Quando Maria Bethânia se apresenta, algo de indecifrável acontece. Nos poucos passos que separam o palco da plateia, ela deixa de ser uma pessoa comum para se tornar uma cantora que chama a atenção de qualquer um que esteja presente.
Em suas performances que se assemelham a um espetáculo teatral, permite-se ser livre. Talvez por causa dessa transformação, mesmo com as mais de cinco décadas de carreira, os brasileiros ainda tenham a impressão de que não conhecem a cantora baiana. Há uma energia de mistério que percorre seu nome apesar dos longos anos de carreira.
"Nem eu decifro muitos momentos meus. Tem acontecimentos em mim, na pessoa que sou, que eu não decifro", diz Bethânia no documentário "Maria, ninguém sabe quem sou eu", dirigido pelo jornalista Carlos Jardim. O longa-metragem, que chega nesta quinta-feira, 1º de setembro, nos cinemas brasileiros, propõe uma visão mais intimista sobre uma das mais importantes artistas do Brasil.
Na produção audiovisual, a cantora fala sobre si por mais de uma hora. O que importa, neste trabalho, é a própria Maria Bethânia. Sua forma de conversar, a maneira que expressa seus sentimentos por gestos e a entonação de sua voz a depender do contexto são centrais na narrativa.
"Existem filmes muito bonitos sobre Bethânia. Geralmente os documentários, todos muito bons e informativos, têm pessoas falando sobre a artista. E eu sentia falta de ouvir apenas a Bethânia falando. Queria que a artista falasse, que fosse somente a Bethânia pela Bethânia. Fiz o convite a ela, que achou interessante e topou. No filme, a gente entende o processo criativo dela, como ela faz as escolhas dela, porque ela é Maria Bethânia", explica o diretor.
No conteúdo, é possível acompanhar imagens de arquivo de seus shows e ensaios. Há poucas fotografias, que costumam ser vinculadas à voz da atriz Fernanda Montenegro. Ela narra textos sobre a cantora que foram escritos por pessoas importantes, como Nelson Motta, Caio Fernando Abreu (1948 - 1996) e Ferreira Gullar (1930 - 2016), Fauzi Arap (1938 - 2013) e Reynaldo Jardim (1926 - 2011).
"Quando a Bethânia fez 70 anos em 2016, convidei a Fernanda Montenegro para um projeto que fiz sobre ela. Para mim, pareceu bem natural fazer o convite de novo. É um luxo fazer um documentário com Maria Bethânia e Fernanda Montenegro juntas. Para os textos, procurei pessoas respeitadas para mostrar outros olhares sobre a criação de Bethânia e para ajudar a ter a dimensão da importância dela", ressalta Carlos Jardim.
Durante a conversa, a cantora aborda temas variados, como o processo criativo, os sentimentos de estar no palco, os momentos importantes do passado, a religiosidade, a relação com a mãe, as parcerias musicais e o impacto do irmão, Caetano Veloso, em sua vida.
"Eu não sou estrela, nem abelha, nem rainha, eu sou nada disso. Sou uma pessoa, com erros e acertos, e tenho uma voz que Deus me deu. Isso que é sagrado e tem uma diferença. É o que me faz merecer esses cumprimentos, essas reverências, é a voz que Deus me deu. O grande sinal de Deus em mim é minha voz", ela reflete no documentário.
Fã da cantora desde a adolescência, o jornalista afirma que o principal objetivo do filme é alcançar outros admiradores da obra de Maria Bethânia. "O padre, quando reza a missa, sabe que os fiéis vão lhe acompanhar. Eu sei que os fãs já conhecem muito bem a Bethânia. Mas minha pretensão é mostrar o que eles podem não conhecer, como imagens de ensaio e interpretações dela. Também quero que eles possam sentar e apreciar um longo depoimento dela. Mas acho que um sonho que tenho é que as pessoas que não são tão fãs assim, ao fim do filme, entendam a inteligência dela e a maneira como ela conduz a carreira. Para mim, não existe ninguém no cenário cultural brasileiro que tenha uma narrativa tão precisa quando Maria Bethânia", pontua.
Carlos Jardim, que se encantou pela obra da cantora quando escutou "Explode Coração" pela primeira vez na rádio, também é autor do livro "Ninguém sabe quem sou eu (a Bethânia agora sabe!): As loucuras de um fã para conquistar sua diva". "Ao longo de 57 anos de carreira, ela mantém uma coerência. Ela é a mesma pessoa, mas nunca é igual, nunca se repete. Em um show em homenagem ao filme 'Fevereiros', ela cantou 'Galos, Noites e Quintais', do Belchior, que nunca tinha cantado antes. A música reflete exatamente o que está passando agora. Os shows dela têm um roteiro, em que ela conta uma história. O show de Bethânia tem primeiro e segundo ato, é como se fosse uma peça, uma narrativa", opina.
Como jornalista, ele já teve várias oportunidades de entrar em contato com a cantora por meio de entrevistas e reportagens. Porém, demonstra que o sentimento de admiração continua igual.
"A voz dela me tira do prumo, me leva para outra dimensão. Quando vi aquela força toda em cena pela primeira vez, comecei a ir a muitos shows, e a sensação sempre é a mesma. O estado de elevação que fico quando escuto a voz dela é o mesmo. Muitos amigos dizem que gosto de tudo que ela faz porque sou fã e eu nego: sou fã porque gosto de tudo que ela faz. Ela sabe conduzir a carreira, escolher o repertório, ela tem algo a dizer quando sobre no palco", comenta.
"Maria, ninguém sabe quem sou eu"
Quando: a partir de quinta-feira, 1º de setembro
Onde: no Cinépolis do RioMar Fortaleza (rua Desembargador Lauro Nogueira, 1500 - Papicu)
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