Logo O POVO+
"Por um Brasil decente": legados de Darcy Ribeiro nos 100 anos do intelectual
Vida & Arte

"Por um Brasil decente": legados de Darcy Ribeiro nos 100 anos do intelectual

Na data que marcaria o centenário do sociólogo, político e pesquisador mineiro Darcy Ribeiro, Vida&Arte revisita produções e memórias afetivas do intelectual
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Com atuação política anterior à ditadura e no período da redemocratização do País, Darcy foi senador pelo PDT entre 1991 e 1997 (Foto: Agência Senado / divulgação)
Foto: Agência Senado / divulgação Com atuação política anterior à ditadura e no período da redemocratização do País, Darcy foi senador pelo PDT entre 1991 e 1997

Obra final do sociólogo, antropólogo, político e escritor mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997), "O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil' foi lançada em 1995 e é fruto do acúmulo de ideias, conceitos e olhares que o intelectual lançou para o País em 50 anos de vida pública. No prefácio à primeira edição, Darcy diz que a obra é mais do que um "texto antropológico explicativo".

"(Ele) é, e quer ser, um gesto meu na nova luta por um Brasil decente. (...) Este é um livro que quer ser participante, que aspira a influir sobre as pessoas, que aspira a ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo", escreveu. Para marcar o centenário do pensador, que ocorreria nesta quarta, 26, o Vida&Arte destaca faces mais e menos conhecidas de um dos principais sociólogos do País.

"Darcy tinha muitas peles", define a cineasta e socióloga Isa Grinspum Ferraz, que cita três específicas: antropólogo, educador, político. "Sem se filiar a nenhuma escola de pensamento, mas bebendo em muitas fontes, e conhecendo o país em que vivia, Darcy pode reler a história do Brasil e ousou fazer profecias sobre seu futuro. Investigou o Brasil e os brasileiros", aponta.

Isa conheceu Darcy em 1986 ao produzir documentário no qual entrevistou o intelectual. A relação teve sequência em parceria profissional que durou até a morte do mineiro. "Ele foi um grande mestre, sempre polêmico, tinha uma imensa capacidade de trabalho. Foi minha 'universidade'", considera.

Nos anos 1940, ele se mudou para São Paulo e, em 1946, se formou em Antropologia. Já em 1947, começa a trabalhar como etnólogo no Serviço de Proteção ao Índio (SPI). A experiência o aproximou de diferentes povos indígenas do Brasil, o que intensificou a produção de caráter indigenista do antropólogo. Em 1952, assumiu a Seção de Estudos do SPI e deu partida ao projeto do Museu do Índio, inaugurado no Rio de Janeiro em 1953.

Darcy Ribeiro com pintura Kadiwéu em Mato Grosso do Sol, em 1947(Foto: Fundação Darcy Ribeiro / divulgação)
Foto: Fundação Darcy Ribeiro / divulgação Darcy Ribeiro com pintura Kadiwéu em Mato Grosso do Sol, em 1947

A primeira memória de Darcy compartilhada ao Vida&Arte por Maciej Babinski, 91 anos, artista visual polônes radicado em Várzea Alegre, é desta época. "Poucos dias após a minha chegada do Rio de Janeiro, a adida cultural da Embaixada da França me levou ao Museu do Índio. Lá o Darcy mostrou pessoalmente o seu acervo precioso que viria a pautar políticas culturais ao redor do mundo, pelo ideário da Antropologia Cultural", recupera.

Na mesma década, Darcy teve ampla produção e atuação no campo da educação. Em 1959, por exemplo, planejou, com o educador e intelectual Anísio Teixeira, a Universidade de Brasília, instituição inaugurada em 1962 e da qual foi o primeiro reitor. Isa cita, ainda, a atuação de Darcy na reformulação de universidades latino-americanas no período de exílio e as criações dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

"Darcy fez parte de uma geração de intelectuais e artistas que acreditava ser possível construir um projeto cultural e político amplo para o Brasil e para a América Latina. Um projeto destinado a revolucionar as estruturas do país e do continente, e a construir um mundo mais justo, mais plural e mais alegre. Ele acreditava que uma educação integral de qualidade, com um caráter humanista, era o grande motor dessa transformação", aprofunda a socióloga.

O antropólogo chegou a atuar, 1962 e 1963, como Ministro da Educação da gestão do presidente João Goulart. Com o golpe militar em 1964, perdeu direitos políticos e os cargos na UnB e no SPI, se exilando no Uruguai. "O livro 'A universidade necessária' é essencial para compreensão da importância de Darcy na criação da Universidade de Brasília", destaca Babinski.

Sociólogo, antropólogo, educador e político, Darcy Ribeiro completaria 100 anos nesta quarta, 26 de outubro(Foto: Ayrton Camargo / Fundação Darcy Ribeiro / divulgação)
Foto: Ayrton Camargo / Fundação Darcy Ribeiro / divulgação Sociólogo, antropólogo, educador e político, Darcy Ribeiro completaria 100 anos nesta quarta, 26 de outubro

O artista trabalhou como professor assistente no curso de Desenho de Observação na instituição. "Após uma sequência de invasões e violações da liberdade de pensamento, pouco resta das ideias do início da sua criação", lamenta. Após a anistia, Darcy voltou ao Brasil e à vida pública do País. Foi um dos principais nomes do PDT, tendo sido eleito vice-governador do Rio de Janeiro na chapa de Leonel Brizola (1983-1987) e senador (1991-1997).

"O Povo Brasileiro" (1995), obra derradeira de Darcy, é definida por Isa como uma "espécie de síntese do pensamento" do pesquisador. "Ele retrata a formação sociocultural do povo brasileiro e mostra como o Brasil é um mosaico, um curto-circuito antropológico, um mundo feito de muitos mundos", aponta. "Sua mensagem fundamental é que é preciso conhecer e compreender essa formação singular para inventar um país que, potencialmente, por suas características, tem uma mensagem ao mundo de convivência pacífica entre os homens. Antes, porém, temos que resolver nossos problemas estruturais, que continuam machucando a nação", avança.

A fala da pesquisadora ecoa aquela que abre este texto, da luta de Darcy por um País "decente". "O Brasil é um dos campeões mundiais da desigualdade social. A herança escravista permanece introjetada no corpo e na alma da nossa sociedade. A educação segue desastrosa, os índios espoliados e assim por diante. Por tudo isso e muito mais, é estimulante conhecer as ideias e a obra de Darcy Ribeiro. E não apenas como notável expressão de uma época profícua da produção intelectual no Brasil, mas também como um horizonte aberto para se pensar o Brasil contemporâneo", finaliza Isa.

Estante

Maíra (1976)
Além do lado do pesquisador, Darcy também escrevia romances. Em "Maíra”, ele cria uma ficção com base em pesquisas antropológicas feitas pelo mineiro com povos indígenas ao longo dos anos. No mesmo gênero, publico ainda “O Mulo” (1981), “Utopia Selvagem” (1982) e “Migo” (1988)

O povo brasileiro: a formação e o sentido do brasil (1995)
Escrita ao longo de 30 anos, a obra final da carreira de Darcy reúne diversas reflexões sobre aspectos étnico-raciais e sócio-culturais do povo brasileiro, destacando ainda pensamentos sobre classe e diferenças sociais do Brasil

O Brasil como problema (1995)
Darcy Ribeiro propõe um diagnóstico do que faz o Brasil, historicamente, um País pobre e visto como atrasado. O pensamento do autor passa por aspectos como a exploração do trabalho, a “relação conflituosa” entre a sociedade e os povos indígenas e a má distribuição de renda

Educação como prioridade (2018)
O livro reúne diversos textos escritos por Darcy sobre educação divididos em partes que incluem escritos sobre o modelo da universidade, os problemas do setor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e modelos pedagógicos

Fundação

Criada em 1996 pelo próprio intelectual, a Fundação Darcy Ribeiro se dedica ao desenvolvimento de projetos educacionais, culturais, sociais e científicos. A instituição tem sede no Rio de Janeiro e conta com representação em Brasília, onde também fundou o Memorial Darcy Ribeiro, no qual os acervos de Darcy e Berta Ribeiro se encontram. No site da Fundar, é possível encontrar série de textos, documentos, vídeos e links que destacam escritos do próprio Darcy e, também, olhares sobre o pensador.

Onde: Fundação Darcy Ribeiro (rua Almirante Alexandrino, 1991, Santa Teresa - Rio de Janeiro)

Site: www.fundar.org.br

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

 

O que você achou desse conteúdo?