Embora até o ano de 2020 seus documentos indicassem isso, a cantora e compositora Adna Oliveira não se enxergava como uma mulher sexagenária. No início da pandemia, quando sua filha passou a fazer compras para evitar que ela se contaminasse com a Covid-19, percebeu que fazia parte do chamado "grupo de risco" da doença. No período, pôde se dedicar mais à arte, sua paixão até então irrealizada e, no ano passado, criou o projeto "Mulher de 60", que conquistou uma das vagas do Laboratório de Música da Escola Porto Iracema das Artes.
Para cantar o tesão, a paixão e a vivacidade de uma mulher idosa, a artista realiza o show "Mulher de 60" nesta quarta-feira, 17, no Cineteatro São Luiz, a partir das 19h. Para todas as idades, a apresentação pretende expandir o debate sobre os padrões comportamentais e desconstruir o preconceito com o envelhecimento no cenário artístico e cultural. Além de Adna como protagonista, o show conta com participação das artistas Ayla Lemos e Roberta Caia, e dos convidados especiais Apa Silvino, Carú Lina e Maria Antonia.
Mulher preta de uma família de baixa renda, Adna passou parte da vida em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, até retornar para Fortaleza, onde vive há 32 anos. Criada em um seio familiar religioso, enfrentou a rigidez dos pais e o conservadorismo da ditadura militar, contextos que a fizeram questionar padrões sociais impostos às mulheres. Como se autodefine, foi uma filha "que deu dor de cabeça para a mãe", por não seguir as normas comportamentais vigentes.
"Fui uma adolescente que não se conformava de morar num bairro pobre, sem estrutura nenhuma, nem de esgoto, nem de energia, nem transporte público, não tínhamos nada", relata. "Eu quis brigar muito pra sair dali de dentro e aí eu tive que trabalhar para conseguir furar a bolha em que eu vivia", relembra Adna.
Os ônibus que saíam do subúrbio da Baixada Fluminense até o Centro do Rio transportavam uma jovem esperançosa, que mais tarde se descobriria artista. Um dos sonhos era o de se formar na faculdade, que Adna tentaria anos depois, em 2002, sem conseguir finalizar. "Parei porque adoeci", lamenta.
Apesar de nunca ter escondido o amor pela arte, em especial a música, ela só teria espaço em sua vida anos mais tarde. Enquanto isso, soltava a voz em casamentos de amigas e em momentos de distração, com talento notado por todos.
"Antes, na luta pela sobrevivência, não tive como me dedicar à arte. Tive quatro filhos e três relacionamentos", diz. Depois dos cinquenta anos e com os filhos adultos, a música entrou de vez para a rotina. Para correr atrás do sonho, o primeiro movimento foi participar do coletivo de teatro feminista "Arremate".
Mas a carreira recém-iniciada enfrentaria mais um obstáculo em 2020, com o isolamento social. "Isso bateu tão forte na minha cabeça e aí um dia, quando estava começando a sair um pouco depois do lockdown, quando eu já ia ao supermercado, me olhei no espelho e achei meu olhar tão caído", rememora.
O episódio serviu como gatilho criativo e, em agosto de 2020, ainda em isolamento, compartilhou um vídeo recitando o monólogo autoral, que recebeu o título de "Eu, o tempo e o espelho do banheiro".
"Eu acho que envelhecer é tão triste/porque a gente não se reconhece no espelho/ como a gente era antes/ na época da alegria", inicia um dos vídeos. A performance fala do envelhecer, das percepções sobre as mudanças no corpo, no humor e sobre o passar do tempo.
Hoje com 65 anos, Adna discorda da visão de que mulheres idosas devem se restringir a ficar em casa, se dedicando aos cuidados com os netos e afazeres domésticos. A cantora atribui ao patriarcado, estrutura social de favorecimento de homens, a visão do envelhecimento feminino como algo negativo, em vez de natural.
"Ele interfere em todas as áreas e fases de nós mulheres e esse momento de envelhecimento é uma delas", afirma. "Um homem de cabelos grisalhos é um charme, com mais de 50 ou 60 namorando, se relacionando com pessoas mais novas é sinal de aplauso, de orgulho, enquanto que nós mulheres temos a tendência de pintar o cabelo pra não parecer sem cuidado", exemplifica.
Ter um ciclo de amigos com maioria de jovens sempre foi algo presente na vida da artista. "Sempre consegui conviver com a faixa etária mais nova, me recebem bem, então nunca parei para pensar na idade como essa coisa que paralisa".
Na Escola Porto Iracema, pôde se aprofundar na técnica musical e ter contato com grandes artistas. Uma delas a cantora e compositora Assucena Assucena, tutora do "Mulher de 60". "Nesse percurso de sete meses, tive a grata satisfação do nosso encontro, eu e a Assucena. Ela me convidou inclusive para compor música em parceria, eu fiquei honrada", revela. A música ainda não tem data para sair, mas já tem nome: "Sexagenária", escolha da tutora.
"Mulher de 60" no Cineteatro São Luiz
Quando: Quarta, 17, às 19h00
Onde: Cineteatro São Luiz - Rua Major Facundo, 500, Fortaleza - Ceará
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)
Ingressos na bilheteria do São Luiz ou no site Sympla (www.sympla.com.br)
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