“Lançar um próximo disco sem nunca ter apresentado ‘Manga’ no Brasil teria um sabor meio amargo para mim. Eu teria uma sensação de que algo muito importante não foi feito, é como você ter um filho e não levá-lo para casa para apresentá-lo aos seus pais. Embora eu seja cabo-verdiana e não brasileira, eu me sinto tão acolhida e tão em casa no Brasil, tenho tantos amigos e um público tão querido - que realmente participa de forma muito ativa nas redes sociais -, que eu sentia que devia isso ao público brasileiro”.
Quando Mayra Andrade fala de sua relação com o Brasil, logo lembra de uma ligação “muito forte” com o País, daquelas que são a razão para realizar - ou retomar - projetos presencialmente. É esse exemplo que nós podemos citar ao falarmos sobre a volta da cantora cabo-verdiana ao Brasil depois de três anos para apresentar um trabalho que havia sido encerrado - em outros países, claro. Por aqui, ainda há muito o que ser escutado da cantora.
Com a turnê “Manga”, referente ao álbum lançado em 2019, Mayra Andrade leva ao público brasileiro sucessos de sua carreira e do disco, contemplando canções como “Afeto”, “Manga”, “Tan Kalakatan”, “Tunuca” e “Love Language”. Na bagagem, sua sonoridade mescla suas raízes com batidas do afrobeat, com quatro músicas em português e nove em crioulo cabo-verdiano.
A turnê ganha ares de “inédita” no Brasil pelo fato de as apresentações previstas no País - e em outros territórios - terem sido canceladas devido à pandemia. Mayra recorda como esse período afetou seu trabalho, mostrando “que nada está sob controle” e servindo também para reavaliar suas prioridades - colocando sua saúde mental como uma delas - e absorver novas experiências, auxiliando no seu processo de composição.
“Nós também percebemos, enquanto artistas, que temos uma função muito importante na sociedade. Acho que só ganhei essa noção com a pandemia. Percebi como as pessoas precisavam daquelas lives, daqueles momentos musicais improvisados… Eu fiz muitos desses momentos, de angariar fundos para hospitais, ajudar associações ou para ajudar simplesmente as pessoas a se sentirem como parte de um todo, não esquecidas ou isoladas”, afirma.
Esse foi mais um momento chave para sua carreira, que coleciona, com “Manga”, cinco discos e prêmios como “Melhor Revelação” no BBC Radio 3 World Music e nomeação a melhor disco na categoria World Music dentro do prêmio francês Victoires de La Musique pelo álbum “Lovely Difficult”.
Nascida em Cuba, Mayra absorveu culturas de diferentes países, vivendo sua infância entre Cabo Verde, Senegal, Angola e Alemanha. Além disso, deu início a sua carreira profissional na França, quando tinha apenas 17 anos. Desde 2015, mora em Lisboa. Em meio a tantos caldeirões culturais, o de um País específico tem grande destaque: o Brasil, no qual a musicalidade esteve presente em sua vida desde cedo.
Mayra Andrade chegou a cantar em parceria com artistas como Gilberto Gil, Maria Gadú e Mariana Aydar. Em setembro uma de suas apresentações aconteceu com outro músico brasileiro: o rapper Criolo. No palco Sunset do Rock In Rio, ela dividiu uma “das experiências mais inesquecíveis de sua vida” com o cantor. Ela participou da faixa “Ogun Ogun, do disco “Sobre Viver”, de Criolo, lançado neste ano.
Mayra Andrade ainda percorrerá São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte em sua turnê pelo Brasil. Nesse último caso, irá se apresentar no dia 24 na Arena das Dunas, em Natal (RN), durante o Festival Música Alimento da Alma (Mada). O evento voltará a ocorrer depois de dois anos de paralisação e estão confirmadas atrações como Gloria Groove, Emicida e Marina Sena, além da própria Mayra Andrade. O Vida&Arte fará cobertura do festival in loco.
Os feitos de Mayra Andrade também passam pela sua capacidade de atingir diversos públicos com sua obra. Em 2021, a cantora foi escolhida pela revista digital Bantumen como uma das 100 personalidades negras mais influentes da lusofonia. A seleção foi baseada em artistas que “promovem a excelência em suas áreas de atuação e que impulsionam um sentido de representatividade e de pertença entre a comunidade negra lusófona”.
Para a artista, foi “uma honra” receber essa nomeação e o reconhecimento ajuda no estímulo a novas produções. Entretanto, a sua trajetória na música não é voltada para esse objetivo, culminando, assim, em uma postura que reflete quem a própria cantora é. “Quando fazemos o que fazemos com verdade, estamos servindo à nossa comunidade”, introduz.
Ela prossegue: “Quando eu componho uma música, não penso se estarei contribuindo ou não para a representatividade com ela. Eu faço o que sou - ou tento, pelo menos, porque meus contornos vão se transformando. Então, acho que se você se respeitar e respeitar o que está colocando no mundo, dando o melhor do que você é, naturalmente as pessoas se identificarão com aquilo. Isso se torna um símbolo que ajudará outras pessoas a fazerem o mesmo”.
Além disso, falar sobre representatividade, na visão de Mayra, não é um tópico que se restringe a quem dela faz parte. Pelo contrário: esse é um assunto universal. “O problema do racismo não é um problema só de negros, é um problema de todos. Então, eu quero que as pessoas olhem para o meu trabalho e digam: ‘Eu quero ter essa postura como ser humano, essa postura me inspira’”, afirma.
A cantora também destaca: “Eu quero ser boa no que eu faço, porque eu quero fazer o que faço e que isso dê frutos. Viemos para semear, e se isso se encaixa em um prêmio ou uma distinção, maravilha. Eu quero que seja uma inspiração além das fronteiras, além de cor, de culturas, e enquanto for necessário ser a voz de uma cultura negra, que seja, então. Eu espero ainda viver um tempo que essas questões já não sejam questões”.
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OP+
É possível conferir a entrevista completa com Mayra Andrade dentro do projeto Vida&Arte Convida, disponível na plataforma O POVO+. A cantora também fala sobre trabalhos futuros e a importância de se consumir mais conteúdos vindos de países africanos.
Confira a entrevista com Mayra Andrade e demais episódios do V&A Convida clicando aqui
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