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Túlio Paracampos: o prazer de estar vivo
Vida & Arte

Túlio Paracampos: o prazer de estar vivo

Em artigo, pesquisadora e socióloga da arte Kadma Marques analise conceitos, características e domínios da obra do artista Túlio Paracampos
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Obra
Foto: divulgação Obra "Súmula" (2021), de Túlio Paracampos (Cerâmica oxidada verde cromo, 270 x 270 cm)

Inspirar, expirar... Tocar a simplicidade no coração da vida. Sentir o cheiro de terra molhada. Perceber a umidade do chão sob os pés descalços e a aspereza da matéria que a mão afaga. Unir o firmamento acima da cabeça à natureza admiravelmente pulsante que envolve cada corpo humano. Aliar-se ao vento, à luz e ao tempo que passa e transforma todas as coisas. Ser um em si particular e reconhecer-se universal com o mundo... Reunidos, esses elementos atravessam e estruturam a obra de Túlio Paracampos.

Condição primordial, estar vivo implica também descobrir-se em situação de tensão permanente, na busca deliberada de sentidos e propósitos. Como definir tal estado? Como expressá-lo na arte? Embora crucial, não basta ao artista a urgência de converter tais inquietações em problemas artísticos. Afinal, as obras supõem públicos. Mas como despertar sentidos letárgicos, submersos em um sono profundamente cego de tanto ver? Em resposta, ele emprega em sua produção o repertório visual/tátil de imagens que moldaram o seu como um olhar de trânsito: entre design, arquitetura, pintura, desenho, gravura, cerâmica. Desses domínios o artista extrai formas cujo desafio é o de configurar ambiências e temporalidades. Essas dimensões se reforçam como em um abraço, mas também potencializam materiais, técnicas e valores formais.

Delicado é o equilíbrio que sustenta toda a dinâmica do universo elaborado por Túlio Paracampos. Seu abstracionismo pacientemente cultivado manifesta vínculos com certa “cultura da forma” moderna. Em seu cerne, ensejam-se articulações depuradas entre conceito, intuição e emoção, conformando um pensamento criativo que se assemelha à lógica compositiva associativo-visual do mosaico.

Em obras como SÚMULA, natureza e cultura intercambiam conteúdos formais apreendidos pela sensibilidade do artista. Nesse caso, as transformações da matéria pela oxidação são acompanhadas, provocadas ou simuladas, gerando uma peça compacta, mas articulada, cuja finalidade acha-se despida da noção de utilidade. Para tanto, Túlio Paracampos não exibe as formas como elas foram persistentemente vistas, mas como as sente. Um olhar de síntese, experimental e geometrizante, que compreende o emprego dos efeitos de luz. Por isso, o artista semeia diversas fontes luminosas, provocando o prazer perceptivo de um jogo de alternâncias entre materiais, consistências, volumes, estruturas e texturas.

Entre escultura e instalação, LENTE GAMELA P/ SOL E P/ LUA dá título a uma obra que coloca em relação materialidades naturais, convertidas em recursos plásticos. Em um plano mais amplo, a passagem entre madeira e cerâmica dá testemunho do desejo do artista de aproximar naturezas heterogêneas. As trocas que se estabelecem entre ambas fazem-nas ultrapassar o estado silente que habita seu cerne. O conjunto configura a condição natural da matéria em composição plenamente viva, cuja ação acha-se virtualizada pelo olhar do artista e de seu público.

No cenário dessa economia de formas escultóricas, o silêncio e o vazio engendram elos estruturais que provocam tanto a memória do tempo ancestral constitutivo da matéria, quanto do ciclo curto dado pela alternância do dia e da noite. Em uma espécie de comunhão, a madeira (forma coletada) e a argila feita cerâmica (forma moldada) induzem a uma espécie de olhar tátil. No âmbito do público, esse olhar se compraz em aventurar-se com aquele do artista em sobrevoo por texturas monumentalizadas de modo complementar.

Desse modo, Túlio Paracampos apresenta-se como um herdeiro da dupla vertente da arte moderna da qual emerge o abstracionismo em escultura no século XX – aquela de base gestual-tátil e a do conceito geometrizado, do particular corporificado e das formas que aspiram à universalidade. Nesse ponto de autoconsciência da trajetória realizada, ele compartilha com o público o percurso feito. Suas obras revelam então uma caminhada que se percebe, aprende, experimenta, refaz percursos, inventa trilhas ao sabor de cada novo passo, provocando apreciações do trabalho exibido, mas também de seus possíveis desdobramentos formais, por meio da sensibilização para a relação entre cultura e natureza.

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