinta a óleo, na fricção do grafite sobre o papel rugoso, nas penetrações de uma cor no campo da outra, resultando uma terceira inominável", delineia.

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Com atuação como professora e pesquisadora, Raisa explica que defende uma arte mais justa para as mulheres e, enquanto artista contemporânea, acredita que o papel é quebrar com os tabus que rodeiam os trabalhos femininos. "Desenhar, pintar, performar e escrever são exercícios que me excitam. Acho curioso quando pessoas com quem não tenho proximidade comentam coisas íntimas ao falarem dos meus desenhos. É bonito perceber que, apesar da banalização da imagem, ainda é possível instaurar um universo poético, uma atmosfera quente que pode envolver o outro". A artista pretende desenvolver um projeto para leitura de poemas e prosas poéticas, na companhia de músicos. "A ideia é proporcionar um espaço onde se possa ler para mais pessoas em meio a ambiências sonoras realizadas ao vivo. Nada é mais sensual e poderoso do que a música", confirma.

 

Para ver

Atiradinnhas
@atiradinnhas

As ilustrações do perfil costumam trazer diferentes perfis de pessoas, com cores extravagantes e fontes diversas, para que "todes possam se sentir confortáveis".

Zine Flopes
@zineflopes

O perfil, criado pelo artista Flopes, faz estudos de nu masculino com diferentes materiais e suportes. Nos últimos trabalhos, os desenhos são realizados entre o preto e o branco.

Arte Guilty
@arteguilty

"Tô tão triste que nem um nude me animaria :( Testa aí para ver". Essa é uma das mensagens publicadas pelo Arte Guilty, iniciativa de ilustrações de frases eróticas, ideal para quem deseja enviar um recado direto para o crush.

Desenho Suspirando
@desenhosuspirando

O projeto traz artes eróticas em tons rosas, para rebater a crença de que "rosa não é cor de homem". O perfil também compartilha ilustrações eróticas de personagens como o Coringa.

"Orgasme-se"

Confira abaixo texto escrito pela sexóloga Mariana Oliveira sobre orgasmo feminino: 

"Muito se fala atualmente sobre sexo, prazer, orgasmo. Todo mundo tem que transar muito e ter orgasmos sempre. No caso da mulher os orgasmos devem ser múltiplos, inclusive. Vendo por esse ângulo parece até algo bem simples. Entretanto, convivemos com diversos relatos de violência sexual, relações afetivas fragilizadas, inseguranças intrapessoais, além de compreensões religiosas e familiares negativas sobre sexualidade. Falta de tempo para descanso, autocuidado e contatos de qualidade são constantes. Tudo isso influencia nossa vivência sexual.

Nesse contexto, experienciar sua sexualidade de forma plena e saudável não é uma tarefa simples. Precisamos nos apropriar do nosso corpo, nossas escolhas, preferências e relações. E ao mesmo tempo estabelecer trocas sobre tudo isso com quem nos relacionamos. Tudo isso gera uma equação bem complexa. Preparamos esse guia, com informações, orientações e dicas pensando em te ajudar, caso você sinta dificuldade em chegar lá.

O que é o orgasmo?

O orgasmo é um pico de prazer sentido numa relação sexual. Dura em média de 3 a 10 segundos. Sim, é bem rápido, quase um espirro. Ocorre a partir de uma série de alterações fisiológicas desencadeadas por estímulos sexuais adequados. O orgasmo é o desfecho esperado da resposta sexual que é formada por desejo - excitação - orgasmo. Essas fases se retroalimentam. Se falta desejo, possivelmente excitação e orgasmo ficam prejudicados. Da mesma forma, se a pessoa nunca ou quase nunca chega ao orgasmo é possível que com o tempo ela tenha dificuldade também com desejo e excitação.

Buscar o orgasmo de forma direta e restrita pode trazer ansiedade e frustração. E a ansiedade é inimiga do orgasmo. Para as mulheres, no geral, quanto mais ansiosas estamos, mais distante é a nossa possibilidade de chegar lá. O orgasmo não deve ser o foco, mas também não é saudável normalizar a falta frequente dessa resposta, pois ela provavelmente tem causa e consequência.

O Transtorno do Orgasmo Feminino

Também conhecido como anorgasmia, pode ser definido como uma inibição recorrente (mais de 75% das tentativas) e persistente (durante mais de 6 meses) após uma fase de excitação sexual adequada em termos de intensidade e duração. Em pesquisa realizada pelo Centro de Referência e Especialização em Sexologia (Cresex) do Hospital Pérola Byington, 18% das mulheres entrevistadas afirmaram ter dificuldade para sentir orgasmo.

Compreendendo as causas e consequências da dificuldade

As disfunções sexuais femininas podem ter causas biológicas, químicas e neurológicas. Cabe avaliar se o bloqueio do orgasmo é induzido pelo uso de medicamentos, como antidepressivos ou abuso de álcool e outras drogas, e/ou se há presença de doenças vasculares, neuropáticas, reumatológicas, entre outras. Porém, grande parte tem origem psicológica: depressão, estresse, histórico de abuso sexual, insatisfação com o parceiro(a), traumas, educação sexual repressiva, conflitos religiosos, entre outros

Tradicionalmente o sexo heteronormativo foca na ejaculação/orgasmo masculino. Até pouco tempo atrás o orgasmo feminino além de não ser prioridade, poderia até ser considerado algo indesejável, coisa de “mulher da vida”. Hoje a ideia do orgasmo feminino é buscada e valorizada, mas o sexo em si ainda não mudou muito: falta informação sobre fisiologia sexual feminina e sobre estimulação efetiva do corpo e mente da mulher. Sexo rápido e focado em penetração não é favorável ao prazer feminino.

O que pode te ajudar no seu processo de desenvolvimento sexual

As mulheres que obtêm mais orgasmos, segundo pesquisas acadêmicas, são aquelas que (1) expõem o que lhes agrada, (2) tomam a iniciativa, (3) concentram-se principalmente em si mesmas e (4) orientam a atividade para que possam obter satisfação. Sempre começo os processos de terapia investigando qual o background que aquela pessoa carrega consigo.

Isso serve pra eu conhecer mais sobre o caso, mas também para que a pessoa revisite sua história, faça conexões, tenha insights e experimente a possibilidade de questionar determinadas crenças e a priores. Na terapia, acolhemos os medos, as dores, mas ao mesmo tempo precisamos semear e cultivar a esperança. Ressignificar a própria sexualidade é possível. Atualizar percepções e crenças também".

Podcast Vida&Arte

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