Em um corredor tomado por alunos, um som estridente interrompe piadas, brincadeiras e lanches para anunciar que é hora de voltar às salas. Durante as horas de aulas são apresentados conteúdos de ciências, matemática, português e, com tanta concorrência, uma porção de tempo para a arte. Com raras exceções, esta é a realidade da maior parte das escolas do País.
No ensino básico, os professores são incumbidos de abordar um pouco de tudo: da teoria à prática, movimentos artísticos, aulas de interpretação, a milenar história da arte - indispensável para os principais vestibulares, além de organizar feiras culturais, peças, shows de talentos e demais eventos, quando requerido. No cotidiano das escolas, a polivalência do professor de artes vai além de uma qualidade, é uma exigência.
Licenciada em Teatro pela Universidade Federal do Ceará e pós-graduada em Ensino da Arte, a professora Bruna Pessoa, 29, coleciona experiências lecionando arte em escolas da rede municipal.
"Hoje me coloco como professora de artes, como artista me descobri multilinguagem e não tenho mais a visão do teatro muito fechada, enquanto professora eu escolho assumir esse termo", se autodefine Bruna.
Suas primeiras experiências como bolsista de Iniciação à Docência foram ainda na universidade. "Durante o estágio, quando vi o processo de sala de aula, me afastei. Eu tinha muitas questões com a polivalência, de que eu seria uma professora que ia me formar em teatro, mas que na sala de aula não encontraria as condições necessárias para uma formação continuada em teatro e teria que contemplar outras áreas", relembra. A mudança viria em 2018, no período eleitoral.
"Eu sentia que tinha que fazer algo e me perguntava o que fazer. Aí pensei na educação: tenho que dar aulas!", conta. A primeira foi para uma turma de 8º ano da Escola Municipal Frei Lauro Schwartz.
"Quando saí, entrei no carro e comecei a chorar: os alunos estavam testando a professora nova e eu caindo no teste deles. Então pensei: vou ficar só até o fim ano", diz ela. No mesmo ano, um acontecimento marcante prolongou a experiência na escola.
"Uma vez que era festa de encerramento do ensino fundamental II e é um momento bem emotivo para eles. Estão saindo da escola, indo para o ensino médio e um aluno deu um depoimento de como ele não entendia e não queria entender sobre arte e como eu de certa forma ajudei nesse processo", narra a professora. Ministrando aulas percebeu formas de auxiliar os alunos a expandir visões sobre temas fundamentais.
"Eu como professora percebia como a homofobia, a transfobia e a intolerância religiosa eram muito fortes e dentro da arte eu poderia apresentar artistas e iniciativas que estavam questionando esses preconceitos e estigmas", compartilha ela. Para tornar a experiência proveitosa para si e para os alunos, a professora-artista entende cada aula como um espetáculo. "Eu sempre encaro como se estivesse entrando em cena, eram quatro aulas por dia, quatro espetáculos que eu estava fazendo e tinha cinquenta minutos para cativar aquele público", finaliza.
Massinhas, desenhos e pinturas em tinta guache são o ponto de partida da relação com a arte que acompanha a vida. Desde os primeiros passos, os professores auxiliam a relação entre estudantes, arte e educação, vínculo que acompanhou a vida de Gabi Gomes, 30, atriz e professora de Língua Portuguesa. Hoje, ela atua na escola de tempo integral Maria do Socorro Alves Carneiro, localizada no bairro Bonsucesso, em Fortaleza
"Eu me recordo na infância de passear pelos dois lugares, no campo do sonho, do desejo, e de pegar objetos e roupas em casa pra me fantasiar e me apresentar pra minha família. Também brincava muito de dar aula, mas ainda não pensava como profissão", recorda Gabi, que se tornará professora efetiva do município no próximo ano.
Por ouvir que nem a arte e a docência lhe trariam retorno financeiro, iniciou o curso de Ciências Contábeis e começou a fazer cursos livres em Teatro. "Comecei o teatro e aí então criei coragem para fazer outras coisas que eu gostava, então fui para curso de Letras", diz Gabi. Formada em 2020, entrou como substituta na rede pública de Fortaleza e agregou arte às aulas de Língua Portuguesa.
"Eu percebia esse desejo dos alunos por uma atividade diferenciada. Alguns fazem aulas por fora, de dança ou já tocam instrumentos, mas a maioria tem muita curiosidade e como eu trabalho numa escola de tempo integral, eu passo muito tempo com uma turma", explica. Aos poucos, debates e apresentações culturais foram conquistando os estudantes por se tratarem de aulas "fora do padrão". Agora, Gabi ministra com a professora de História a disciplina eletiva "Luz, cena e ação! a história do teatro como você nunca viu". "O teatro é um momento de muita liberdade, criatividade, pulsão, que na correria das aulas os alunos não conseguem vivenciar", encerra Gabi.
Ensino de artes: essencial ou complementar?
Entre os desafios citados pelas professoras, o tempo limitado, a escassez de materiais e espaços adequados para práticas artísticas e os prejuízos emocionais causados pela pandemia em professores e estudantes são recorrentes. Soma-se ainda a visão social de arte como algo "pouco importante", em um cenário de desvalorização da educação artística.
Gabriel Petter, mestre e doutorando em Educação pela Universidade Federal do Paraná, destaca a influência das escolhas curriculares neste cenário. "O que se percebe hoje, com o chamado Novo Ensino Médio, por exemplo, é a supervalorização de determinadas disciplinas, como Matemática e Português, em detrimento das humanidades e, claro, das Artes", avalia o pesquisador. Hoje, as aulas exigem uma abordagem ampla dos professores.
"O que é mais recorrente é que algum colega sem formação específica, mas que faz parte da grande área Linguagens e Códigos, acabe pegando a disciplina Artes como forma de complementar a carga horária em uma escola. Daí você pode medir a complexidade do problema", analisa. Segundo Petter, a arte cumpre papel essencial na formação humana. "O conhecimento acerca das artes ajuda não apenas no desenvolvimento cognitivo, mas também colabora no desenvolvimento de habilidades intelectuais e na formação de pessoas com juízo crítico", diz.
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