Logo O POVO+
Titãs celebram 40 anos de banda com álbum inédito
Vida & Arte

Titãs celebram 40 anos de banda com álbum inédito

Banda Titãs celebra 40 anos de trajetória com lançamento do álbum que traz composição inédita de Rita Lee, explora cantos indígenas e lança olhar contemporâneo sobre o mundo
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Titãs comemoram 40 anos de estrada com novo disco de músicas inéditas (Foto: Tony Santos/Divulgação)
Foto: Tony Santos/Divulgação Titãs comemoram 40 anos de estrada com novo disco de músicas inéditas

"Ainda temos um grande barato de fazer música", afirma o cantor e compositor Sérgio Britto. Há quatro décadas, o "combustível" responsável por guiar a trajetória dos Titãs segue presente. Novos trabalhos servem como uma grande motivação para a manutenção do grupo de rock na ativa dentro da música brasileira.

Nesse caminho, foram produzidas obras de impacto para a cultura nacional, como os discos "Cabeça Dinossauro", "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas" e "Õ Blésq Blom" Em setembro, chegou às plataformas digitais "Olho Furta-Cor", novo álbum de canções inéditas do Titãs e que brinda a celebração de 40 anos da banda.

Com 14 faixas, o disco apresenta um "olhar diverso" multitemático a partir de parceria com Rita Lee, referências aos tempos políticos atuais vividos no Brasil, reflexões sobre autoconhecimento e acenos para letra com viés mais romântico. O vocalista Sérgio Britto fala em entrevista ao Vida&Arte sobre os detalhes do novo trabalho.

O POVO: "Olho Furta-Cor" é o primeiro álbum dos Titãs inéditas desde "Doze Flores Amarelas", de 2018. Quais sentimentos guiaram vocês nessa volta aos estúdios e ainda mais em meio aos 40 anos da banda?
Sérgio Britto: Na verdade, eu acho que nós resolvemos comemorar 40 anos de banda fazendo um disco de músicas inéditas, porque sempre foi o que nos motivou: compor e fazer trabalhos novos. Acredito que isso é o nosso combustível. No processo, fomos tomados por um entusiasmo como o que tínhamos no início da banda. Então, é muito bacana constatar que a nossa química ainda funciona, que ainda temos um grande barato de fazer as coisas. Para nós, é a melhor maneira de comemorar, então acaba juntando o fato da banda ter 40 anos, uma história e ainda ser relevante - pelo menos para nós mesmos. Ainda sentimos muito prazer no que fazemos.

O POVO: Qual é o conceito por trás do álbum?
Sérgio: Acho que não elaboramos de antemão um conceito, mas à medida que vamos fazendo vamos entendendo mais ou menos os temas que estamos abordando e qual cara o disco terá. Isso até serve para selecionarmos as músicas, deixar alguma de fora… O disco tem esse conceito que é um pouco resumido pelo título. Nesse "Olho Furta-Cor" é como se tivéssemos um olhar multicolorido, ou seja, essa cor que contém todas as cores, como se estivéssemos olhando com um olhar diverso para o Brasil e para o mundo. Nós comentamos muitos fatos que têm acontecido ultimamente, como esse isolamento da pandemia, o momento político difícil, a polarização no Brasil e no mundo… acho que todos esses temas estão presentes no disco e outros também mais leves.

O POVO: A faixa de abertura do álbum é "Apocalipse Só", e Eela começa com cantos indígenas, seguido por um coro de crianças. Como foi o processo de produção dessa música e que mensagens vocês quiseram transmitir com a letra?
Sérgio: Ela fala de devastação em relação ao que tem acontecido com a Amazônia. Essa é uma parceria minha com o Tony Belotto. A ideia era a princípio fazer uma música que tivesse algo da música brasileira mais essencial, e ele pensou nos indígenas e descobriu esse cântico do Xingu. Ele começou a elaborar em cima disso, depois eu entrei e finalizamos a música, ganhando a forma que tem agora. Para que isso desse certo, tivemos um certo trabalho com advogados, de consultar a Funai para chegar até o cacique e fazer um acordo financeiro que fosse bacana para eles. Então, resolvemos incluir e eu acho que carrega a música de muito significado. Quando a música já estava sendo arranjada, achamos que poderia ficar interessante o canto das crianças em coral para contrastar com esse lado tão amargurado que a letra tem, essa sensação de fim de mundo que a canção passa. Cantado por crianças eu acho que dá um ar de possível renovação para as coisas.

O POVO: Na música "Caos", há um trecho que afirma "Hay Gobierno soy contra!". Qual o papel dos artistas atualmente em uma expressão de manifesto contra um sistema e um governo que contribuem para esse "Caos"?
Sérgio: É uma opção pessoal de cada artista. Eu não vejo muito sentido em cobrar isso de quem não quer fazer. Não acho que é uma obrigação de nenhum artista ou de nenhum cidadão, mas acho que quem quer se manifestar tem que ter o direito e o espaço para falar e agradar a quem agradar. Eu não gosto de ficar cobrando dos outros posicionamento, acredito que é uma opção de cada um. A nossa sempre foi de comentar e fazer a crônica do nosso tempo, não é a primeira e nem será a última vez. Nós tratamos de muitos assuntos e às vezes de mais sensíveis também. Essa música, por acaso, não é da nossa autoria, é uma canção da Rita Lee com o Roberto de Carvalho feita especialmente para nós, mas ela comenta de uma maneira muito acertada nesse momento que vivemos porque tem uma veia humorada mas ao mesmo tempo muito ácida em relação a como as coisas têm sido conduzidas pelo governo. Nós nos identificamos de cara e ficamos muito felizes com o presente.

O POVO: No álbum há uma música que eu imagino que seja especial para você, intitulada "Papai e Mamãe". Ela faz referência à fase de crescimento da sua filha na adolescência. O que essa música significa pra você, considerando essa ligação com a sua filha e ainda em meio ao período da pandemia?
Sérgio: Você acompanha as notícias e vê a quantidade de adolescentes que sofreram - e ainda sofrem - as consequências. É muito grande. Eles enfrentaram isolamento, dificuldade de relacionamentos, de integração… Então, não foi um caso isolado. Mas a música fala um pouco além disso: ela fala desse mergulho para dentro de si mesmo, para você se encontrar e descobrir sua maneira de ser e crescer, um assunto eterno da adolescência. A pessoa quer encontrar sua maneira de ver e fazer as coisas, e quer ter espaço para isso. O mais curioso é que quando eu comecei a fazer essa música eu comecei em um tom paternal, falando "venha ver o mundo, saia", mas depois eu vi que era um equívoco, eu não ia conseguir fazer uma música que tocasse essas pessoas que estão nessa situação. Então, eu inverti um pouco e passei a fazer do ponto de vista dessa pessoa que está isolada e mergulhando dentro de si. Acho que o resultado ficou muito mais interessante.

O POVO: Como a pandemia se entrelaçou com a produção do álbum? Existiram muitos desafios?
Sérgio: Sim. Não só nós, mas toda a nossa classe parou de fazer shows e espetáculos e, com isso, praticamente ficamos com receita zero, porque hoje em dia a renda vem basicamente de shows. Foi um período difícil, e depois que passou a fase mais aguda da pandemia começamos a nos encontrar com máscara. Depois que surgiram as primeiras doses da vacina contra a Covid-19, nos encontramos na casa do Branco Mello para elaborar as canções e cada um também trabalhou em sua casa. Fomos trocando figurinhas e chegando ao repertório. Nós fizemos uma demo bem simples com essas músicas e depois que tudo passou resolvemos entrar em estúdio. Foi mais ou menos esse o processo.

O POVO: O álbum reúne diferentes camadas de assuntos. Uma música que chama a atenção também é "Por Galettas", escrita a partir da notícia de que soldados da paz da Onu no Haiti abusavam de crianças. Por que a decisão de falar sobre esse assunto e de que formas a música contribui para as mensagens que o disco quer transmitir?
Sérgio: Eu fiz essa música a partir de uma notícia que eu li no jornal espanhol "El País", e fiquei muito chocado com isso. Essa música leva a uma reflexão: até que ponto chega a barbárie no mundo em que vivemos, quando até quem está ali para ajudar pode, na verdade, fazer um mal maior? Então, achei um assunto interessante isso de colocar em xeque essa questão do que é o bem e do que é o mal, então achei que merecia uma canção. Como fui alfabetizado em espanhol e tenho maior domínio da língua, resolvi fazê-la nesse idioma, e os outros integrantes gostaram e acharam interessante, porque é um assunto sobre o qual não se fala muito em músicas. Então, acho que só por isso ela já merecia estar no álbum.

O POVO: "Olho Furta-Cor" marca os 40 anos da banda, que tem uma atuação muito importante para a música brasileira. Evidentemente, 40 anos não são 40 dias, e os Titãs passaram por muitas experiências importantes ao longo desse tempo. Fazendo um balanço, o quanto do Titãs do passado - aquele que começou em 1982 - está nesse novo trabalho? E quanto do Titãs que ainda pode vir a ser faz parte desse álbum?
Sérgio: Esse encantamento com o que você está fazendo permanece intacto, aquele lá do comecinho, quando éramos adolescentes, está presente neste trabalho. Fizemos com muito entusiasmo, não sei se por causa das circunstâncias de estarmos retomando nessa pandemia, mas ele teve uma importância muito grande para nós do ponto de vista de interação e prazer em fazer música. Em relação ao futuro, nós sempre colocamos sementes de coisas que podemos vir a fazer. "Por Galletas" é um exemplo de algo que não tínhamos feito antes, que foi desenvolver uma canção a partir de uma notícia de jornal em espanhol. "Apocalipse Só" também tem esse lado, com o cântico indígena misturado com coral de crianças - musicalmente é uma novidade absoluta para nós. Isso também acontece com outras temáticas, como "Preciso Falar", feita pelo Tony Bellotto, que fala sobre o amor romântico entre dois homens, de um se declarando para o outro. São temas que nunca tínhamos tratado e que, de certa forma, apontam para o futuro. Podemos explorar coisas assim mais adiante.

Leia também | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Faixas

1. Apocalipse Só
2. Caos
3. São Paulo 3
4. Como É Bom Ser Simples
5. Raul
6. Um Mundo
7. Há de Ser Assim
8. Papai e Mamãe
9. Eu Sou o Mal
10. Por Galletas
11. O Melhor Amigo do Cão
12. Preciso Falar
13. Miss Brasil 200 Anos
14. São Paulo 1

Capa do álbum
Capa do álbum "Olho Furta-Cor"

Olho Furta-Cor

Onde escutar: plataformas como YouTube, Spotify, Amazon Music e Apple Music

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

O que você achou desse conteúdo?