Rap e poesia de cordel, duas expressões artísticas diferentes, mas que se completam. E para um menino criado no bairro Sapiranga, periferia de Fortaleza, que sempre viu de perto o crime acontecer, a junção dos dois foi o caminho que encontrou para sair da depressão e deixar vivo o sonho de seguir como artista no País. Gutto, ou como se identifica nas redes sociais, 6utto, tem 23 anos e vê no rap a maneira de expressar o que sente e fazer com que os outros sintam o mesmo.
Com a música, o jovem tenta transformar o espaço no qual cresceu, levando a mente das pessoas para longe da realidade sofrida nas comunidades e fazer com que imaginem um mundo melhor para todos.
E foi trabalhando com uma dessas rimas que 6utto chamou a atenção do poeta Bráulio Bessa, fato que lhe rendeu uma participação no documentário "Poesia que transforma". Em entrevista ao O POVO, o jovem conta como começou sua relação com a música e como foi a experiência de participar do documentário do poeta cearense.
"Eu sinto que nasci com essa vocação de ser artista. Quando era criança, eu pegava o pandeiro e violão do meu avô e ficava batucando. Minha alma pulsa isso, é o meu sonho, colocar meus sentimentos para fora e a galera sentir a mesma parada que eu sinto", diz o rapper.
Morador do bairro Sapiranga, o jovem começou a cantar na escola aos 15 anos em um projeto chamado " educação", que incluía aulas de dança, hip hop , português e teatro. O rap foi o estilo musical escolhido pelo coração de 6utto, que tem como inspirações os Racionais MC's e Facção Central.
Para o artista, o rap brasileiro é, sem dúvidas, um divisor de águas, seja pelas inovações musicais ou pela capacidade de amplificar a voz de uma parcela periférica da população. O gênero está ganhando cada vez mais espaço nas playlists brasileiras nos últimos anos e mudando a vidas de jovens do país, mas ainda enfrenta preconceitos para se estabelecer no mercado musical.
"Fazer sucesso e viver de música é complicado, ainda mais aqui na cidade. O rap é um movimento grande, mas que não te dá um retorno financeiro bom. Espero que as coisas mudem", disse.
Para os jovens que moram em periferia e veem de perto a triste realidade do crime todos os dias, muitas vezes fica difícil imaginar um futuro em que tudo possa mudar. 6utto passou por uma depressão após ver o aumento da criminalidade em seu bairro, Sapiranga, e ter vários amigos mortos em meio a brigas de facções criminosas.
"Foi uma época complicada, eu já tinha meus traumas por não ter meu pai presente e acabei vendo muitos amigos e conhecidos morrerem. Fiquei com medo de morrer, de achar que seria o próximo e isso me pegou forte", relata o jovem. Na celebração de Natal de 2021, ocorreu uma chacina no bairro Sapiranga, onde seis pessoas morreram e várias ficaram feridas.
O crime abalou a comunidade e fez o jovem artista parar de cantar, não sair mais de casa e duvidar que seria capaz de seguir com seu sonho. "Fiquei muito triste, chorava sempre. Foi um momento muito difícil na minha vida, acho que um dos piores. Mas aprendi muito também".
6utto conta que lidar com a depressão o fez se reinventar como artista, a enxergar a vida diferente e amar as pessoas de forma mais generosa. "Comecei a ver a vida de uma forma mais amorosa, com mais calma e vontade de viver".
Bráulio Bessa e o documentário "Poesia que Transforma'
As participações do poeta Bráulio Bessa no quadro "Poesia com Rapadura", no programa da Fátima Bernardes, foram o pontapé que fez com que 6utto voltasse a cantar e enfrentasse a depressão.
"O Bráulio apareceu na minha vida em um momento de depressão que eu não fazia nada, só ficava em casa. Quando ele aparecia na TV, recitando as poesias eu me sentia abraçado por ele", conta o rapper.
O poeta conheceu as músicas de 6utto por meio das redes sociais e se encantou com as rimas e as mensagens que elas passavam para as pessoas. Braulio então procurou o artista e o convidou para participar do documentário "Poesia que transforma".
A obra audiovisual mostra como os textos de Bráulio impactaram a vida de seus leitores e como a vida deles se transformou, em parte, por causa das palavras do poeta cearense. O documentário está disponível no Gloplay.
"Conhecer 6utto foi muito transformador na minha vida. Acredito muito que a poesia tem esse poder. Eu sou cria disso, a poesia de Patativa do Assaré me transformou. E ver a minha poesia chegando a 6utto, e percebendo ele de também ser um transformador através da poesia é muito bonito", celebra o escritor cearense.
Para Bráulio, as rimas de 6utto são revolucionárias e salvadoras por retratar tão bem a realidade de pessoas que vivem em periferias. E justamente por isso, possuem o poder de transformar a vida das pessoas." Eu sou muito fã dele, ele transforma a minha vida todo dia, sempre que escuto esse cara de alguma forma eu também sou transformado".
Depois de conhecer e participar do documentário, 6utto viu no convite uma oportunidade de continuar fazendo música e de seguir transformando as pessoas com suas rimas.
"O Bráulio me disse que tinha gostado do meu som e me falou umas coisas que eu pensei: 'minha arte é massa mesmo'. Isso meu deu uma gás, uma vontade de continuar e tudo isso que ta acontecendo comigo é porque as palavras dele foram muito forte".
Agora o jovem sonha em alcançar voos maiores e espera que suas músicas e rimas façam a diferença na vida de outras pessoas como as do Bráulio fez na dele. Um de seus maiores sucessos é "Deixa os meninos sonhar" que conta a história de garotos de uma comunidade que buscam viver uma vida melhor. A música aborda a depressão e passa uma crítica social sobre as desigualdades vivenciadas pelos jovens periféricos.
"Meu maior sonho como artista é viajar levando meu som, meu amor, meu rap e mostrar quem eu sou. E proporcionar uma vida melhor para minha família e mudar de alguma maneira o lugar que moro", finaliza o jovem.
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