Trinta e três projetos artísticos, sendo 30 do Ceará e três do Piauí, Paraíba e Bahia. Diálogos com os centenários da Semana de Arte Moderna, de Antônio Bandeira e Aldemir Martins. Reunindo essas dimensões, a 73ª edição do Salão de Abril será aberta para visitação nesta quinta-feira, 8, no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim.
Com entrada gratuita, o tradicional evento de artes visuais realizado em Fortaleza ficará disponível para visitação até 22 de outubro com apresentação de fotografias, pinturas, instalações, videoartes, performances e esculturas. É possível conferir os trabalhos de terça a sexta, das 10h às 17 horas, e aos sábados, das 10h às 16 horas.
A equipe curatorial é formada pela artista pernambucana Ué Prazeres, pelo historiador e educador paulista Rafael Domingos e pelo artista visual cearense Jared Domício. O trabalho de curadoria buscou observar situações para além de aspectos técnicos ou estratégias poéticas, tendo como um “dado determinante” a maneira como os trabalhos conversam entre si.
“O papel de um curador no contexto de um salão não é criar um padrão de trabalhos bons e ruins, mas de estabelecer um caminho de leitura da exposição para o público. Um percurso que permita acessar um pouco sobre como os artistas da cidade estão trabalhando, quais as questões mais latentes e críticas sobre a nossa atualidade”, destaca Jared.
Nesse sentido, o cearense aponta a importância de um trabalho conjunto - com olhares e vivências diversos - para ser feita uma boa exposição, mas também pontua “a fragilidade (em vários níveis)” do suporte institucional dado à equipe de curadoria do Salão de Abril.
Além de ter como um dos temas o centenário da Semana de Arte Moderna, o Salão de Abril busca ressaltar a força do trabalho artístico. “Gestões mudam, decisões políticas e contextos sociais, mas o trabalho do artista surge como um norteamento mesmo nos tempos mais difíceis, questionando quem somos e de que maneira nos relacionamos como sociedade, com a cidade e o planeta que habitamos”, afirma.
A artista visual Cristina Vasconcelos se apresenta no Salão de Abril com a instalação “Atlas 1”, um trabalho que “mergulha em histórias presas nas fendas do tempo para emergir com novas temporalidades e anacronismos”, trazendo, assim, questões que se relacionam com o contemporâneo.
A instalação ocorre a partir de investigações sobre acidentes, falhas humanas, atos terroristas, transportes e transações ilícitas envolvendo aeronaves e aeroportos, o que, para Cristina, são “situações de segurança, violência ou risco iminentes”. Para a artista, o retorno do Salão de Abril ocorre como “uma lufada de ar fresco para o cenário de arte local”.
Encarando como um dos principais desafios atuais para os artistas a sobrevivência “em tempos de desmonte da cultura”, Cristina avalia que a oportunidade de levar ao salão seu trabalho é "um espaço de fala, jogar no mundo questões para reflexão sobre tempos sombrios”.
Conselheira Estadual de Cultura na área de Performance, artista e produtora cultural, Aires Furtado apresenta no Salão de Abril o trabalho fotográfico “Sutura sobre fotos de criança Trans(viada)”. Enquanto artista, ela se debruça em sua pesquisa sobre criar relações entre infância e transgeneridade. Na obra, ela realiza uma ação de corte e posteriormente costura à mão com algumas fotos de sua infância.
“Esse trabalho surge a partir de uma conversa com minha mãe a respeito do meu processo de sexualidade, antes mesmo de meu processo de transição de gênero, em que ela me conta que rasgou algumas fotos minhas de infância por perceber nessas fotos uma performatividade feminina. Então, eu trago para mim essa ação e essa costura como uma sutura e um processo de cura”, revela.
Artistas apontam problemas
Ainda que busque valorizar produções artísticas locais, a atual edição do Salão de Abril também tem sido marcada por erros de execução e descontentamento de artistas. O produtor e gestor cultural Gyl Giffony publicou no Instagram uma carta coletiva de repúdio contra a forma como o evento - realizado pela Secultfor e pelo Instituto Cultural Iracema (ICI) - tem sido produzido.
Alguns dos pontos criticados são o cronograma "incongruente e apresentado tardiamente", que teria prejudicado a montagem e o trabalho da curadoria; a burocracia no processo de inscrição; manipulação e montagem errada de trabalhos e a divulgação de dez nomes "mortos", desrespeitando o nome social de artistas participantes.
Gyl Giffony leva ao Salão de Abril, junto com a Inquieta Cia, uma performance coreografada "Construção Civil", resultado de um filme em colaboração com Lua Alencar e Thereza Rocha. Essa será a primeira participação do grupo no Salã. O que estava consolidado como "uma grande expectativa" para essa estreia acabou se tornando uma frustração. "Essa expectativa é um retrato de algo que todo dia nós passamos como artistas no Ceará. Parece que temos que estar o tempo todo nos afirmando como profissionais diante de gestões que não trabalham no mesmo nível da nossa entrega como artista", afirma.
Conselheira Estadual de Cultura na área de Performance e artista, Aires Furtado lembra do lado histórico do Salão de Abril, mas pontua erros que têm ocorridos. "Acredito que esses inúmeros problemas de produção e de gestão impedem que o Salão tenha de fato a potencialidade que ele poderia ter. Eles acabam colocando situações completamente desconfortáveis para artistas, para a curadoria e para diversas pessoas que estão envolvidas tentando fazer que o evento dê certo".
Questionada sobre quais ações foram realizadas diante da divulgação de nomes "mortos", a Secultfor afirma que assumiu o "erro" publicamente e fez "a retificação devida" assim que foi identificada a situação. A secretaria também diz que foram contratadas pessoas LGBTQIA para "compor o quadro de preceptores/educadores que farão o acompanhamento de visitas guiadas à exposição".
Por meio de nota, a Secretaria afirmou que está apurando os pontos criticados e convidou os artistas selecionados no 73º Salão de Abril para uma conversa a ser realizada no Teatro Antonieta Noronha, na próxima segunda-feira, 12, às 14 horas. "A Prefeitura de Fortaleza compreende o Salão de Abril como um relevante espaço de debates, proposições e vanguarda, que dialoga com a produção cultural do Ceará e do Brasil há mais de sete décadas. Não sem precisar se desconstruir, não sem precisar recuar e se refazer", diz na nota. "Algumas medidas já estão sendo encaminhadas pela Secultfor e o ICI como forma de alinhar cada vez mais o Salão de Abril com as provocações que permeiam as perspectivas sobre a cultura e estão entrelaçadas com aspectos sociais e políticos".
73º Salão de Abril
Quando: a partir desta quinta-feira, 8; visitação de terça a sexta, das 10h às 17 horas, e aos sábados, das 10 às 16 horas
Onde: Centro Cultural Casa Barão de Camocim (Rua General Sampaio, 1632 - Centro)
Gratuito
Mais informações: @secultfor
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