O que faz de uma pessoa comum uma estrela? Na era da internet e da superexposição, é fácil pensar em milhões de seguidores e na influência digital como primeiros critérios. No século passado, antes desses recursos, ser uma estrela já representava ter sua vida acompanhada de perto, conviver com a perseguição de paparazzis e a complexa relação entre ser amada e criticada pelo público. Todas as delícias e malevolências da fama foram vividas intensamente pela atriz e musa de Hollywood, Marilyn Monroe, e após 60 anos de sua morte, a figura da artista ainda é alvo de debates.
Para Lílian Lopes, cineasta e mestranda em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa, é impossível dissociar Hollywood de Marilyn Monroe. "Ela foi um símbolo da sua geração e se tornou um ícone atemporal. Marilyn veio em uma época de transformação do padrão de beleza da sociedade e muitas mulheres passaram a desejar ser como ela. Então sua imagem ultrapassou o cinema e permanece até hoje", avalia.
Nos breves 12 anos de carreira, a atriz viveu o período de popularização da televisão nos EUA, fenômeno que gerou novos hábitos de consumo, além do fortalecimento da indústria cinematográfica. Com a expansão, não só a sociedade estadunidense, como os demais países do Ocidente foram influenciados e ela se tornou um dos símbolos desse novo estilo de vida americano.
"A indústria do entretenimento norte-americana sempre teve uma influência excessiva no resto do mundo. A imagem de Marilyn Monroe se tornou icônica, de forma que foi e é inspiração em diversos segmentos. Não só do cinema, como também na moda, por exemplo. Sua imagem de mulher sensual e confiante foi inspiração para mulheres de diversos países, de forma que será para sempre inesquecível e, principalmente, insubstituível", diz Lílian.
Representante do chamado "New Look", estilo criado por Christian Dior que valorizava silhuetas bem marcadas, a forma de vestir de Marilyn era um dos pontos que chamavam atenção, seja dos fãs ou da crítica. A historiadora e professora de Pesquisa em Moda da Universidade Federal do Ceará, Francisca Mendes, comenta a sensualidade como traço marcante e as mudanças culturais que levaram a esse novo momento na moda.
"A década de 1950 já começa com esse retorno das mulheres para casa, especialmente para a cozinha, aí temos o boom dos eletrodomésticos, por exemplo. Essa mulher passa a ser valorizada por estar cuidando da casa e da família, embora ela tenha que estar sempre arrumada, então é um paradoxo. A gente tem as estrelas hollywoodianas, como a Marilyn, que vão mostrar uma mulher fora da curva, uma mulher que se divorcia, posa nua, platina o cabelo, mas também uma exigência social que seja 'bela, recatada e do lar'", contextualiza Francisca Mendes.
Para ela, as críticas a Marilyn partiam de uma sociedade hipócrita. "Ao mesmo tempo em que é desejada por muitos homens e representa o sonho das mulheres por libertação, existe uma cobrança social muito grande por ela não se adequar aos padrões. Ela vai ser muito diferente das artistas porque vai representar o jeito americano de viver, com essa mulher sensual, mas ao tempo de voz suave. Então é essa figura cheia de contrastes, e no contexto social é uma briga do que é dito e o que é feito, porque a sociedade é um teatro", opina.
A historiadora analisa que a liberdade de Marilyn "tinha um limite" e uma contrapartida alta. Francisca Mendes defende que, se a artista vivesse nos dias de hoje, os julgamentos não seriam muito diferentes dos que enfrentou há 60 anos. "Claro que a gente tem outro contexto, em termos do que a mulher pode fazer, mas ela continua pagando um preço. Alguns avanços aconteceram em formas de leis, medidas de alguns governos de proteção às mulheres, mas a liberdade feminina ainda tem muitas questões a avançar. Um exemplo disso são as críticas a Anitta e a própria marcha das vadias. Então, acredito que ela seria tão criticada como foi na época".
Fãs da nova geração
Sem se conhecer, a pernambucana Manuela Brito, 18 anos, e o cearense Cidney Souza, 30, compartilham a mesma admiração por Marilyn Monroe. Ele, que é graduando em Letras, conheceu a história de Marilyn por meio da literatura, enquanto Manuela pouco lembra de quando se deparou com a artista pela primeira vez.
"Como ela tem um nome muito famoso e constantemente era mencionado por alguém ou algum programa de TV, fiquei curiosa. Fui atrás dos trabalhos dela e virei fã", conta Manuela. A admiração a fez criar, em 2021, um perfil no Instagram (@iungongui), em homenagem à "Miss Monroe", como se refere. "O objetivo principal era falar sobre cinema em geral. Porém, durante a pandemia eu iniciei uma maratona dos filmes da Marilyn e comecei a postar cenas engraçadas com ela. As pessoas acabaram gostando e, além das cenas, eu também comecei a compartilhar curiosidades e fatos sobre ela".
Cidney também produz conteúdos em sua conta pessoal do Instagram sobre a atriz. "Parar para estudar uma figura como a Marilyn é se permitir até enlouquecer um pouco, pois era uma mulher com muitas camadas, que desperta curiosidade e até certa compaixão. É conhecê-la para além da sensualidade e exuberância e entrar em contato com algo mais verdadeiro e vulnerável", define.
"Ela tinha essa habilidade de estar em cena e olhar para uma flor e fazer você acreditar que aquela era a primeira vez que via uma flor na vida. Passou toda a sua carreira sonhando em ser uma artista séria, fazendo mais papéis dramáticos, mas em razão de ser muito sexualizada pela indústria, sempre acabou fazendo papéis nos quais interpretava o estereótipo vulgar da loira burra", diz.
Espetáculo "Marilyn, por trás do espelho"
Quando: 8 a 29 de setembro, às quintas às 20 horas e dia 29/09 às 18h
Onde: Teatro das Artes (Rua Marquês de São Vicente, 52 - Shopping da Gávea- Rio de Janeiro - RJ)
Quanto: R$70 (inteira) e R$35 (meia)
"O pai de Marilyn Monroe", uma ficção brasileira
Desde a adolescência Lucas Martini é apaixonado por romances, dos que envolvem crimes reais às celebridades. Nesse período, assistiu "Quanto mais quente melhor", filme de 1959 estrelado por Marilyn Monroe.
"Ali comecei a me interessar por ela, comecei a pesquisar, ler biografias e vi que tinha muitas discordâncias sobre o que diziam. Como sempre escrevi histórias de detetive, desde a época do ensino médio, tive a ideia de misturar ficção com realidade e pegar um evento da vida da Marilyn real, que foi quando ela tentou conhecer o pai e fazer disso uma ficção". Foi ponto de partida para o livro "O pai de Marilyn Monroe", de 2020.
Na trama, o detetive Clint Harper se prepara para desembarcar no aeroporto de Los Angeles chamado pela atriz iniciante Marilyn Monroe. O objetivo da jovem é contatar o homem que afirma ser seu pai, o sr. Charles Stanley Gifford, e relatar a ela todas as suas ações. Quando percebe que o homem que procura é um velho amigo, Harper se vê entre manter a amizade ou a reputação profissional.
"A minha principal referência foi a biografia 'A vida secreta de Marilyn Monroe', do J. Randy Taraborrelli, e eu peguei um dos capítulos da biografia e adaptei para a minha novela", diz Lucas.
Baseado em fatos reais, o livro representa um esforço do escritor em retratar Marilyn para além da figura caricata. "Busquei escrever sobre ela com sua total personalidade, porque até hoje pensam que ela era uma pessoa burra, lenta e arrogante. Infelizmente muitos filmes e biografias retratam ela assim. Só que ela não era nada disso, era extremamente inteligente, criativa, alguém que revolucionou o cinema de comédia", defende. Em 2021, Lucas lançou o documentário "Como Marilyn Monroe morreu", disponível no Youtube.
Livro "O pai de Marilyn Monroe"
Onde encontrar: Skoobooks e Amazon, e-book e livro físico
Envio para todo o Brasil
Quanto: R$ 35,00 frete (livro físico)
R$ 7,99 (e-book)
Mais informações @lucasmartini_escritor no instagram
"Marilyn, por trás do espelho",
Estampas, quadros, livros, museus, filmes, séries e camisetas, é possível encontrar o rosto de Marilyn nos mais diferentes espaços, objetos e contextos. Sua influência na cultura pop segue inspirando artistas, caso da atriz e produtora brasileira Anna Sant'Ana. Em agosto, ela estreou o monólogo "Marilyn, por trás do espelho", no Rio de Janeiro.
"Comecei essa pesquisa há 10 anos, por ter tido muito contato com a figura dela em outros espetáculos. Passei a pesquisar e o que eu conhecia da Marilyn era exatamente o que a grande maioria das pessoas conhecem, que é estrela do cinema e símbolo sexual, mas pouquíssimas pessoas a conhecem de fato", disse. À medida que se aprofundou na história de Monroe, passou a se identificar.
"Conheci a história dela, da mulher, de uma guerreira tentando a carreira e com um objetivo bem preciso, queria um lugar de grande estrela, grande atriz do cinema e estudou muito pra isso. Ela sempre foi muito julgada pelos papéis de loira burra, mas ela era extremamente estudiosa, tinha uma biblioteca com mais de 400 livros. Eu comecei a ver essa pessoa por trás desse glamour todo e era uma mulher com quem eu me identificava, seja atriz que também estava correndo atrás da carreira, dos sonhos ou mulher com relacionamentos que não tinham dado certo e com ter uma baixa autoestima às vezes", explica.
O espetáculo reflete temas como solidão e depressão, a partir da história de uma Marilyn pouco conhecida. A estreia no Brasil foi no dia 4 de agosto, data da morte da atriz. "Eu acho que é um espetáculo que tem uma vida longa, tenho percebido o interesse e o quanto as pessoas têm curiosidade. Foi uma figura muito à frente do seu tempo", declara.
Filmes e séries sobre Monroe
"Blonde", estreia 28 de setembro
Onde assistir: Netflix
"O Mistério de Marilyn Monroe" (2022)
Onde assistir: Netflix
"Com amor, Marilyn" (2012)
Onde assistir: disponível para aluguel em Apple iTunes e Google Play Movies
"A Vida Secreta de Marilyn Monroe" (2015)
Onde assistir: Streamming HBO
"Sete Dias com Marilyn" (2011)
Onde assistir: Amazon Prime Video
Expectativas para "Blonde"
Na próxima quarta-feira, 28, "Blonde" a cinebiografia de Marilyn Monroe, entra para o catálogo da plataforma de streaming Netflix. Com roteiro e direção de Andrew Dominik, é inspirado no livro homônimo de Joyce Carol Oates, lançado em 1999 e finalista do Prêmio Pulitzer .
A promessa da produtora é de uma ficção que "reimagina" a vida privada de Marilyn e "discute o preço que a atriz pagou pela fama". Interpreta a musa a atriz cubana Ana de Armas e o elenco ainda conta com Adrien Brody, Evan Williams e Bobby Cannavale.