Nos primeiros 15 minutos de "Athena", do francês Romain Gavras e disponível na Netflix, o espectador é colocado em um protesto que começa em uma delegacia de polícia e segue, quilômetros adiante, em um conjunto habitacional nos subúrbios de Paris, onde adolescentes filhos de imigrantes se organizam para resistir à chegada da tropa de choque.
É uma abertura que faz sentir o calor e o cheiro de fumaça e provoca uma pergunta: mas como diabos eles fizeram isso? "Eu não gosto de CGI, de tela verde. Queria fazer de verdade, é muito mais divertido. Acredito que o público percebe quando há perigo de verdade e quando a câmera faz coisas que só podem ser CGI", diz o diretor.
Gavras, a equipe e o elenco ensaiaram exaustivamente durante semanas. Há carros, motos, fogos de artifício, balas cenográficas. A cena dá a impressão de ser um longo plano-sequência — não é, mas as tomadas eram realmente compridas. A ideia do filme partiu de uma conversa do diretor com seu amigo de infância, o também cineasta Ladj Ly (de "Os Miseráveis"). "Falamos muito de como seria estar no meio da fagulha que incendeia o país todo. Era como estar em um tumulto que ainda não aconteceu".
Na história, o estopim para a rebelião de jovens filhos de imigrantes, isolados da sociedade por seus traços, origens, cultura e religião, é o assassinato, supostamente pela polícia, de um adolescente de 13 anos.
Gavras explicou que quis se basear em um contexto real, mas elevá-lo a um nível quase mitológico. "É como uma tragédia grega, cheia de simbolismos", disse ele, filho de um grego e uma francesa. "Eu não podia ver os filmes da Disney quando era criança, mas ouvia os mitos e tragédias gregos. Em vez de Branca de Neve, ouvia sobre uma mãe comendo seus filhos, um homem matando o pai e se casando com a mãe."
O cineasta rejeita um pouco o rótulo de filme político. "Meu pai sempre diz algo com o que concordo: tudo é político", diz ele, filho do cineasta Costa-Gavras."Não vejo personagens como estudos sociológicos. Estou tentando fazer um bom filme. Minha responsabilidade é criar imagens, de preferência nunca vistas antes", afirma.
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Romain Gavras nem acredita que cinema tenha poder de mudar visões políticas. "Sei que é doido falar isso, sendo filho de quem sou. Mas o mundo não ficou melhor desde que meu pai começou a fazer cinema. Só é importante fazer filmes em que você acredita e que têm um ponto de vista. Mas são os políticos que mudam o mundo, não os cineastas".
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