A última vez que o fotógrafo paulistano Boris Kossoy esteve em Fortaleza foi no ano de 1972. À época, ele fotografava a sua série de "Cartões Anti-postais", um projeto que tinha como objetivo funcionar como uma crítica aos clichês de paisagens sempre presentes nos cartões postais e fazer oposição ao ideal de beleza ufanista sustentado durante a ditadura militar.
Com um sorriso no rosto, Boris demonstra satisfação ao falar sobre o convite do Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) para uma exposição. Na última quarta-feira, após 50 anos, ele pisou novamente em solo cearense para inaugurar "Estranhamento", uma mostra com mais de 90 fotografias— algumas inéditas —que ficará disponível no equipamento fortalezense a partir deste sábado, 20, até o dia 20 de novembro.
O fotógrafo possui um histórico internacional de exposições em centros de arte como o Museum of Modern Art (NY), a Bibliothèque Nationale (Paris), o Centro de la Imagen (México DF), dentre outros; mas, desta vez, resolveu aceitar o Nordeste como o ponto de partida de seu retorno após quase uma década sem expor. "Ficaram sabendo lá em São Paulo sobre esse convite para a exposição e vieram me perguntar se seria no Museu de Arte de São Paulo, o Masp. Quando falei que seria em Fortaleza, acharam um absurdo. As pessoas ficam surpresas quando a arte foge do eixo Sudeste", conta.
Não ironicamente, o paulistano cita uma série de iniciativas que enriqueceram a cena cultural no Ceará e o recolocaram no patamar de centro de arte importante para o País, como a reinauguração de equipamentos como o Complexo Cultural Estação das Artes Belchior e o Museu da Imagem e do Som (MIS-CE). Até mesmo o próprio Museu da Fotografia Fortaleza, segundo Boris, é "de dar inveja" em muitas instalações de museus Brasil afora. A partir desta crítica, ele engata também o principal propósito e mensagem de sua mostra: o incômodo. Boris tem sede de provocação cultural e demonstra isso em seus trabalhos, sempre embebidos nas influências do realismo mágico dos escritores argentino Julio Cortázar e mexicano Gabriel García Márquez (Gabo). Para Kossoy, o realismo fantástico sempre esteve presente em sua obra como um fio condutor, seu elo estético; ele perambulou por outras áreas, mas sempre volta à sua alma mater.
Somado a isso, o cinema e o teatro possuem parcela expressiva de pertencimento a suas fotografias, sobretudo na série "Viagem pelo Fantástico", de 1970, que foi umas das pioneiras na América Latina a estrear o que hoje chamamos de fotolivro. Contudo, Kossoy prefere chamá-lo de livro de contos, pois a série, mais atual do que nunca, conta histórias que exploram a encenação, o estranho e o cotidiano — o último que adiciona essa pitada de paradoxo às demais características, trazendo consigo a sensação de desconforto ao olhar do observador.
"Existe nas fotos uma busca para chamar a atenção das pessoas para a banalidade do cotidiano. Tudo começou com a imagem 'Surpresa na Estrada', que mostra bem a realidade junto a algo que está fora de contexto", explica. Já no contexto da pandemia de Covid-19, Boris apresenta ao público o "Doutor Peste", personagem da fotografia que abre a exposição no MFF e que foi feita dois anos antes da chegada do coronavírus. Como uma espécie de premonição, o fotógrafo exemplifica como o seu trabalho nunca deixa de ser atual.
Diógenes Moura assina a curadoria da mostra em uma parceria que pode ser chamada de histórica. Conforme Moura, o fotógrafo consegue conectar imagens dentro de uma mesma linha, como se uma fosse a continuidade da outra. "Ele tem uma segurança no olhar, algo que é muito difícil de se construir. Ele é um fotógrafo que preza pela vivência própria e insere isso em seu trabalho", assegura Diógenes. O curador explica que, por causa da clareza na obra de Boris, é possível visualizar perfeitamente um roteiro para a exposição, que começa com a série "Viagem pelo Fantástico", passa para "Cartões Anti-postais", segue para uma série de hotéis, vai para as imagens de bosques e parques, fotos de ruas de cidades do mundo inteiro e finaliza na vida secreta dos objetos.
Quem é Boris Kossoy
Boris Kossoy é um fotógrafo, teórico e historiador da fotografia. Natural de São Paulo, cursou Arquitetura na Universidade Mackenzie e Ciências Sociais na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Atua como professor livre-docente e titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Na área institucional, foi diretor do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (1980-1983) e diretor da divisão de pesquisas do Centro Cultural São Paulo (1995-1997). Como pensador e pesquisador, seus trabalhos mais conhecidos são focados na história da fotografia no Brasil e na América Latina, nos estudos teóricos da expressão fotográfica e, na aplicação da iconografia como fonte de pesquisas nas ciências humanas e sociais.
Sessão de autógrafos
A programação conta com sessão de autógrafos dos livros de Boris Kossoy e Diógenes Moura:
"O Encanto de Narciso: Reflexões sobre a Fotografia" (Boris Kossoy)
No livro, Kossoy percorre a natureza própria e ilimitada da fotografia enquanto forma de expressão, produto social e cultural.
"Viagem pelo Fantástico Revisitando Viagem pelo Fantástico" (Boris Kossoy)
Edição comemorativa pelos 50 anos do livro "Viagem pelo Fantástico", uma narrativa a partir de dez sequências fotográficas onde Kossoy combina o uso do suspense, do trágico, da angústia e da fatalidade com o fantástico que capta em cenas da realidade cotidiana.
"Trilogia teórica de Boris Kossoy: Realidades e Ficções na Trama Fotográfica"
Primeira obra da trilogia de Kossoy, traz reflexões sobre os mecanismos mentais que regem a representação e a interpretação da fotografia.
"Fotografia & História"
O livro traz princípios de investigação e uma metodologia de análise crítica das fontes fotográficas.
"Os Tempos Da Fotografia: o Efêmero e o Perpétuo"
A obra reúne textos sobre história, imprensa e memória, em que a fotografia é tanto fonte de pesquisa quanto objeto de estudo.
"Vazão 10.8 - A última gota de morfina (Diógenes Moura)"
Em seu primeiro romance autoficcional, Diógenes Moura narra os dias e as noites ao lado de sua única irmã, vítima de um câncer fulminante.
Estranhamento Fotografias de Boris Kossoy
Onde: Museu da Fotografia de Fortaleza (Rua Frederico Borges, 545 - Varjota)
Quando: sábado, 20 de agosto, a partir das 10 horas
Conversa com Boris Kossoy e Diógenes Moura e sessão de autógrafos: das 12 horas às 13 horas
Período de Exposição: de terça a domingo, das 12 horas às 17 horas, do dia 20 de agosto ao dia 20 de novembro
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