Um homem desconhecido está em um antigo bar de São Paulo e entrará em breve em um avião para se mudar. Ele não tem certeza se deve viajar, mas conversa com um homem solitário, chamado Theo B., que teve uma trajetória parecida com a dele. A figura misteriosa, que mais parece precisar de alguém para conversar, conta uma história que transformou sua vida. Assim começa o livro "A ilha e o espelho", do escritor, fotógrafo e doutor em Direito, Fausto Panicacci.
No relato, o personagem-narrador lembra do período em que passou em Cambridge, uma cidade inglesa em que nada de grandioso acontecia. Ele residiu na região por causa de uma exigência de seu trabalho. No escritório de advocacia em que trabalhava, ocorreram muitos problemas. Por isso, precisou ficar alguns meses recluso enquanto atendia às demandas da empresa à distância. "As primeiras ideias para o livro surgiram quando eu morava em Cambridge, na Inglaterra. Eu tinha por lá excelentes amigos, companheiros de muitas viagens, mas passava também bastante tempo sozinho, caminhando pela cidade", explica o autor.
Naquele lugar estrangeiro, Theo B. começou a frequentar um pub, onde conheceu as pessoas que se tornariam seus melhores amigos. Apesar do início da narrativa ser autocentrada e focada nos problemas do próprio protagonista, a situação se modifica a partir do momento em que ele se relaciona mais intimamente com outras pessoas. "Dispus-me a contar uma história em que o narrador-personagem, no início voltado apenas para seus próprios problemas, fosse pouco a pouco ampliando sua forma de ver o mundo e de enxergar as outras pessoas", indica.
O primeiro ponto de conexão entre o brasileiro e o seu grupo de amigo se deu ao acaso: ele é confundido com Lucca, um professor de fotografia. Por isso, os dois são introduzidos. Depois disso, aparecem outros personagens importantes, como Lily, Stella, Halil e Joe. Com personalidades distintas, os seis se conectam por causa da reflexões sobre a existência humana, das indignações com o mundo e das perspectivas sobre a vida. Mas as cinco pessoas que se relacionam com Theo B. despertam nele a curiosidade sobre o universo que lhe rodeia por motivos distintos.
"A construção dos personagens não é um processo linear, nem igual para todos eles. De alguns personagens eu já tinha uma ideia bem definida quando comecei a escrever os primeiros capítulos, enquanto outros foram surgindo e se modificando ao longo da escrita. Busco identificar quais os dramas daquele personagem, o que ele mais deseja, o que mais teme, que palavras definem sua natureza e seus anseios, e vou a fundo nessas questões", ressalta Fausto Panicacci.
Durante a trajetória do protagonista, ele precisa encarar situações que expõem as contradições da humanidade. Na cidade em que está morando, por exemplo, uma pessoa que não teve a identidade revelada aos moradores começa a bater em homens que agrediram suas parceiras. Ele também é confrontado com os dilemas da crise dos refugiados por causa das guerras, as consequências da xenofobia em um país europeu e o aumento da poluição por parte de grandes empresas.
Para o escritor, colocar questões que dialogam com a realidade do mundo atual é importante para que os leitores possam refletir sobre os desastres que ocorrem de forma cotidiana. "Embora sejam questões sempre presentes no noticiário, não raras vezes são vistas como distantes ou alheias. Olhar para o outro, para seus dramas, é uma forma de nos compreendermos enquanto seres humanos e enquanto sociedade. Em que tipo de sociedade queremos viver? Numa sociedade em que os demais sejam invisíveis, descartáveis, desvalidos? Certamente não. Mas olhar para o outro e para seus dramas pode ser perturbador, porque revela muito do que somos", reflete.
Mesmo com todas as ponderações sobre a humanidade, "A ilha e o espelho" também é uma homenagem à amizade. "O livro traz um elogio à amizade - e felizmente fui agraciado, ao longo da vida, com muitos amigos -, aventuras, encontros e desencontros amorosos e questões sociais da atualidade", comenta o escritor. Na dedicatória, ainda escreve: "esse livro é dedicado aos amigos".
Apesar de ser uma história de ficção, a obra tem elementos autobiográficos, porque algumas vivências pessoais do autor lhe inspiraram no processo de escrita. Assim como o personagem principal, Fausto Panicacci também viveu um período em Cambridge, além de ser advogado e fotógrafo. "Sou promotor de Justiça há mais de 20 anos, e alguns dos temas que aparecem no livro, como violência contra as mulheres e danos ao meio ambiente, fazem parte do meu dia a dia no trabalho, pois infelizmente são problemas muito presentes em nosso País. A fotografia é uma de minhas paixões, e sempre fui fascinado por seu poder de comunicação, como um meio que pode ser ao mesmo tempo arte e informação. Não à toa, no livro, os personagens são unidos pela fotografia", elucida.
No enredo, o grupo de amigos também passa por algumas regiões que foram visitadas pelo escritor durante sua vida. "O livro coloca os personagens em alguns locais pelos quais passei (há viagens de moto pelo interior da Inglaterra e pela Toscana, por exemplo), e traz episódios muito dramáticos, como a visita de dois personagens ao campo de concentração de Auschwitz, provavelmente o lugar mais tenebroso que já conheci", diz.
Projetos futuros
"A ilha e o espelho" foi lançado recentemente pela Maquinaria Editorial, mas Fausto Panicacci já está no processo de escrita de outra ficção literária. Agora, ele deixa a Inglaterra para trás e foca no Brasil. "A história se passa inteiramente no Brasil, envolve uma viagem pelo interior de alguns estados e revisita vários momentos de nossa história", adianta. De acordo com ele, não é um romance histórico, porque ocorre em um tempo incerto, mas há reflexões sobre o processo de formação da sociedade.
"A Ilha e o Espelho", de Fausto Panicacci
Maquinaria Editorial
304 páginas
Preço médio: R$59,90 (e-book: R$39,90)
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui