"Evidentemente Antônio Conselheiro foi tomado como um louco, como uma ameaça à República, um fanático e isso era decorrência de uma ética que assumia perante o outro, perante essa alteridade. Então, essa foi a primeira resposta do discurso dominante no Brasil", afirma o psicanalista Osvaldo Costa Martins, membro fundador, em 1997, do Movimento Antônio Conselheiro, em Quixeramobim, pesquisador da obra de Antônio Conselheiro, autor da pesquisa Os manuscritos de Antônio Conselheiro: Culpa e identificação na religião do filho. (Uma resposta à igreja e ao Estado).
"Foi preciso de fato fazer uma desconstrução do discurso oficial para que outra figura conselheirista emergisse dos escombros que o Estado brasileiro deixou em Canudos", afirma o psicanalista, acrescentando que a figura que emerge das releituras que começam a ser feitas sobre Antônio Mendes, o Conselheiro é a de "um heroico homem comum".
Os manuscritos deixados por Antônio Vicente Mendes Maciel foram encontrados após o fim da guerra pelos militares que invadiram o arraial de Belo Monte. Durante quase meio século, os textos permaneceram longe do alcance dos leitores até ganharem edições e os pesquisadores encontrarem ali um Antônio Conselheiro muito diferente do personagem louco narrado por Euclides da Cunha, ou o fanático bronco descrito pela imprensa da época.
Em primeiro lugar, cai por terra o louco ou paranoico. Em segundo, surge na caligrafia de Antônio um grande líder, cuja fé convoca a ação. "O que eu extraí dos manuscritos foi um Conselheiro que não tem nada de paranoico, desse louco que Euclides da Cunha pintou e outros tantos pintaram e não tem nada de uma ameaça a Republica", analisa Martins.
A busca por igualdade entre todos os que faziam Belo Monte é um traço de Conselheiro realçado por Neto Camorim, historiador, professor e membro da ONG Instituto do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural de Quixeramobim. Há pelo menos 15 anos Camorim faz o percurso entre Canudos e Quixeramobim reconstruindo a história de Antônio Conselheiro e de Belo Monte.
O historiador narra a frase de Antônio quando alguém se ajoelhava diante dele: "Levante-se, que Deus é outra pessoa". Camorim afirma que até mesmo o manarquismo do personagem precisa ser revisto. "É necessário pensar que esse monarquismo de Conselheiro é muito mais uma reação contra a república que não traduz os anseios do povo pobre do sertão", considera.
Oswaldo Martin retoma o fio da conversa para reiterar que o heroísmo de Antônio Conselheiro se faz a partir da sua própria vida comum. "Quando eu falo de um heroico homem comum, falo daquele sujeito sofrendo com seu sintoma, mas ao mesmo tempo não sucumbindo a ele e fazendo laço a partir disso". O pesquisador dos textos do Conselheiro complementa que os manuscritos de Antônio deixam claro sua liderança seja como construção, seja como intérprete do texto bíblico.
"O que se extrai dos manuscritos é um grande líder, um grande leitor da Bíblia e dos textos da época, um intérprete e que tomou isso como uma missão dele. Tornou-se um trabalhador de uma ética religiosa que pressupunha ação. A fé é o ato, acho isso bonito porque é o que vai guiar a vida dele como construtor de igrejas, dos açudes, e liderar o povo em mutirão coletivo".