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Dia da Visibilidade Lésbica: artistas falam de sexualidade, arte e política
Vida & Arte

Dia da Visibilidade Lésbica: artistas falam de sexualidade, arte e política

| VISIBILIDADE | Nesta dia 29 de agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, artistas de diferentes gerações falam sobre ser mulher lésbica na arte e suas visões sobre o cenário nacional
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Letícia Abreu, integrante do grupo musical Tambores de Safo:
Foto: Fernanda Barros Letícia Abreu, integrante do grupo musical Tambores de Safo: "Arte é política e nutrição de vida. Mais que só um direito fundamental, é expressão de vida e de movimento".

Em um domingo, 7 de agosto, centenas de pessoas se reuniram na Beira Mar, em Fortaleza, para a primeira Parada pela Diversidade Sexual desde o início da pandemia. À frente dos trios elétricos, estava um grupo menor, mas não menos animado. Na percussão e nos microfones, o coletivo "Tambores de Safo" criava sua própria festa, em um misto de confraternização e afirmação política. Nas histórias das artistas e ativistas lésbicas, Letícia Abreu, 28, integrante do Tambores, e da diretora e professora de teatro, Herê Aquino, 64, a arte se entrelaça com a luta política, dando-lhe ritmo e forma.

Na vida de Letícia, que também é advogada, a iniciação musical veio junto com a organização coletiva. Em 2017, ela participou pela primeira vez de uma oficina de percussão promovida pelo grupo Tambores de Safo e se deparou com acolhimento, aprendizado e conexão que a fizeram entrar de vez no coletivo no ano de 2019. Desde então, aprendeu a tocar Xequerê e participa ativamente da organização, tanto na música quantos nos debates e mobilizações, compondo o grupo formado por outras dez pessoas.

"A arte é política e nutrição de vida. Mais que só um direito fundamental, é expressão de vida e de movimento. Construir processos políticos e artísticos conjuntamente é a principal forma de nós, Tambores de Safo, existirmos", fala sobre o grupo. "Nossas letras, instrumentos e performances dizem muito sobre nossas visões de mundo e sobre nossas vivências", completa.

A busca por referências foi um dos primeiros passos. "Sempre tive diversas referências em mulheres pretas, LGBTs, de diversos padrões, até mesmo porque quando você também é uma pessoa fora da curva esperada pela sociedade, você busca outras semelhantes pra se fortalecer e inspirar", conta.

Aos 28 anos, ela vê a juventude como uma potência para mudanças sociais e avalia que a sociedade tem avançado no que diz respeito à autoafirmação. "Apesar da crescida que o conservadorismo teve nos últimos anos, também estamos conseguindo avançar com relação a autoafirmação e luta coletiva contra formas de opressão e exploração que sempre nos afetaram", aponta.

No coletivo, Letícia contribuiu para a criação do Bloco "Cola Velcro", iniciativa que nasceu para promover um ambiente para pessoas LGBTQIAP curtirem o carnaval com segurança. Desde o início, o Bloco é acompanhado por movimentos feministas e de batuqueiros de Fortaleza.

"Estar cercada de pessoas negras, LGBTQIAP , artistas multilinguagens e dos mais diversos perfis é engrandecedor e mostra pra nós mesmas o quanto somos importantes para o mundo e para as mudanças sociais que almejamos", defende. 

Definindo-se como "artivista", em uma união das palavras artistas e ativista, entende a mobilização social como forma de superar o momento atual do País, o qual classifica como "autoritário". "Não só na cultura, mas em diversas áreas temos perdido direitos sociais fundamentais para uma vida digna. O não incentivo à cultura popular é uma ferramenta de controle e cerceamento das nossas mais diversas expressões de vida e saberes", opina.

Filha de preso político da ditadura militar, Herê Aquino guarda na memória a lembrança do pai sequestrado e torturado. "Eu acredito que essas experiências nos acompanham, de alguma forma, em nossa maneira de ver e viver a vida e a arte. Elas nos ajudam a perceber a história não somente como fatos descritos nos livros e de certa forma distanciados de nós, mas como fatos que nos atingem diretamente e nos fazem ou não sujeitos da história", declara.

"Quando comecei a fazer teatro em 1990, não lembro dessas discussões no meio artístico, mas muita coisa mudou de lá pra cá" diz Herê, sobre os debates de gênero e orientação sexual no campo cultural. Ela avalia que hoje os artistas estão mais atentos às questões sociais e políticas do que no passado.

Para Herê, ser lésbica e fazer teatro é sinônimo de representatividade, embora defenda que isso não é suficiente. "A representatividade só é demarcada quando há percepção e consciência da necessidade da luta política e coletiva por esse espaço", argumenta.

Com mais de três décadas de carreira, a diretora continua entusiasta das novidades. "Minha carreira vem sendo construída há 32 anos, mas parece que está sempre começando. E isso é uma coisa maravilhosa, já que esse começar permanece com o frescor da curiosidade, da descoberta, do aprendizado e do encontro com os outros que estão sempre trazendo novos olhares e possibilidades para a arte", diz.

No momento, dirige espetáculos do Grupo Expressões Humanas e mais recente tem se empenhado em outras iniciativas. "Hoje meu trabalho conversa com vários grupos do Estado e esse intercâmbio gera investigações muito ricas para o fazer teatral e para o meu olhar sobre a vida.

Atenta à política contemporânea, Aquino classifica o cenário do País como "delicado" e vislumbra mudanças com um novo quadro político. "Claro que não basta esperar ou somente votar. Nós artistas, mulheres, lésbicas e cidadãs deste país temos que estar organizadas para as lutas que são muitas", alerta.

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