Caetano Emanoel Viana Teles Veloso, baiano de Santo Amaro da Purificação, nasceu a 7 de agosto de 1942. Filho de Dona Canô e seu Zezinho, um funcionário dos Correios da Bahia. Era o quinto de um grupo de sete irmãos. Fã de João Gilberto, foi impactado pelo guru da bossa nova quando ouviu o clássico álbum "Chega de Saudade". Com o tempo, vieram outras influências, como Beatles, Riachão, Jorge Ben, Roberto Carlos e Joni Mitchel. Em sua cabeça, um caldeirão de sons, imagens e movimentos o fizeram um dos artistas mais instigantes do Brasil, com uma obra vasta, plural, popular, sofisticada e imprescindível.
O cantor, compositor, músico, cineasta, jornalista, ensaísta e pensador brasileiro completa neste domingo, 7, seus 80 anos. Lúcido, articulado e polemista, ele continua sua criação artística com o mesmo desejo de soar contemporâneo, atemporal, brasileiro, universal, sem amarras com regras mercadológicas e, ainda assim, radiofônico. Para comemorar seu aniversário, o Vida&Arte promove um passeio por uma série de efemérides de sua discografia, ao mesmo tempo em que ele alcança oito décadas de vida. Com uma obra que mistura a história do Brasil, do mundo e do autor, relembre histórias presentes em tantas canções.
Transa
Marco absoluto da obra de Caetano Veloso, "Transa" foi lançado em 1972, mesmo ano em que ele pode voltar ao Brasil depois de três anos de exílio em Londres. Embora nunca tenha cogitado firmar residência e carreira definitiva na Inglaterra, o baiano dividiu seu disco em faixas em inglês e português. Além do projeto gráfico, que transforma a capa do disco num objeto de montar (um "discobjeto", como ele definiu), o álbum conta com violões de Jards Macalé, gaita de Angela Rorô e discretos vocais de Gal Costa, que estava sempre por lá visitando os amigos. Um ano antes, ele foi "convidado" pelo governo militar a compor uma música exaltando a Transamazônica, o que foi cuidadosamente recusado. Da homenagem à rodovia ficaram só as duas primeiras sílabas.
Barra 69
O primeiro registro ao vivo de Caetano foi gravado em 1969, mas ficou engavetado por três anos por causa da censura. O show dividido com Gilberto Gil no Teatro Castro Alves (Salvador) marcou a despedida deles antes do exílio. A gravação é muito precária, até mesmo pros padrões da época. Como curiosidade, eles são acompanhados no palco por uma jovem banda de rock chamada The Leif's, que contava com Pepeu e Jorginho Gomes.
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Chico e Caetano juntos
Há 50 anos ocorria um encontro histórico entre dois nomes da MPB perseguidos pela censura militar. Havia um rumor de desavença entre eles, por Chico ser mais ligado à tradição da música nacional do que o tropicalista baiano. Além disso, sempre houve uma cobrança para que Caetano fosse mais explícito politicamente, como Chico, por exemplo. Essa disputa foi esquecida no Teatro Castro Alves. Embora ainda não apresentem nenhuma parceria, eles se misturam nas próprias obras em duetos e solos. Na cantiga de amigo "Bárbara", eles se transformam em duas amantes vivendo um amor quente. Mas a ditadura implicou com o verso "mergulhar no poço escuro de nós duas" e mandou cortar de qualquer jeito. O corte ficou registrado como retrato da caretice vigente. Ao longo de tantas décadas, Chico e Caetano assinaram pouquíssimas parcerias. Tem o samba "Vai levando"; "Pagodespell", co-assinada por João Bosco; e "Como um samba de adeus", homenagem a Tom Jobim feita a pedido de Gal Costa.
Bicho
Os anos 1970 foram prolíficos em criação, parcerias e embates. Passado o experimental "Araçá azul" (1973), que bateu recorde de devolução às lojas, ele voltou parafraseando os Beatles em "Qualquer coisa" (1975). Teve o encontro da turma baiana no show "Doces bárbaros" e, em 1977, "Bicho", álbum que traz na capa um desenho do próprio Caetano. Entre as marcas do disco estão as muitas homenagens: "O Leãozinho", feita para Dadi Carvalho, baixista (do signo de Leão) da banda A Cor do Som; "Tigresa", para Zezé Motta (embora muitos tenham atribuído à estrela do espetáculo "Hair", Sônia Braga); Nicinha, sua irmã mais velha (falecida em 2011), que encerra o disco em "Alguém cantando"; Jorge Ben, um dos seus gurus musicais e compositor de "Olha o menino"; e toda a lista de citados na letra de "Gente". Para o lançamento, Caetano criou um show com a Banda Black Rio, que acabou não funcionando e tendo vida curta.
Cores, nomes
Um ano antes de completar 40 anos, Caetano gravou com uma das suas maiores inspirações: João Gilberto. O álbum "Brasil", que também contou com as presenças de Gilberto Gil e Maria Bethânia, rendeu a Caetano o Prêmio Vinicius de Moraes e melhor cantor. Como se não bastasse, ele receberia outra célebre homenagem em 1982: os versos de "Sina", de Djavan, que falam em "caetanear o que há de bom". Surpreso e emocionado, Caetano retribuiu chamando o alagoano para um dividir esta mesma faixa em seu novo disco, "Cores, nomes" - retribuindo com o verbo "djavanear". Outro convidado do disco é Moreno Veloso, com 9 anos, para co-assinar e cantar "Um canto de afoxé para o bloco do Ilê". Ainda no disco, ignorando as opiniões que tratava-se de um compositor brega, Caetano fez uma versão acústica de "Sonhos", de Peninha - de quem também gravaria "Sozinho". Por fim, foi neste ano que ele conheceu uma jovem atriz de 13 anos, que encenava "Capitães de Areia", de Jorge Amado, e teve um breve namoro com seu parceiro Vinícius Cantuária. Era Paula Lavigne.
Caetano
Nos anos 1980, a música pop brasileira tinha duas vertentes: de um lado o rock, com suas guitarras e sintetizadores; do outro a música afro-baiana, que ganharia o nome de axé music. Curiosamente, em 1986, o RPM incluiu "London London", de Caetano, em seu show e foi um estouro tão grande que obrigou a banda a gravar um apressado disco ao vivo. No ano seguinte, o disco "Caetano" sintetiza o pop e a baianidade, com muitas percussões e teclados. Já sendo um artista internacional, ele sai misturando muitas referências, como Arto Lindsay (autor da pergunta "Eu sou neguinha?"). Nessa época, ele incluiu em sua banda o elétrico percussionista Antonio Carlos Santos de Freitas, que logo ficaria conhecido como Carlinhos Brown.
Circuladô vivo
Primeiro disco duplo solo de Caetano é fruto da turnê do álbum "Circuladô de Fulô". Com olhar cosmopolita, o álbum produzido por Arto Lindsay traz uma análise do Brasil naqueles anos de Collor de Mello, por exemplo, em "Fora da Ordem" e "O cu do mundo". O presidente, inclusive, chegou a convidar o compositor para um encontro, mas ficou sem resposta. A turnê "Circuladô Vivo" foi um sucesso que passou por muitas capitais, incluindo Fortaleza com um show gratuito no Parque do Cocó. O olhar multicultural e cosmopolita se reflete no repertório que inclui Michael Jackson, Carlos Gardel, Carmem Miranda e Bob Dylan.
Livro
Não bastasse toda a obra musical, Caetano também tem sua produção literária. Em 1997, ele lança "Verdade tropical", livro em que ele vai além da autobiografia para traçar uma análise política e cultural do Brasil e do mundo. Além de reunir suas letras de música, ele também tem "O mundo não é chato" (Cia. Das Letras), uma reunião de artigos para revistas e jornais, prefácios e textos escritos para outras mídias. Reeditado em diversas línguas, "Verdade tropical" se complementa com o disco lançado no mesmo ano, batizado de "Livro".
Eu não peço desculpas
Filho do holocausto e profeta do "Kaos", Jorge Mautner se aproximou de Caetano nos anos 1970, quando o baiano morava em Londres. Na terra da rainha, Mautner convida Caetano, Gil e outros que estavam por ali para filmar "O Demiurgo", obra apresentada como "uma fábula-musical-chanchada-filosófica que retrata muita coisa, em primeiro lugar, a saudade do Brasil". O filme, apontado por Glauber Rocha como "o melhor filme de e sobre o exílio" é uma experiência autoral (pra não dizer maluquice) que acabou censurada. De qualquer forma, a amizade ficou e eles seguiram próximos por muitas décadas. Apesar disso, eles só haviam composto juntos uma vez e, em 1972. "Eu não peço desculpas" marca a primeira parceria deles depois de 30 anos.
Abraçaço
Difícil encontrar algum caminho musical que Caetano Veloso não tenha experimentado. Teve o início na bossa nova, as marchas de carnaval, as influências psicodélicas, a fase pop dos anos 1980, o flerte com a o axé music nos 1990. Em 2006, ele anunciou mais uma experiência, dessa vez com a estética do rock alternativo. Ele reuniu um trio de baixo, bateria e guitarra e iniciou uma trilogia que buscava encaixar três estilos dentro dessa sonoridade. O início, no álbum "Cê", é um "estudo" sobre o rock. Em "Zii e Ziê" (2009) explorava o samba. Pra encerrar, "Abraçaço" (2012) subvertia a ideia da bossa nova.
Ivete, Gil e Caetano
Ao longo dos anos, Caetano tornou-se figura fácil em shows especiais, trilhas de filmes e novelas da Rede Globo. Mas nem sempre foi assim. Foi num festival da Globo que Caetano foi vaiado enquanto apresentava "É proibido proibir". Com a adesão da TV ao regime militar, as relações ficaram estremecidas até o fim dos anos 1970, quando o verso "Sem lenço, sem documento" deu nome a uma novela de Mário Prata. Com o fim do regime, a maior emissora do País resolve se redimir com dois importantes artistas e leva ao ar a série "Chico&Caetano". Num clima de muita espontaneidade, eles cantam, conversam e recebem nomes como Mercedes Sosa, RPM, Astor Piazzolla e Cazuza. O especial de 2012, que reuniu Ivete Sangalo, Gilberto Gil e Caetano tentou roçar essa espontaneidade, mas os tempos são outros e tudo é mais calculado pra não haver erro.
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