Sair de casa para viver momentos de lazer e alegria e virar alvo de preconceito de gênero ou orientação sexual é um risco em uma sociedade LGBTfóbica. Em julho último, a Associação de Travestis e Mulheres Transexuais do Ceará divulgou nota relatando que pessoas trans foram barradas de utilizar banheiros condizentes com seu gênero em um dos maiores festivais do Estado, a Expocrato. Fato que fez ativistas e internautas questionarem o efetivo acesso e inclusão de pessoas transsexuais e não binárias em espaços de entretenimento.
Na contramão deste cenário, festas e estabelecimentos da Capital têm investido na chamada lista “trans free”, como forma de dar conta da diversidade de gênero e atrair este público para sua programação. “Trans free é uma acessibilidade, no caso uma lista gratuita para pessoas trans, que cabe aos eventos terem ou não”, explica a multiartista travesti Angel History. Ela integra a equipe do Gandaia Produções, um dos pioneiros em adotar a lista em Fortaleza.
E por que o trans free é importante? Em uma população com estimativa de vida de 35 anos, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a empregabilidade é um desafio. “A gente sabe que dentro do mercado de trabalho, as pessoas trans têm uma dificuldade muito grande de se inserir, por conta de documentação e todo o sistema cisgênero mesmo, que é muito transfóbico. Então essa é uma contrapartida que eventos produzidos por pessoas LGBT’s oferecem”, explica Angel.
Em maio, Gloria Groove se apresentou no Centro de Eventos do Ceará, com cerca de sete mil pessoas na plateia, e 70 ingressos foram distribuídos sem custo para pessoas transsexuais e não binárias. “Foi a primeira vez de um grande show com a lista. O show da Pabllo Vittar (em outubro) também vai ter a lista, então é um começo, é uma grande produtora que deu o pontapé inicial. Então eu espero, sim, que as outras produções vejam isso, mesmo já tendo levado alguns ‘nãos’, a gente tem conquistado alguns espaços, mas a gente precisa galgar mais”, comemora Angel.
Mais do que simplesmente distribuir ingressos, deve existir uma logística para garantir que o espaço acolha a comunidade. "A gente precisa ter um treinamento com a equipe na hora do atendimento para ninguém errar o pronome de ninguém, ninguém ser transfóbico”, declara.
Dos seguranças às equipes de atendimento, todos são treinados para evitar casos de transfobia, como relata a produtora. “Nós sempre perguntamos como a pessoa quer ser chamada, mesmo estando com o RG dela em mãos”, detalha.
Desde maio de 2021, a lei estadual Nº 17.480 determinou a fixação de placas em estabelecimentos públicos ou privados contra a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero no Ceará. O objetivo da legislação é evitar casos de preconceito nesses espaços.
No checklist da festa Mirage, marcada para o próximo dia 13 de agosto, está a lista trans free. A medida é regra nos eventos promovidos pela produtora Farol Musical, como explica Duda Quinderé, sócia, produtora e DJ da Mirage.
“É uma ação afirmativa de inclusão de pessoas T em espaços culturais, mesmo quando não podem custear o ingresso. É um movimento que vem acontecendo em grandes festivais do Brasil e nós adotamos a mesma política em nossas festas por entender a importância desse movimento na cena da nossa cidade”, explica.
A ação tem levado mais pessoas trans e não binárias para edições da festa e Duda compartilha a preparação necessária para ter um ambiente seguro, onde seja possível se divertir sem constrangimentos. “A equipe de portaria é preparada para receber os adotantes da lista pelo Nome Social, apenas. O documento oficial com foto só é necessário para a comprovação das doses de vacina e idade’, explana. “Não queremos constranger pessoas não retificadas. Esse é um exemplo de orientação que damos à nossa equipe, a fim de garantir a segurança e bem-estar de todos dentro da festa”.
No público, na produção e nos palcos, a inclusão tem que ser palavra de ordem. O objetivo é ir além do chamado “pink money”, ou seja, a exploração do poder de compra da comunidade, muitas vezes cooptado por empresas sem real compromisso com a causa. “Não é só chamar várias pessoas trans para ‘pagar’ de LGBT, é preciso perguntar se está contratando pessoas trans, empregando elas”, opina Angel.
Para além do lazer, a artista destaca a criação de pontes entre pessoas trans a partir dessa ação. “Toda vez que abro uma lista conheço novas pessoas trans e a gente vai criando essa rede de apoio, eu acho que trans free é muito importante, que todos os eventos deveriam ter e ser acessíveis”. Para ela, a modalidade representa o futuro. “Fico muito feliz de poder, dentro do meu trabalho de cantora e artista, poder dar essa contrapartida para as pessoas trans do Ceará, porque é uma coisa que eu lutei muito”, finaliza.
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui
Onde tem lista trans free?
Gandaia Produções
Destinada a travestis, não binárias, homens e mulheres trans, pessoas de gênero fluido, agêneros, intersexo, entre outres. A lista trans free é divulgada pelo Instagram dias antes do evento, acompanhe stories e feed do
@gandaiaclub e @angel.history. É obrigatório
ser maior de idade, deixar nome social e email para contato.
Festa Mirage
A lista tem quantidade limitada de ingressos. Ela permanece aberta até esgotar as vagas ou até 4 horas que antecedem a abertura da festa (o que acontecer primeiro). Acompanhe no instagram
@festamirage
Festa Crioula
"A Crioula é LGBTQ, é ginga, é suor, axé, gente preta e amor". Nela, a lista trans free é anunciada no Instagram @festacrioula, vale conferir.
Charme 2000
Na festa Charme 2000, a lista trans free é um direito de pessoas trans. Normalmente é destinado 5% da capacidade do local da festa, para entrar pela trans free ela precisa ser um pessoas trans, travesti ou não-binarie. Acompanhe no Instagram @charmedoismil
Miss Pop Angel
Fãs de pop internacional podem aproveitar a festa Miss Pop Angel com o melhor do gênero, dos mais "cringes" aos atuais. Selena Gomez, Miley Cirus, Demi Lovato e Charli XCX estão na playlist. A lista é anunciada no Instagram
@misspopangel
Coletivo Clubber 1992
Multiartistas de Fortaleza integram o coletivo Clubber 1992 para fomentar a música eletrônica. A proposta é de festa underground e para todes. Para saber mais e entrar pela lista trans free, acompanhe os perfis @dezenovenovedois e
@nandi085 no Instagram.