Às 21 horas da última segunda-feira, 29, o designer de joias, artesão e artista plástico Antônio Rabelo atende a reportagem do O POVO, logo após participar de um evento na Mostra Cariri de Culturas. Ele avisa que está em frente à Fundação Casa Grande, instituição que considera o "berço das possibilidades" dos Museus Orgânicos. "Estou aqui há dois dias e a cidade não para. São pessoas de todos os lugares do mundo chegando, saindo, conversando, se conectando. Vejo a importância de ações como essa, acho que a cultura tem o poder desse grande sentimento de satisfação", comenta ao abordar um dos seus projetos mais recentes. Antônio menciona a iniciativa do Cariri para arquitetar os desejos acerca do Museu Oficina Antônio Rabelo, inaugurado em maio deste ano no município de Quixeramobim, no interior do Ceará, sua terra natal.
A iniciativa, viabilizada em parceria com o Sesc Ceará, é o primeiro Museu Orgânico do Sertão Central. Estes espaços conservam o legado de mestres da cultura e artesãos, transformando suas oficinas em possíveis atrativos turísticos. Assim, o número 673 da rua Francisco de Assis de Almeida é a casa, o ateliê de trabalho e o quintal de Antônio. "A gente vem numa luta constante para ecoar esse processo e fomentar o turismo da forma que tem de ser feito, valorizando as pessoas e o lugar. Ele está aberto para a visitação no horário comercial de segunda a sexta, mas claro que funcionamos no fim de semana porque estamos lá toda hora. As pessoas adoram ver como a vida gira em cima disso", discorre.
E a existência do artesão, de fato, atravessa a própria criação. Antônio transforma elementos do sertão nas suas principais matérias-primas, convertendo o ordinário em peças esculturais. "Eu desenho o que eu sinto, o que eu vivo, o que está mais próximo a mim. Hoje quando eu faço o desenho de joia, é como se eu fizesse uma poesia contando a história do meu lugar e do meu povo. Eu procuro desenvolver joias que representem os nossos sentimentos", explica. Desta forma, até mesmo os espinhos dos cactos xique-xique ressurgem como arte na coleção "Mandacaru". "Eu faço uma leitura do meu espaço toda hora, sou muito chegado nas formas e na estética natural. Você constrói uma joia totalmente atemporal e que acaba sendo referência para a moda atual. Eu acho espetacular porque é uma forma de ver um sertão muito raiz, que tem um valor inestimável para mim".
A relação com a joalheria compilou conhecimentos que o artista foi agregando ao longo da vida, como a pintura e a mecânica. Hoje, seus produtos são completamente artesanais e buscam agregar valor aos materiais da região. Todo o processo é desenvolvido dentro da própria oficina, com destaque para técnicas de lapidação que são, também, sustentáveis. A ideia é que as peças tenham condições de "ganhar o mundo" com conceitos fincados nas origens. "Eu moro na cidade onde nasceu Antônio Conselheiro e Fausto Nilo. A cidade tem um valor cultural muito grande e eu acabo me integrando a isso. Eu sempre achei que Quixeramobim pudesse ser o centro do mundo, já que o mundo é redondo, é possível que a gente seja o centro de qualquer lugar. Para mim é uma referência cultural fantástica, como eu observo a minha cidade e a forma em que ela funciona. É assim que eu desenvolvo as minhas coleções, pensando em como mostrar Quixeramobim, como valorizar tudo o que eu tenho", reforça.
É com o propósito de disseminar esse conhecimento que o designer participa do Programa de Cooperação Formativa - Ateliê Antônio Rabelo, promovido pelo Centro de Design do Ceará. A iniciativa contempla turmas de dez alunos, acima de 18 anos e com Ensino Fundamental completo, que durante quatro meses irão desenvolver práticas de design de joias - com matéria-prima natural - no espaço liderado por Antônio. Os interessados podem se inscrever no Mapa Cultural do Ceará até o dia 9 de setembro. "O curso que a gente pretende ministrar tem essa ideia, de que é possível agregar valor a materiais tão simples. Quero que a pessoa chegue e saia daqui entendendo como pegar uma pedra no rio e transformar em uma joia espetacular. Eu quero que ela tenha o entendimento da condição da produção, mas também tenha o entendimento dessa condição estética, do design, da construção mecânica. De acordo com o que ache conveniente e com as particularidades que cada um tem de produzir com independência e tranquilidade, mas com identidade. Quero que as pessoas tenham liberdade de pensar e criar seu próprio material", formula.
Autenticidade e criatividade
Foi por meio da ourivesaria - a arte de fabricar joias - que a arquiteta e designer de joias Nathalia Canamary percebeu que os ornamentos podem ter simbologias para além da moda. Os itens, afinal, traduzem os tempos desde as mais antigas civilizações. "A joia, independente do que seja, sempre carrega o conceito do atemporal. Ela é pensada com o intuito de durar para sempre, ser algo que tenha eficiência. A gente passa de geração em geração, não é um objeto que você vai usar um tempo, enjoar e descartar. As pessoas compram porque elas se identificam, e não só pelo desenho, pela tendência", argumenta. O ingresso dela no ramo foi por acaso, quando participou de um curso no Chile, porém logo ficou encantada pela autonomia possibilitada pelo ofício. "Eu comecei a trabalhar com joias e encontrei a mesma coisa que eu encontrava na arquitetura, a gente imagina os projetos e muitas vezes eles não são exequíveis da maneira como a gente deseja. Mas na joalheria você executa todos os passos, constrói esses objetos".
Levando esse ritmo em consideração, Nathalia diz que suas coleções são moldadas conforme vão sendo desenvolvidas. "Eu vejo muitos casos que se transformam durante o processo. Acho que é o que eu mais gosto até hoje", compartilha. A prata é o material mais utilizado nas obras, visto que é considerado de fácil manuseio. Por vezes, ela experimenta com diferentes elementos. Em 2021, por exemplo, Nathalia desenvolveu uma coleção feita com pedaços de tijolos que foram demolidos. O projeto será exposto na 73ª edição do Salão de Abril, que inicia no dia 8 de setembro. "É uma série de peças que eu não fiz com o objetivo inicial de venda, foi mais como reflexão, trabalho de arte", sintetiza.
A designer defende as joias como um meio de conexão com a própria identidade. Por isso, atua desde 2014 na área de formação através de cursos e workshops. A mentoria básica acontece no Curso de Joalheria, pensado para o primeiro contato com a ourivesaria e as etapas iniciais de fabricação de joias em escala artesanal. O módulo tem duração de quatro meses e conta com três turmas de quatro vagas, que já estão preenchidas até o final de 2022. Um diferencial do ateliê é o workshop de alianças, direcionado a casais que pretendem desenvolver as próprias peças para o noivado e casamento. "As pessoas se encantam com o processo, porque é muito bonito", destaca.
Inovação e versatilidade
Há 27 anos o designer de joias Claudio Quinderé produz peças autorais. Nessas quase três décadas, o artista prioriza o processo artesanal: sem moldes, ele mesmo derrete a prata, puxa os fios, faz as lâminas. O ritual existe desde quando Fortaleza ainda ampliava o segmento da ourivesaria e persiste até os dias de hoje."Eu acho que as pessoas estão valorizando muito o autoral. Eu tenho sentido muito essa necessidade, as pessoas não querem mais o que todo mundo tem. Quanto menor a tiragem das peças, mais as pessoas se encantam pelo trabalho. O consumidor tem procurado muito o feito à mão, o único".
Ele se tornou referência na Capital ao mesmo passo em que descobria novas técnicas, como o uso da palha de buriti nas séries. "Com essa coleção de buriti eu fui convidado a participar das duas primeiras Bienais de Design, depois ela passou seis meses rodando alguns museus da Inglaterra por conta da escolha do material alternativo, local. Foi muito valorizado. A palha, um material super barato e comum, na hora que é agregada a um metal nobre e ao design, ela cria um valor tão alto quanto a prata", avalia. Até consolidar a carreira na área, Claudio foi uma criança apaixonada por arte que sonhava em trabalhar com esculturas, mas acabou enveredando pela Psicologia. "Fiz um curso de joalheria e me encontrei. Eu não sou muito ligado à questão de tendência, a minha história é fazer arte utilitária, arte no corpo".
Entre as opções da coleção mais recente, criada em 2021, estão lançamentos com pérolas e pedras de turquesa, por exemplo. "Cada repetição, como é feita a mão, é diferente. Um design exclusivo para que as pessoas possam se identificar", opina. O designer também atua com parcerias no Grupo Criativo Oicos, onde trabalha diferentes tipologias, a exemplo de gravura, pintura, aquarela e cerâmica. "Eu estudo muito, é muita pesquisa. Quando eu decido fazer uma coleção, a primeira coisa que eu faço é pesquisar se ela já foi feita. Eu não coloco tempo, as vezes eu demoro três meses para uma coleção ficar pronta, desde a concepção até a finalização. Agora eu estou há quase um ano com uma ideia na cabeça e estou elaborando bem, deixando ela maturar, para poder sair uma coisa muito legal. Estou me dando o direito de ser mais artista", desenvolve o designer de joias.
Onde aprender
Programa de Cooperação Formativa - Ateliê Antônio Rabelo
Onde: Atêlie Antônio Rabelo (rua Francisco de Assis de Almeida, 673 - Sabonete), em Quixeramobim
Período de atividades: 3 de outubro de 2022 até 25 de janeiro de 2023
Edital disponível no site.
Workshop de alianças com Nathalia Canamary
O Workshop é realizado de forma particular com quem deseja confeccionar suas próprias alianças e acontece em até oito horas. Há disponibilidade no período da manhã e da tarde. O valor do curso também varia de acordo com o modelo de alianças desejados e o material escolhido.
Inscrições: pelo número (85) 99940-9400
Atêlie Antônio Rabelo: No site
Atêlie Nathalia Canamary: No site
Atêlie Claudio Quinderé: No site
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