Logo O POVO+
Dia dos Pais: a complexidade da paternidade na era digital
Vida & Arte

Dia dos Pais: a complexidade da paternidade na era digital

Neste Dia dos Pais, o V&A aborda a paternidade a partir das redes sociais. Dentro do espaço virtual, pais e filhos compartilham distintas fases
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
O jornalista Diego Gregório e a filha, Valéria Agnes

 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS O jornalista Diego Gregório e a filha, Valéria Agnes

O jornalista e escritor Diego Gregório se descobriu pai ao mesmo passo em que realizava a transição entre a adolescência e a maioridade. Ainda era um "menino" por volta dos 16 anos quando recebeu a filha, Valéria Agnes, na realidade que seria compartilhada entre os dois. Em meio à surpresa, pai e filha seguem construindo novas histórias e algumas dessas memórias podem ser encontradas nas redes sociais do jornalista. "Nós crescemos juntos, aprendemos a não sentir culpa, a não sentir medo e achar que somos a bússola um do outro nesse mundo tão diferente do nosso", diz uma das publicações.

O movimento é natural para Diego que, como comunicador, utiliza os espaços digitais para compartilhar sua rotina e seus trabalhos. A esfera virtual se tornou uma direção comum para aqueles que vivenciam a paternidade em tempos modernos, entre as lentes das câmeras dos aparelhos telefônicos e as tarefas do cotidiano. "É muito legal estar nas redes sociais e ter mais de 30 anos de idade. O meu público não é adolescente, já me segue há muito tempo. Eu adoro estar na internet e dizer que sou pai, jornalista, gay e posso me divertir. Também sou tendência, também sou conectado", conta Gregório. A jovem de 20 anos, porém, não demonstra tanta afinidade com o meio. "Essa é uma grande diferença entre nós. Meu pai gosta de ser ativo nas redes sociais e trabalha com isso. Eu sou mais 'low profile'. Então, apesar de gostar, sou bem menos ativa e é bem menos importante para mim, mas ele está sempre estimulando a postar mais", destaca Valéria.

Eles, entretanto, encontram outras semelhanças. Ambos gostam de arte e consideram a música, a poesia e o cinema como alguns dos principais elos. "Com o passar dos anos nos aproximamos ainda mais, confidenciamos muita coisa um com o outro e acredito que essa seja uma qualidade incrível. Meu pai lê bastante e escreve muito bem, está sempre me dando livros incríveis desde pequena. Lembro das palavras dele: "Filha, os livros são os bens mais preciosos", e realmente são. Várias das bandas que eu escuto hoje ele escutava também, assim como os filmes que amo, então temos várias coisas em comum exatamente por ser referências que tirei dele ao crescer", relembra a filha.

Em outra configuração, o artista digital e fotógrafo Igor Dantas compreende novos hábitos ao lado do pequeno Miguel, de três anos. O primogênito está no início do processo de adaptação para os primeiros anos da vida escolar, em uma fase repleta de saltos e experimentações. "Eu digo que o Miguel é curioso, exigente, decidido, sabe desde sempre o que quer. Gosta de música, de desenhar", caracteriza o fotógrafo. A maioria dos interesses são documentados em imagens, tendo em vista que é um universo habitual de Igor e da esposa, a artista visual e fotógrafa Rafa Eleutério, com quem desenvolveu a empresa Voir Imagem. "Ele sempre gostou muito de fotografar, já sabe ligar a câmera. A gente fotografa ele o tempo inteiro, cada passo que ele dá eu marco de alguma forma", relata Igor.

Os cliques acabam ganhando destaque nas redes sociais do artista, domínio considerado "pessoal" e de certas "transições" que envolvem recortes da vida real, assim como dicas de edição e tratamento de imagens, por exemplo. No geral, os assuntos mixam temas que possam estar ligados ao universo da Voir. Seja em um cenário com uma proposta criativa ou em um registro da sala de casa, o fotógrafo vem fortalecendo seu espaço no meio digital. "Estou aprendendo a cada dia. Trabalho com isso há anos, acompanhei muitas influenciadoras, mas eu sempre estive no backstage. Apesar da necessidade de me mostrar como artista, com imagens, não é fácil, internamente é uma batalha. Na minha visão, ainda quero chegar em um nível de constância de publicações em que eu possa falar aquilo que eu desejo, até vender. Hoje tenho um olhar mais para edição, fotografia, moda e a paternidade, que eu acabo trazendo naturalmente", explica Igor.

Artista visual e fotógrafo Igor Dantas com o filho Miguel
Artista visual e fotógrafo Igor Dantas com o filho Miguel (Foto: Arquivo pessoal)

Após a ansiedade do início da gravidez e a empolgação dos primeiros meses do filho, a família ultrapassou em conjunto o período mais crítico da pandemia e busca priorizar o tempo de qualidade juntos. "Eu acredito que fiz muitas escolhas. Eu queria muito ficar com o Miguel desde que ele nasceu, cada vez fiz menos trabalhos externos. Eu quis manter muito contato com ele durante o dia-a-dia e sempre direcionei os trabalhos para ficar mais tempo com ele", complementa o fotógrafo.

Os influenciadores Rafael César e Luke Vidal com Kauan
Os influenciadores Rafael César e Luke Vidal com Kauan

Diversidade

O casal de influenciadores Luke Vidal e Rafael César decidiram investir no YouTube em 2017, com o canal "Mundo de Nós Dois", que logo foi renomeado como "Mundo de Nós Três" após a chegada do filho Kauan, em março de 2020. "Sempre foi um sonho ter um filho. Em 2019 a gente falou que ia entrar na fila de adoção em 2020 e deu tudo certo. Existem várias formas de um casal homoafetivo ter filhos, como a barriga solidária. A gente queria, se fosse adoção, que fosse tardia", lembra Luke. A criança já está com oito anos e costuma ser sucesso quando aparece para os seguidores dos pais, que somam mais de 230 mil inscritos na plataforma de vídeos, além do Instagram e TikTok.

"A gente teve um receio de expor ele nas redes sociais, mas ele que queria. Quando tem uma câmera apontada para ele, ele já ama. A gente sempre incentiva ele, e grava vídeos tornou ele uma criança mais comunicativa, com uma autoestima elevada, mais leve e feliz", pontua Rafael. A exposição, acrescenta o casal, pode causar medo pelas possíveis agressões, verbais ou físicas. "Mas não nos impediu de expor nossa cara e falar que nossa família também existe, é real, e a gente não vai se esconder por conta do preconceito".

No dia 2 de agosto, a família ganhou repercussão na web depois de Kauan aparecer com as unhas pintadas de vermelho e amarelo. "A gente olhou pelo lado positivo, que as pessoas tiveram a aceitação que ele é apenas uma criança com um esmalte. Ele precisa experienciar essa liberdade com coisas que não são maléficas. A gente falou com ele sobre o preconceito que ele poderia sofrer e disse para não abaixar a cabeça", conta Luke. Os pais acreditam que compartilhar suas vidas na internet, desde os momentos mais simples até os conteúdos mais elaborados, é uma forma de "naturalizar" famílias diversas: "Mostrar que é uma família como qualquer outra, que tem suas tristezas, suas alegrias, seus perrengues, através do humor, de um entretenimento leve”.

Encontro entre gerações

"Essa geração é digital", sintetiza o psicólogo Rômulo Araújo. Os pais, de acordo com o profissional, devem buscar entender mais do âmbito virtual para evitar as possíveis violações cibernéticas. "Para quem tem filho adolescente, eu falo do vínculo, da proximidade, que abre espaço para entender o que o meu filho está vendo na internet. O vínculo é tão interessante porque ele é diálogo mas também é afeto. É abraço, é olhar".

Essa ligação é benéfica para os pais no sentido em que também ajuda a diminuir os níveis de estresse e burnout, além de auxiliar na estruturação familiar. "As gerações estão mudando, os adolescentes de hoje são muito mais protagonistas do que nas gerações passadas. Quando eu tenho pai e filho com sensação de pertencimento, eu tenho como influir positivamente na educação do meu filho e positivamente na minha paternidade", acrescenta.

Jornalista Clóvis Holanda com as filhas, Laura e Valentina
Jornalista Clóvis Holanda com as filhas, Laura e Valentina

Ritmos diferentes

“Sempre que me permito compartilhar nas redes sociais uma foto ou vídeo menos formal, se exercitando ou mesmo me divertindo com amigos, recebo um "puxão de orelha" da minha filha mais velha, pré-adolescente. Seja por esperar de mim uma postura mais formal ou mesmo achar fora de contexto um "quarentão" experimentar uma linguagem de jovens, ela sempre deixa claro seu incômodo. Pede que eu feche o conteúdo, restrinja a amigos íntimos, retire seguidores, enfim.

Na última vez, postei um vídeo ao som da recém-lançada "Acorda Pedrinho" e ela veio dizer que usei uma música "cansada", que já estava sendo usada "há bem duas semanas". E eu, espantado, questionei: "E duas semanas já deixa uma música velha?". E ela: "ah pai, essa todo mundo já usou". Não tem jeito, a forma de lidar com essas ferramentas jamais será a mesma entre quem viu a Internet nascer num mundo até então analógico e aqueles que já tiveram seus nascimentos postados desde a sala de parto. Os ritmos e a forma de ver o mundo são diferentes e isso está para além da diferença geracional, tem a ver com a relação dessa turma com as novas tecnologias.

O bom é que, discutindo sobre o que é ou não legal postar, nós pais temos mais uma excelente oportunidade de orientar os filhos sobre os riscos e as oportunidades que a web oferece, já que diferente de nós, eles ainda não têm a maturidade que só as experiências no mundo real nos ensinam. Filha, posto essa foto?”.

Ponto de vista escrito pelo jornalista Clóvis Holanda, pai de Laura e Valentina.

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

O que você achou desse conteúdo?