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Documentário "Saravá, Meu Avô" fortalece memórias sobre Eusélio Oliveira
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Documentário "Saravá, Meu Avô" fortalece memórias sobre Eusélio Oliveira

Trajetória de vida do cineasta e agitador Eusélio Oliveira é desvelada a partir de olhar familiar no longa documental "Saravá, Meu Avô", que encerra o 32º Cine Ceará
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Foto: divulgação Filme "Saravá, Meu Avô" lança olhar familiar para Eusélio Oliveira

Um encontro de três gerações da mesma família que se faz possível a partir do cinema. É essa a proposta do documentário "Saravá, Meu Avô", que desvela a memória do professor e cineasta Eusélio Oliveira (1933-1991), um dos principais incentivadores do audiovisual cearense. Dirigido por Gabriela Oliveira, neta dele, e Xuxu, filho de Eusélio e pai de Gabriela, o filme relembra a trajetória pessoal e artística do protagonista, destacando legados e facetas do artista. O longa será exibido após a cerimônia de encerramento do 32º Cine Ceará, que ocorre no próximo dia 13 de outubro.

Em 58 anos de vida, Eusélio foi muitos: o pai, o agitador, o formador, o diretor, o poeta, o provocador, o militante. Fundador da Casa Amarela — espaço formativo da Universidade Federal do Ceará — e da Vídeo Mostra Fortaleza — semente do que tornaria pouco depois o Cine Ceará —, ele teve a trajetória abreviada em 1991, quando foi assassinado a tiros após uma discussão. Xuxu estava com o pai na hora do crime e foi um dos expoentes da luta por justiça.

Já Gabriela nasceu dois anos depois do assassinato do avô. "Quando criança, essa não era uma história trazida à mim pela minha família, eu não tinha idade para entender. Mas lembro, em passeios de carro, que passávamos por outdoors na cidade com mensagens de justiça sobre o caso Eusélio Oliveira", conta a diretora.

O crime virou símbolo da impunidade no País, já que o assassino, o militar Luiz Rufino, foi condenado pela justiça, mas conseguiu não ser preso por conta de uma estratégia de recorrer das decisões no processo. O assassino morreu em 2016 ainda impune. Wolney Oliveira — diretor do Cine Ceará, cineasta e também filho de Eusélio — destaca a abordagem do caso no longa como relevante para ressaltar essa luta. "O filme fala da questão da impunidade, faz um registro dessa denúncia. Nós estamos num País que, infelizmente, não tem memória", aponta.

Além da busca por justiça estimular a permanência da memória de Eusélio, o cinema também foi ferramenta importante neste sentido, uma vez que a atuação audiovisual passou de pai para filho e, depois, de pai para filha. Xuxu trabalha desde os anos 1980 na área e Gabriela se formou em cinema pela Universidade de Fortaleza. Foi no trabalho de conclusão de curso, inclusive, que surgiu a gênese do hoje longa "Saravá, Meu Avô".

"No momento de decidir o tema do TCC, resolvi olhar mais para perto. Lembrei dos papos na mesa de almoço de domingo, onde minha avó e minha tia contavam ótimas histórias e causos sobre meu avô. Pensei que, através de relatos assim, eu pudesse me aproximar dele de alguma forma e acabar o conhecendo", explica Gabriela.

"Com base nesse TCC, eu e meu pai resolvemos estender e aperfeiçoar o documentário, entrevistamos mais pessoas, conseguimos mais imagens de apoio e refizemos o trabalho de pesquisa, transformando em um longa", avança a diretora. A base do filme, ela conta, é um caderno de recortes guardado pela tia-avó que reúne cerca de 10 anos de notícias sobre o crime que vitimou Eusélio. Outro material importante foi o filme "Eu, selio", dirigido pelo diretor Glauber Paiva, ex-aluno do artista.

"Depois de um mergulho nesse material, foi iniciado um trabalho de pesquisa de arquivo, levantando fotos, documentos, trechos de filmes e vídeos onde vemos um Eusélio vivo e esperançoso sobre um futuro que não viveu", observa Gabriela. "Saravá, Meu Avô" costura materiais de arquivo com entrevistas feitas com familiares, amigos e alunos do artista. "Tem uma boa variedade de pessoas que passaram pela vida do Eusélio de alguma forma e que tem algo a falar sobre ele", afirma a cineasta, que estima um total de 70 pessoas entrevistadas para compor o longa. Junto das entrevistas e dos materiais de arquivo, o longa ainda traz a própria diretora ora como narradora, ora como personagem.

A multiplicidade do cearense é contemplada no filme, que pincela diferentes facetas dele. "O documentário traça um Eusélio além do Eusélio visto por muitos: o poeta, o perseguido e preso político, o família, o apaixonado pela mulher, o que idealizava", aponta Xuxu. "Ele foi um homem plural e essa pluralidade está presente no documentário. Acredito que ele seja um filme que gera uma intimidade do espectador. Você pode não conhecer o Eusélio, mas você quer saber mais sobre aquela figura multifacetada", observa Gabriela. "A grande faceta dele era esse Eusélio inquieto, que viveu fora do tempo dele, que via as coisas muito além. A visão dele é uma dessas grandes facetas. Por isso que muitos não entendiam aquela inquietude, mas com isso ele conseguiu abrir pontes e contatos", dialoga Xuxu.

O ano da criação da Vídeo Mostra Fortaleza, que viria a se tornar o Cine Ceará, coincidiu com o ano do assassinato de Eusélio. A semente foi plantada e germinou de modo potente nas décadas seguintes, reforçando a sensação de perda precoce do cearense. "Quando ele foi assassinado, era um menino. O que ele poderia ter ainda construído? Ele foi fundamental em muitas coisas e continua sendo", reflete Wolney.

Gabriela reverbera. "O que mais me surpreende sobre meu avô é imaginar o que ele poderia ser capaz de conquistar se ainda estivesse vivo. Me surpreende o que, em tão pouco tempo de vida, esse homem movimentou em Fortaleza. Onde estaria Eusélio em 2022?", pergunta.

"O filme é fundamental para nossa família, mas também para o cinema cearense registrar essa história", define Wolney. "O cinema foi trazido para essa família por meio do meu avô. Acho que ele ficaria feliz em saber que uma paixão dele hoje é a paixão da família. O cinema une essa família e deixa acesa a lembrança da luta do meu avô para espalhar essa arte por Fortaleza e pelo Ceará", dialoga Gabriela.

"Eu tenho certeza que tudo isso começou por um sonho: o do Eusélio Oliveira de transformar o cinema cearense num cinema visto pelo mundo, em abrir as produções, em democratizar esse acesso", arremata Xuxu. "Esse filme vai deixar esse Eusélio — que de fato não morreu, está em mim, no Wolney, na Gabriela, na nossa família, nos amigos, no cinema, no Ceará, no mundo — eternamente vivo. Esse é o grande legado que esse documentário vai deixar, deixar essa semente do Eusélio eternamente viva", finaliza o diretor.

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Saravá, Meu Avô

Quando: quinta, 13, após cerimônia de encerramento
do Cine Ceará (a partir
das 19 horas)

Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo,
500, Centro)

Acesso gratuito mediante retirada de ingresso

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