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Neuroarquitetura: conceito busca estimular o bem-estar por meio dos ambientes
Vida & Arte

Neuroarquitetura: conceito busca estimular o bem-estar por meio dos ambientes

Com proposta de unir elementos criativos e sustentáveis em ambientes, o conceito de neuroarquitetura vem ganhando espaço no mercado brasileiro. Projetos visam o bem-estar dos usuários, conheça:
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Janelas altas em projetos arquitetônicos buscam trazer sensação de amplitude. Sala de estar desenvolvida pela Estar Urbano (Foto: Divulgação/Estar Urbano)
Foto: Divulgação/Estar Urbano Janelas altas em projetos arquitetônicos buscam trazer sensação de amplitude. Sala de estar desenvolvida pela Estar Urbano

Oque acontece quando unimos neurociência e arquitetura? A ideia foi concretizada no ano de 2003, em San Diego, na Califórnia, a partir da criação da Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA). O conceito, então, ficou definido como neuroarquitetura, o estudo de como o ambiente impacta a qualidade física e mental dos usuários. "É uma abordagem que vem trazendo a pauta de utilizar a arquitetura como ferramenta de bem-estar", explica a arquiteta Liana Feingold, idealizadora da iniciativa Estar Urbano.

A nomenclatura ganhou popularidade nos últimos anos, porém a ideia vem sendo realizada de maneira intuitiva por décadas. Liana, por exemplo, conheceu o conceito antes de conhecer o termo técnico. "Meu primeiro contato foi com uma disciplina na faculdade que se chamava Psicologia Ambiental. Sem dúvida, foi algo que me despertou para além da funcionalidade que os ambientes precisam traduzir para esses cotidianos. A psicologia traz como uma importante observação o olhar do que é perceptível ou não", detalha. Após a introdução, ela traçou sua carreira dentro do intuito de trazer "criatividade, solução e possibilidades" para as pessoas. "Acho que a arquitetura não é o fim, ela é uma ferramenta que a gente utiliza para viabilizar o bem-estar, para que esses ambientes construídos deixem de ser simples espaços para se tornarem lugares".

Assim, a neuroarquitetura é organizada simultaneamente em três eixos: cognitivo, sensorial e comportamental. O conteúdo também perpassa por princípios da sustentabilidade e pluralidade. "Uma possível diferença no ato de projetar é o entendimento prévio do conceito de que nós não construímos para habitar, nós construímos na medida em que habitamos. A gente vem trazendo os significados, memórias e intenções do habitar. É um processo de construção, não é um produto final", complementa. Para Liana, a neuroarquitetura traz percepções de "co-criação e co-construção", propondo elos de interação do espaço: "A gente traz fortemente um conceito de experiência, entre o pensar e o fazer".

Estas ligações podem acontecer durante o desenvolvimento do projeto inicial, como na integração de linhas horizontais nos espaços, assim como na fase de decoração. O uso de plantas, aromas e luzes podem ser benéficos. "É importante que a gente entenda que essa vivência é individual e que, às vezes, não é um artifício. A experiência é um conjunto de elementos", menciona a arquiteta. Esses itens podem variar de acordo com o perfil dos usuários, levando em consideração características como idade e condições de saúde. "No Estar Urbano a gente tem esse cuidado. Embora a gente tenha a percepção de totalidade do ambiente, a gente busca um cuidado de totalidade da experiência em cada micro ambiente".

Nesse sentido, a neuroarquitetura também traz o conceito de "docilidade ambiental", que se sustenta nas observações de como um ambiente pode ser convidativo. "Reúne a psicologia, a antropologia, a medicina, a arquitetura. Conecta todo o entendimento desses circuitos que se dão a partir de conectividades, da interação do indivíduo com o mundo, com ele mesmo, ele sendo uma parte desse todo. Isso pode ser consciente ou inconsciente", afirma. A arquiteta Lara Holanda, que tem especialização em ambientes residenciais, destaca que a temática auxilia no protagonismo das pessoas dentro dos lugares.

"Com a ajuda da ciência, isso pode ser comprovado e estudado a fundo, mostrando a importância de colocar as pessoas em primeiro lugar. Pensar nas sensações que eles trazem e nas atividades que serão realizadas naqueles locais", enumera a profissional. Lara considera, ainda, que "um bom projeto" baseado na neuroarquitetura respeita a individualidade dos usuários e possui "grande possibilidade" de melhorar a qualidade de vida. "Para isso é preciso se aproximar do cliente e conversar abertamente sobre suas necessidades, qual a sua rotina. É um mercado em crescimento, a cada estudo há mais inúmeras descobertas", projeta a arquiteta.

Dicas práticas

A arquiteta Lara Holanda compartilha algumas ideias práticas para inserir elementos da neuroarquitetura nos ambientes cotidianos, como a casa ou o escritório. Ela afirma, entretanto, que a principal sugestão para ter uma "mudança efetiva" nos ambientes é ampliar a própria identidade. "Muitas vezes, os clientes querem muito utilizar elementos da moda, que acabam descaracterizando", explica. Confira exemplos a seguir:

01) A profissional explica que, mesmo com reformas recorrentes, é importante "trazer algo que remeta à sua história". Itens que estejam ligados a momentos passados ou a familiares, por exemplo, podem trazer sensação de conforto.

02) O uso da psicologia das cores também é recomendado. Na teoria, o estudo aponta que cada cor gera um efeito diferente nas pessoas, afetando diretamente as emoções. Iluminações que simulem o ritmo circadiano podem ajudar quem
tem insônia.

03) "Pode ajudar bastante no bem-estar a utilização de plantas ou flores naturais", indica Lara. A presença do verde dentro de casa pode auxiliar, inclusive, na melhoria da qualidade do ar. Nos últimos tempos, vem se popularizando o uso de ramos de eucalipto no chuveiro. A composição com o vapor da água quente libera o eucaliptol, que pode beneficiar a respiração.

04) Aromatizantes e sons tranquilos também são boa pedida. Os aspectos podem ser integrados de maneiras simples, como o uso de velas e óleos essenciais. Para o som, plataformas de vídeo e áudio oferecem playlists exclusivas para tranquilizar.

Priscilla Bencke, da NeuroArq Academy
Priscilla Bencke, da NeuroArq Academy

"Nova forma de enxergar o mundo"

Em 2019, as arquitetas Gabi Sartori e Priscilla Bencke desenvolveram a Academia Brasileira de Neurociência e Arquitetura (NeuroArq Academy). Inspiradas por experiências internacionais, elas decidiram investir na área e capacitar profissionais brasileiros que possam trabalhar com propostas multidisciplinares.

A Academia propõe atuação em quatro pilares: eventos, conteúdo digital, comunidade e produtos/serviços. O objetivo, de acordo com as profissionais, é incentivar a criação de ambientes mais humanos que estimulem a qualidade de vida dos usuários. Em entrevista ao O POVO, elas detalham o desenvolvimento da iniciativa e projetam o futuro do mercado:

O POVO: Como surgiu a ideia da criação da Academia Brasileira de Neurociência e Arquitetura? Como aconteceu o desenvolvimento do projeto?

Gabi Sartori: O que aconteceu, na verdade, foi um movimento muito orgânico porque a gente tinha ido pro exterior estudar mais a respeito, então estávamos muito tocadas com todo o potencial que esse conhecimento teria na nossa área. Quando você mergulha nesse assunto você muda completamente a forma de enxergar o mundo e, inclusive, o seu papel como profissional. Voltando ao Brasil, como a Pri é de Porto Alegre e eu sou de São Paulo, cada uma estava envolvida na sua área, mas a gente sempre manteve o contato. Eu comecei a fazer alguns tipos de experimentos com alguns equipamentos que eu tinha trazido da viagem e a Pri também estava fazendo os experimentos lá em Porto Alegre. A gente começou a trocar muito, até que veio a ideia que a gente precisava dividir isso com mais pessoas. De uma forma muito espontânea, resolvemos fazer um evento, uma conferência no assunto, que aconteceu em 2019 com alguns contatos nossos. Para a nossa surpresa foi um sucesso. Nessa data, a gente já estava estruturando o curso que a gente fundou a Academia Brasileira de Neurociência e Arquitetura, que veio já de um projeto piloto que a Pri estava comandando em carreira solo.Foi algo muito orgânico, porém muito genuíno, baseado nos nossos valores e na potência de transformação que a gente estava vivendo.

OP: Qual é a proposta da Academia Brasileira de Neurociência e Arquitetura?

Gabi: Nosso principal objetivo é capacitar os profissionais da área de projetos, disseminar o conhecimento e ter como resultado final a transformação do espaço e, por consequência, a transformação das pessoas que habitam esses ambientes.

OP: Quais são os projetos que vocês desenvolvem dentro da Academia?

Gabi: Hoje nós temos cursos de capacitação, em dois tipos de formatação. Um em formato menor e outro num formato de formação continuada, que já é um curso de longa duração, com 180 horas. Nossas iniciativas sempre estão capacitando os profissionais, dando base de conhecimento e elevando o nível de consciência. Como outra frente a gente tem os nossos eventos, as conferências que já acontecem desde 2019. Em 2020 e 2021 elas se tornaram eventos internacionais, com a participação de profissionais dedicados à área de várias regiões do mundo. A gente também trabalha muito com consultorias para empresas.

OP: Qual é a relevância da neuroarquitetura dentro do mercado brasileiro? Como vocês enxergam o futuro dessa área no Brasil?

Priscilla Bencke: A gente percebe um desenvolvimento muito forte desse assunto, especialmente nesses últimos três anos. Esse termo se popularizou muito no Brasil e muitas das pessoas chegam até nós com outras necessidades que não é só “o que é isso?”. Têm um conhecimento básico e querem, de fato, desenvolver essa área. A gente vê um futuro muito interessante de oportunidades dentro dessa área. Quem não é arquiteto ou designer também se deu conta da importância dos ambientes e o impacto deles na nossa vida. Acho que vai ser cada vez mais necessário que os profissionais se posicionem com essa nova forma de fazer projeto, envolvendo as áreas de comportamento humano e desenvolvendo um trabalho multidisciplinar.

Capa do livro
Capa do livro "A Alma dos Lugares"

Na estante

"Os Olhos da Pele: A Arquitetura e os Sentidos"

O arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa foi diretor do Museu de Arquitetura da Finlândia entre 1978 e 1983, deixando alguns dos seus ensinamentos no livro "Os Olhos da Pele: A Arquitetura e os Sentidos" (2011). A obra traz a percepção sensorial das edificações, com críticas à arquitetura que foca apenas na visão. Os textos propõem a construção de novos projetos com base em formatos multissensoriais.

Disponível na Amazon a partir de R$ 47,22.

"A Alma dos Lugares"

O psicólogo e pesquisador em Neurociência Colin Ellard explica como os lugares comuns - casa, local de trabalho, cidade e natureza - afetam o cérebro e corpo humano. Ao decorrer do livro lançado em 2018, o autor detalha sobre como o meio tem influência decisiva em padrões comportamentais, como as nossas emoções e respostas físicas.

Disponível na Amazon a partir de R$ 504

"Neuroarquitetura"

Escrito pelo arquiteto e urbanista Lorí Crízel, uma das referências nacionais da Neuroarquitetura, a publicação sintetiza 20 anos de pesquisa do autor. Declarado por Lorí como o primeiro livro sobre a temática no Brasil, o produto apresenta conceitos técnicos e práticos da vertente.

Disponível na Amazon a partir de R$ 139

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